A maciez do gramado contrastava com o pinicar que provinha da própria grama. Eles deitados, lado a lado, de mãos dadas, analisavam as nuvens como faziam quase todas as tardes.
Ela olhava uma nuvem com jeito de carneiro e não sentia vontade nenhuma de nomear bichos ou objetos, que corriam e rapidamente se transformavam. Sentia, isso sim, uma necessidade imensa de falar de outras coisas. Bem simples, como:
— com que cor você pintaria o mundo inteiro, para se sentir mais feliz?
— quando está muito triste, o quê faz para o coração não explodir?
— como digere a raiva?
— quando a frustração se infiltra devagarinho,você é capaz de ficar quietinho num canto e analisar todas as saídas?
— quando chora, as lágrimas fogem pelo nariz?
— já foi capaz de ficar horas perdidas acompanhando o vai e vem de uma trilha de formigas?
— qual a sua primeira reação quando sente medo?
— de quem ou do quê sente saudade?
— quem são seus heróis?
Mas os minutos foram passando sem que destravasse sua alma; sentiu um leve aperto em sua mão como um sinal de que deveria falar, era sua vez. Respirou fundo, buscando o equilíbrio de minutos atrás, quando a mesmice de sempre parecia certa e perfeita.
Firmou o olhar na nuvem, desfrutando do pinicar, sem a mínima coragem de tudo mudar...
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