Cheiro da infância
Sobre a mesa, na fruteira,
provocante, a manga.
Manga engorda.
Deixo-a. Que inerte envelheça
e de velhice, apodreça.
Abstenho-me dela e de quilos a mais.
Passo bem sem seu sabor.
Sem o perfume, não.
Apanho-a. Cheiro-a levemente.
O olfato nada me devolve.
Deito-lhe, amassado, o nariz.
Aspiro profundamente. Nada.
Hoje, é inodora, a manga.
Seu perfume perdeu-se no tempo.
Queria, recuperando-lhe o cheiro,
resgatar parte da infância,
infância cheirando à manga.
Impossível.
Lastimo que não se possa
fotografar os odores.
Lamento não ser mais criança.
Recoloco-a na fruteira.
Manga engorda. Cheiro, não.
E em não o sentindo,
vejo para sempre perdido,
o longínquo e adocicado
perfume de um pomar
ensolarado.
Maria da Graça Almeida
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