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Artigos-->Antônio Chimango -- 28/07/2008 - 23:40 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Antônio Chimango



Paulo Monteiro (*)



Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, abrem o Prólogo que escreveram para Poesía Gauchesca, a coletânea de poetas gauchescos canônicos, por eles organizada, com dois parágrafos luminares sobre o gênero que representa as “tradições mais autênticas da Pampa”. Ei-los:

“Nas literaturas da América, o gênero gauchesco constitui um fenômeno singular. Aqueles que intentaram uma explicação limitaram-se a assinalar o protagonista desta poesia. Estudaram o gaúcho. Questionaram sua vida e seus costumes. Tudo isso útil e necessário, sem dúvida, não esgota o problema. A vida pastoril tem sido típica de muitas regiões da América, desde Montana ao Chile. Essas regiões, contudo, não produziram um gênero análogo ao gauchesco. Que circunstâncias determinaram, nas repúblicas do Prata, a origem dessa poesia?

“É notório que os “gauchescos” – assim os denomina Ricardo Rojas – não foram gaúchos; foram homens da cidade, identificados com os trabalhos rurais ou pelo acidente das guerras, com a vida do gaúcho. Foi necessária, pois, para o surgimento da literatura gauchesca, a conjunção de dois estilos de vida: o urbano e o pastoril. Não menos necessária foi a homogeneidade da população surgida nessas províncias. Os assalariados das cidades – o vendedor de água, o carroceiro, o ambulante, o açougueiro – não diferiam essencialmente do gaúcho. Tampouco haviam notáveis diferenças lingüísticas. O sotaque e o vocabulário do gaúcho eram facilmente entendidos pelo homem urbano. Este encontrava no campo um espetáculo que era bastante curioso para ser lembrado e bastante próximo para ser íntimo. O campo, com suas grandes distâncias, com seus selvagens rebanhos, com seus elementares perigos, com seu sabor homérico, seria na memória uma experiência de liberdade e plenitude.”

Resumindo o pensamento de Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares: em nenhuma parte das Américas, onde a criação de gado foi a atividade econômica predominante, surgiu uma poesia regional como a gauchesca. Isto só foi possível porque houve um intercurso cultural entre homens da cidade e do campo. Os primeiros assumiram a linguagem e o sentimento dos últimos.

Até aí tudo bem. Quando estudamos a biografia dos clássicos gauchescos Batolomé Hidalgo (1788-1822), Hilário Ascasubi (1807-1875), Estanislao del Campo (1843-1880), Antonio d. Lussich (1848-1928), José Hernández (1834-1886) e Ventura R. Lynch (1851-1883), notamos algumas características comuns: todos foram homens urbanos, jornalistas, militares e políticos militantes. Apenas Ventura Lynch, não teve militância política. E mais: suas poesias inserem-se num subgênero conhecido como poesia social. Todos eles colocaram seu estro a serviço de uma causa e de um partido político. Até mesmo a Historia de Pedro Moyano, do portenho Ventura Lynch não foge a esta última característica.

Todos os clássicos da gauchesca, uns mais e outros menos, fizeram obra panfletária, e muitos deles verdadeiramente satíricas. Certas passagens muito próximas da chamada poesia pornográfica. Transcrevo alguns versos de Aniceto el Galo, de Hilário Ascasubi, recolhidos ao acaso.

!a la gran... pu...nta saltó!

pero allí... pu... cha y truco!

ni el p...ito se les oyó...

donte pu...chas va a parar

c...jar a esos saltiadores

Bartolomé Hidalgo, também não fica para trás em sugerir palavras impublicáveis:

!la p... que eran traviesos!

!En p...!, el pingo ligero

la p... los maturrangos!

Aliás, esse la p acabou transformando-se na conhecídissima interjeição A la pucha!...

No Rio Grande do Sul a gauchesca produziu um grande poema, Antônio Chimango, publicado em 1915, por Ramiro Fortes de Barcellos (1851-1916), sob o pseudônimo de Amaro Juvenal. O Autor reúne todas as características pessoais dos clássicos gauchescos platinos: homem urbano, culto (formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro), político militante (chegou a senador da República pelo Partido Republicano Rio-Grandense), militar (coronel pica-pau, durante a Revolução Federalista) e jornalista (colaborador de A Federação, jornal do castilhismo).

A exemplo dos seus antecessores platinos, Ramiro Barcellos, nascido em Cachoeira do Sul, conhecia perfeitamente a vida do campo, seja como homem de uma pequena cidade do interior; seja como político, em suas constantes campanhas eleitorais – perdoe-se o trocadilho – pela Campanha.

Dissentindo da burocracia do Partido Republicano Rio-Grandense, rebela-se contra a indicação de Hermes da Fonseca para uma vaga de senador pelo Rio Grande do Sul, em 1915. Espezinhado por Antônio Augusto Borges de Medeiros, que comandava o PRR com mão de ferro, concorre ao Senado à revelia do partido oficial. É derrotado, revidando com uma série de artigos publicados do Correio do Povo e, a seguir, escrevendo Antônio Chimango, biografia em versos do ditador republicano.

O poema adquiriu ampla repercussão. Conta-se que Honório Lemes, cognominado “Leão do Caverá”, sabia passagens inteiras do poema de cor. A censura foi severa. A Brigada Militar invadia casas à procura da obra subversiva. Os possuidores do livro ou declamadores do poema eram “desinfetados” à espada pelos homens de Borges de Medeiros. Apesar disso, a obra era reeditada e circulava clandestinamente.

Após a edição príncipe, de 1915, a segunda edição saiu em 1923, para a qual foram aproveitadas correções e anotações feitas por Ramiro Barcellos, impressa clandestinamente nas oficinas da Última Hora, em Porto Alegre. A terceira edição, de 1925, também saiu em Porto Alegre, impressa em gráfica ainda não identificada; a quarta, também clandestina, foi feita no jornal Correio da Serra, de Santa Maria. A quinta edição, já saiu no Rio de Janeiro, em 1932, através de Schmidt Editor, do Rio de Janeiro, sob o título de Antônio Chimango e sua Continuação. Essa Continuação é a História de D. Chimango, publicada inicialmente no Rio de Janeiro, em 1927, por Homero Prates, sob o pseudônimo de Juvenal Jr.

A estrutura do poema é simples. Abre com a OFERTA, uma dedicatória AO RIO GRANDE, assinada por AMARO JUVENAL:

Velho gaúcho – Insaciável

De fazer aos mandões guerra,

Nestas páginas encerra

Por um pendor invencível –

Seu amor – Incorrigível

Às tradições desta terra.

A epígrafe repete palavras de Borges de Medeiros em carta ao senador Pinheiro Machado, em que Ramiro Barcelos é definido como “sempre insaciável e incorrigível”.

O poema é formado por outras 213 estrofes, totalizando 1275 versos, distribuídos em cinco rondas, verdadeiros cantos. Comparando-se aos clássicos da gauchesca é curto. Santos Vega, de Hilário Ascasubi, tem 13.180 versos e Martin Fierro, de José Hernández 7.200 versos.

Augusto Meyer foi um dos grandes responsáveis pela divulgação e a popularização dos estudos sobre Antônio Chimango, juntamente com Walter Spalding, ao promover a 6ª edição do poema no número 6 da revista Província de São Pedro, em setembro de 1946. Essa edição começa à página 135 da revista, com o ensaio ÉPOCA, MERECIMENTO E INFLUÊNCIA DE “ANTÔNIO CHIMANGO”, de Walter Spalding, continua com o PREFÁCIO, de Augusto Meyer, à página 140, seguindo-se o poema, das paginas 145 a 160.

A partir dessa publicação na Província de São Pedro, inicia-se o reconhecimento nacional de Antônio Chimango, reconhecimento que se firma, a partir da 8ª edição, em 1952, na coleção Província, da Editora Globo. Esta edição contém Prefácio de Augusto Meyer, Notas de Augusto Meyer e Oscar Bastian Pinto, e um Posfácio de Alfredo Simich.

Ramiro Barcellos não é um poeta popular. A exemplo dos clássicos da gauchesca, é um poeta culto. E tão culto que rompe com a tradição épica de invocar proteção no mundo das divindades. Camões, em Os Lusíadas, busca o patrocínio das ninfas do Tejo. José Hernández, no Martin Fierro, pede aos santos do céu que ajudem o seu pensamento. Tio Lautério, mulato que não toca viola, mas um “bandônio”, socorre-se da “botija”, agarrando-se à proteção de “um trago de cachaça”,

Para contar a vida

Saco da mala o bandônio,

A vida de um tal Antônio

Chimango – por sobrenome,

Magro como lobisome,

Mesquinho como o demônio.

Não conta a vida de nenhum leão, de nenhuma raposa, de nenhuma águia, mas de um simples chimango, um carrapateiro, um comedor de pintos e pequenos pássaros.

Já nasceu fraco, mas “cheio de manha e lombrigadas”, forma poética de contestar o “insaciável e incorrigível” com que lhe brindara Borges de Medeiros.

Não é nenhum santo, nenhuma ninfa, que irá vaticinar o futuro do “pereca”. O destino do “fanadinho” será traçado por uma cigana, em seis estrofes que definem o perfil psicológico do ditador positivista:

“Virabosta é preguiçoso,

Mas velhaco passarinho:

Pra não fazer o seu ninho

Se apossa do ninho alheiro;

Este há de, segundo creio,

Seguir o mesmo caminho.



Cobra é bicho traiçoeiro,

Guaraxaim disfarçado,

Quando se sente pegado,

Deita e se finge de morto;

Matreiro é o novilho torto,

Que se esconde no banhado.



A erva de passarinho

É praga mui conhecida

E tão mal-agradecida

Às arves em que se nutre,

Que, mais feroz que um abutre,

Mata as que le dão a vida.



O pescador se aproveita

Da minhoca, bicho à-toa,

Também muita gente boa

Se serve da mão canhota,

De um couro se faz pelota,

Quando não se tem canoa.



Ninguém se fie, portanto,

Neste tambeiro mansinho;

E o digo porque adivinho

E percebo muito bem

Na linha torta que tem

Perto do dedo minguinho.



Este, pois que aqui se vê

C`um jeitinho de raposa

Parece um Mané de Souza,

Mas, isto é só na aparência;

Inda há de ter excelência,

Inda há de ser grande cousa.”

O retrato de Antônio Augusto Borges de Medeiros, traçado nas estrofes aqui transcritas, é o retrato de todos os oportunistas, aproveitadores e autoritários. Subservientes até alcançarem seus desígnios antecipadamente traçados, autoritários em qualquer posto que atinjam.

Embora alguns historiadores áulicos, dos muitos que “escreveram” a história do Rio Grande do Sul, vivendo das sinecuras do governo do Estado, entoassem loas ao saber jurídicos e sociológico do “Dr. Borges”, Ramiro Barcellos, assim resume as dificuldades de aprendizagem do ditador:

Levou tempos o Chimango,

Rúim como a carne da pá,

E chegar ao a-m-ão.

Não era por vadiação,

A cabeça é que era má.

Pra sair do b-a-bá

Ramiro Barcellos elogia o patriarca da República no Rio Grande do Sul, Júlio Prates de Castilhos. Destaca-lhe a cultura, o cuidado com o Estado, a ordem, o labor dos gaúchos. E continua, sublinhando o oprtunismo do aproveitador Borges de Medeiros, cuidando porco no chiqueiro, puxando água num petiço, socando quirera pros pintos, realizando outras tarefas menores, mas, acima de tudo, fofoqueando e alcagüetando.

Aos poucos foi o Chimango

Se prepassando a carancho,

Ia fazendo o seu gancho

E arranjando o seu farnel

À sombra do coronel,

Caladinho e sem desmancho.

Castilhos era aquilo que se pode chamar de “oportunista genial”, tanto que, para suceder-lhe escolher o “o mais fraco” de todos os seus companheiros, “para evitar contendas e que briguem por engôdos”.

Desse jeito é que Borges de Medeiros chegou ao governo do Estado, e à ditadura. Consolidou-se no poder após a morte de Júlio de Castilhos, levando o Estado ao caos. Descreve esse estado de coisas em estrofes como estas:

Com a tal religião nova

Tudo é possível fazer;

Basta o Chimango querer

E não há mais embaraço;

Quem resmunga vai pra o laço,

pois a regra é obedecer.



......



O desmando vê-se em tudo,

Não é só na criação;

Parece, por maldição

Que deu-lhe o tangolomango,

Pois, até quer o Chimango

Que não se plante feijão.



.......

Ninguém dizer sabe ao certo

Quando isto há de ter fim;

Que a continuar tudo ansim,

Como agora tem andado,

Mande esparramar o gado,

E faça arrancar o capim.

O fim foi a Revolução de 23, iniciada aqui em Passo Fundo, tramada num velho casarão da Rua Moron. O tratado de Pedras Altas, abriu espaço para que Borges de Medeiros deixasse o poder. Sucedeu-lhe Getúlio Vargas. Veio a Revolução de 30. Borges de Medeiros uniu-se aos seus antigos perseguidos libertadores e maragatos, em apoio à Revolução Constitucionalista. Amargou a prisão. Morreu idoso.

Alguns historiadores intentaram escrever a biografia de Antônio Augusto Borges de Medeiros. Ninguém conseguiu superar Antônio Chimango, a obra prima da gauchesca em língua portuguesa, digna de figurar ao lado de Santos Vega, Aniceto el Gallo, Fausto, Los Tres Gauchos Orientales, El Matrero Luciano Santos e Martin Fierro, os clássicos da gauchesca platina.

Bibliografia Básica:

Borges, Jorge Luis Y Adolfo Bioy Casares. Poesia Gauchesca: Edición, prólogo, notas y glosarario de. Volumes I e II. Primeira edición, Primeira reimpresión. México, D.F.: Fondo de Cultura Economica, 1984.

Camões, Luís de. Os Lusíadas: Edição critica de Francisco da Silveira Bueno. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d.

Camões, Luís de. Os Lusíadas: Edição Comentada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1980.

Hernández, José. Martin Fierro: Edición Anotada por Ramon Villasuso. Buenos Aires: Editorial Sopena Argentina, S.R.L., 1953.

Hernández, José. Martin Fierro: Edición de Luis Sáins de Medrano. Buenos Aires: Red Editorial Iberoamericana S.A., 1980.

Juvenal, Amaro. Antônio Chimango. 6.ª Edição. Província de São Pedro, nº 6, Porto Alegre, setembro de 1946.

Juvenal, Amaro. Antônio Chimango: Edição Crítica. 3.ª Edição Refundida, 1.ª impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1961.

Juvenal, Amaro. Antônio Chimango. 22.ª Edição. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1982.

(*) Paulo Monteiro é presidente da Academia Passo-Fundense de Letras e pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior. Autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais e literários. Endereço para envio de obras para leitura e análise: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP: 99.001-970 – Passo Fundo - RS

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