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Artigos-->A Ciência Atual -- 02/07/2008 - 17:52 (A.Lucas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pobres de nós, que vivemos numa era onde

a arte abandonou a estética,

a ciência abandonou a lógica

e a moral abandonou a ética.

Primo Nunes de Andrade





ALICE E O GATO

Sabidamente o gato de Alice no País das Maravilhas (bem como os demais personagens do livro exceto, talvez, a própria Alice) não é uma das criaturas mais sensatas do universo da fantasia. Quando Alice pergunta "qual o melhor caminho para sair daqui?" o gato retruca "depende para onde você vai". Ante a resposta "não sei" de Alice o gato argumenta que "então qualquer caminho serve".

Há uma semelhança entre este diálogo e a forma que a ciência atual se comporta: freqüentemente quando o cientista se pergunta "qual o melhor caminho para esta pesquisa?" a ciência retruca "não importa o caminho - qualquer linha de pesquisa levará a um resultado até agora inexistente."



Onde reside o principal conflito (ético / moral?) que leva engenheiros genéticos a divulgarem a possibilidade de se desenvolver seres híbridos, meio humanos / meio animais, para servirem como bancos de órgãos para transplantes? Não estão os cientistas tão cegos quanto Alice? Não se discute quanto seria gasto nessa pesquisa, tanto em recursos financeiros quanto humanos. Não seria, talvez, mais conveniente e mais ético investir esses mesmos recursos em pesquisas que, por exemplo, resultassem em alimentos mais saudáveis e que diminuíssem a necessidade de transplantes de corações, de rins ou de fígados? Não está a ciência atual muito mais governada por princípios financeiros e corporativistas do que éticos e tão desinteressada quanto o gato dos possíveis caminhos a seguir e do destino aos quais esses caminhos podem levar os cerca de três bilhões de "alices" habitantes do mundo real?

Poderíamos nós dizer que a existência de um conceito único, supranacional, apolítico e financeiramente autônomo, capaz de orientar essa ciência-gato e levá-la a dar respostas menos retóricas aos cientistas-alices, seria por si mesmo uma solução ao menos paliativa (vide órgãos semelhantes na ONU e outras organizações) ou esta é apenas mais uma utopia que rapidamente terá como destino ser gerida do alto de torres de marfim pelo mesmo sistema que tenta combater?



CIENTIFICAMENTE TESTADO

Talvez devêssemos começar por atribuir menor poder de decisão e de determinação aos ditos cientistas. Todos já viram, ou verão em breve, uma propaganda de um creme para a pele ou de um novo detergente "cientificamente testado", seja lá o que for que isso possa significar. Vale também relembrar uma velha piada: "Por que os economistas estão sempre discordando uns dos outros? Para não correrem o risco de estarem todos errados ao mesmo tempo!" (Peço perdão aos economistas, mas que é interessante é...)

A raiz desse conflito talvez nem esteja somente na questão ética, mas pode ter uma de suas causas na própria (in)definição de ciência, ao todo incerta quanto aos seus conceitos fundamentais. O excesso de especialização em determinada área do conhecimento, tão em voga a partir pós-guerra, leva a uma completa cegueira do mundo como um todo e raro é o dia que se vê um autoproclamado cientista/pesquisador de novas tecnologias com uma visão abrangente do que deve e do que pode ser feito. Diga-se de passagem que essa característica costuma ser muito endeusada, com fins bastante obscuros, pelos corporativistas de plantão. Basta então que um determinado problema tenha suas causas verdadeiras e suas conseqüências para o homem-comum numa área diversa daquela na qual militam os "especialistas" para que estes saibam tudo sobre um certo assunto mas fiquem paralisados pelo temor do erro (ou seja: da sua falta de "especialização") ao apontar soluções factíveis e moral e eticamente sadias a curto e médio prazo. Para avaliar a extensão dessa cegueira intelectual pergunte a três ou quatro economistas, de preferência com formações em escolas distintas, quais as reais causas da inflação que corrói as mais combalidas economias de todo o mundo, ou pergunte a cientistas da computação quais os benefícios imediatos para essas mesmas economias dos supercomputadores que andam consumindo milhões de dólares, ou a médicos, de qualquer especialidade, em que aspectos as pesquisas de ponta na engenharia genética podem aliviar o sofrimento de 50% ou mais dos pacientes que diariamente freqüentam seus consultórios.

Os "bancos de idéias" criados nas décadas passadas nos EUA e em outros países desenvolvidos, compostos de cientistas de renome, tinham por finalidade assessorar dirigentes em geral (habitualmente políticos) nas grandes tomadas de decisões. Esses bancos se mostraram inócuos pois os cientistas das diversas especialidades precisaram, na prática, se render a uma constatação óbvia: nenhum deles tinha toda a visão de conjunto necessária e quem poderia (e deveria) enxergar de forma um pouco mais abrangente só possui a capacidade de olhar na direção do próprio status quo político e econômico. Chegou-se mesmo a discutir se o ponto principal não estaria na incapacidade de determinar quais as variáveis relevantes para cada situação, e aqui vemos novamente o "pensamento científico" (na verdade meramente o pensamento formalizado e engessado pela "especialite crônica" disfarçada de neocartesianismo) em busca de uma roupagem (pseudo)científica para uma crise que, podemos concluir, não é de scientia ou de forma, mas de bom-senso e de conteúdo.

Parece que, no final das contas, os cientistas sociais e políticos podem apenas se render (nos transformando em reféns dessa rendição) ao fenômeno "natural" de ascensão e queda de civilizações, sendo que a única coisa capaz de distinguir a nossa das anteriores (Egípcia, Suméria, Helênica etc...) é a capacidade de destruir o planeta inteiro e toda a vida que há nele.



O PONTO DE MUTAÇÃO

O filme de Fritjof Capra, "O Ponto de Mutação" (cujo título original - The Turning Point - talvez exprima melhor a idéia de uma reviravolta, uma guinada de 180o) perpassa todas essas idéias, procurando mostrar ao menos três pontos-de-vista: o da cientista que vê seu trabalho idealista deturpado e transformado de uma possível tecnologia de diagnóstico e cura para outra de morte; o do político que apenas aceita a realidade objetiva dos fatos (e por melhores que sejam suas intenções elas em nada se aproximam da tentativa de discussão e modificação dos problemas) e o do poeta que, um tanto mais sonhador, é também muito mais voltado ao senso-comum.

Assistimos hoje a uma revolução sem precedentes, causada pelo vertiginoso ritmo de desenvolvimento dos bens de informática. Não temos consciência do volume e da extensão dessa revolução, por estarmos bem no "olho" do furacão, mas, indubitavelmente os resultados futuros, observáveis apenas nos próximos séculos (se chegarmos lá, é claro, e ainda dignos do pretensioso autotítulo de "racionais"), serão vistos como muito mais abrangentes do que foram todas as demais revoluções sócio-culturais, seja a revolução propiciada pela agricultura (que retirou do Homem sua característica nômade, fixando-o à terra e iniciando o conceito de propriedade) seja a Renascença, que iniciou o que se pode chamar de visão moderna do universo, seja a Revolução Industrial, que plantou as sementes do que vemos e vivemos hoje. Parte dessa revolução pode ser sentida na falta de tempo, talvez uma das grandes pragas de nossos dias, ao contrário do que parecem prometer os cada vez mais eficientes computadores e meios de comunicação. A sensação que o nosso "tempo subjetivo" está cada vez menor, que cada vez temos mais coisas a fazer e resolver e menos tempo disponível para isso, leva-nos a pensar se a mecanização do tempo, enquanto ruptura do homem com a natureza, não é senão um dos reflexos perversos dessa ciência que tenta diariamente nos oferecer tecnologia capaz de economizar tempo para (?...)

Nossa crença atual no poder ilimitado da ciência enquanto método de desenvolvimento e divulgação de pensamento e tecnologia nasce em terreno pantanoso (uma imagem sutil para o subconsciente, apresentada no filme). A visão de que o universo é tão compreensível (para nós, de mente contemporânea) quanto um relógio medieval (incompreensível para a quase totalidade dos homens-comuns da época) e que suas partes defeituosas podem ser analisadas e consertadas uma a uma, desde o átomo de Bohr ao comportamento coletivo de toda uma nação, e que por trás disso não há mais nada, leva a uma posição deficiente de julgamento - um "ateísmo" implícito no próprio conceito de ciência e um laicismo moral capazes de levar o dito pensamento científico a supor que (parafraseando Lavoisier) por trás desse grande relógio não haja um grande relojoeiro.

O ponto de vista quase que inverso deste, extremamente naturalista e, num certo sentido, medieval, apregoa (por enquanto ainda timidamente) os malefícios de toda e qualquer tecnologia, desconsiderando o fato que, para sustentar alguns bilhões de criaturas humanas, ainda que de forma não-homogênea e deficiente, é extremamente necessário que disponhamos de bens e serviços "tecnologicizados". Desde a mecanização da agricultura e da medicina (que vem realmente levando a melhoras num ou noutro campo, ainda que isto continue não alcançando todos os que, por sua natureza humana, teriam esse direito) aos avanços da bio-engenharia e da informática, não é mais sensato pensar em pura e simplesmente descartar essa tecnologia, sob pena de não termos condições de sustentar (com bases apenas em recursos "naturais") tanta gente. Em outras palavras (peço licença ao autor da frase): a espaçonave Terra não admite passageiros, apenas tripulantes - e todos estes deveriam estar moral, estética e eticamente muito bem preparados.

Assim, concluímos que há que se "repensar" toda a estrutura de poder, não como poder político, militar ou financeiro, mas desse poder estranho com que o argumento científico prova, através de uma simples média, que a renda per-capita de um certo país vem aumentando, sem demonstrar como explicar a um chefe de família recém-desempregado que essa média pode alimentá-lo, vesti-lo e fazê-lo feliz (esta, eu creio, seria uma boa forma de demonstrar, na verdade, a inocuidade do desenvolvimento a qualquer preço e de forma não-homogênea).



Alexandre Lucas R. Cordeiro - Abril de 1998

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