Os monjolos ambulantes
Leonardo Teixeira, poeta, contista e cronista do Jornal O POPULAR
Era domingo suave e o sol ainda nem havia dado a luz ao dia, nos confins do horizonte, mas os olhos do matuto se empanturravam de paciência e melancolia ao perceberem os batuques rimados e constantes do monjolo, ao lado da bica d´água. De barba mal feita, roupas velhas, botinas talhadas, chapéu cansado, talvez o homem do interior não soubesse a intensidade do que o cercava, ou eu não havia observado.
O sol já se mostrava na mesma intensidade da ponta do pito de palha em brasa. Os raios e fumaças confundiam-se entre as folhas do bacuri. Eu percebi um significado sensível da vida. Significado que, de tão profundo, carrego até hoje. Meio contrariado, de carona, mas já conformado com a maré itinerante do mar da vida.
O monjolo sobe e desce, bate com precisão de um relógio, sempre em dois momentos, na eterna monotonia, como as idas e vindas do singelo trabalhador, numa rotina circular quase inquebrável, e, como nós, os monjolos produzem seus frutos laborosos, pela força e insistência do pilão, o café, o milho, ou qualquer outro grão, nitidamente moído, pronto para o consumo. Nós trabalhamos pela força e insistência da necessidade, e colhemos obviamente o que plantamos no passado.
Não há como recuperar grãos quebrados ou desfragmentar resíduos moídos. Não há como voltar ao passado, ou modificar nossos frutos. É que o tempo - costumo dizer -, já nasce morto a cada segundo que passa.
Todavia, a vida permanece viva como as ondas oceànicas, lançando seu fluxo, rumo ao infinito, pela força e insistência do acaso ou do destino. Talvez nunca saberemos qual deles.
Somos monjolos ambulantes e também fomos plantados no chão da vida, e enraizamos nos caminhos do cotidiano, porém, temos duas vantagens: pensamos e somos capazes de mudar.
Não há como dizer "pare o mundo que eu quero descer". Não há como fazer o sol estacionar numa vaga celeste, nem como parar uma chuva, um terremoto ou um desmoronamento.
Muitos rezam pela interferência divina; na hora em que os parafusos da agonia apertam, até o preguiçoso salta, e tudo convém. Outros tentam o heroísmo egoísta de quem mora numa ilha deserta, junto da solidão. Há ainda os que semeiam mentiras e combatem falácias com hipocrisias vazias. Não é de ave, mas é uma pena! Árduo trabalho constante, o de Sísifo. Mais difícil ainda é o trabalho de viver para os que vivem na ilusão.
Não somos (todos) engenheiros, mas precisamos construir. Todos sabem que navegar, nem sempre é preciso, mas viver é preciso. Prefiro agir nos caminhos insólitos, planto o melhor que posso, ainda que pouco, desfrutando os frutos que não me afrontam, durante a caminhada humilde de aprendizados. E vocês? Estão comigo?
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