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Artigos-->A Violência Contra a Mulher Durante a Revolução Federalista -- 28/07/2008 - 22:55 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Violência Contra a Mulher Durante a Revolução Federalista



Paulo Monteiro(*)





A Revolução Federalista, que ensangüentou o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, entre os anos de 1893 e 1895, foi a mais violenta guerra civil ocorrida no século XIX no continente americano, segundo concluiu A. Bierce, norte-americano, que cobriu o conflito para um jornal de Nova York. O jornalista chegou a essa conclusão após conversar com Apolinário Porto Alegre, talvez o mais brilhante intelectual sul-rio-grandense do período, um dos mais antigos propagandistas da República e dos primeiros a romper com Júlio de Castilhos e os positivistas, que transformavam o governo do Estado numa ditadura.

Conforme conclusão desses dois publicistas, os comunicados oficiais levavam a uma estimativa, ainda hoje repetida pelos historiadores, de que o número total de mortos em combate andaria ao redor de dez a doze mil vítimas. Devido à falta de recursos médicos, para cada guerreiro que tombava no campo de luta o tétano, a gangrena e a infecção generalizada matavam outros dois, o que elevaria o cômputo para entre trinta mil e trinta e seis mil óbitos. E tem mais: acrescentando-se um percentual, também de acordo com as partes oficiais, de 20% sobre os mortos em ação, correspondente aos vitimados pela degola, o total de mortos, durante a Revolução Federalista poderia ultrapassar 38 mil pessoas. Esse número, percentualmente ao de habitantes, é que daria à “revolução da degola” o título de a mais mortífera revolução americana do século XIX.

Em todas as guerras, mormente as guerras civis, as mulheres, as crianças e os velhos são aqueles que mais sofrem, as maiores vítimas. Não seria diferente no Rio Grande do Sul, onde tropas irregulares de maragatos e pica-paus cometeram todo tipo de atrocidade, inclusive violentando mulheres e estuprando meninas, diante de pais, maridos e irmãos, amarrados em palanques e quatro estacas, como retratam testemunhos de então. A uns homens simplesmente espancavam a relho, enquanto eram obrigados a assistirem as mulheres de suas famílias serem abusadas; outros, logo a seguir, eram degolados e até castrados diante de esposas, filhas, noras e irmãs.

Notícias de que fatos desse tipo aconteceram em todas as partes do Estado estão ao alcance de todos os pesquisadores daquele período.

Em Porto Alegre havia duas mulheres para cada homem, quando, historicamente, a proporção entre habitantes de ambos os sexos é mais ou menos equivalente. Isso, conforme observadores da época, se deve a dois fatores: o engajamento de homens nas forças beligerantes ou sua fuga para o exterior ou lugares ermos. A miséria era generalizada, aumentando a prostituição feminina de todas as idades e, inclusive, de garotos que vestidos de meninas eram sodomizados por militares da Brigada Militar e dos corpos provisórios castilhistas.

Em Passo Fundo todas as famílias tinham homens participando das forças em luta. Até por isso, a situação não deveria ser diferente de outros municípios, tanto que, em certa época, apenas três homens foram encontrados na cidade, um deles o padre da paróquia. Os dois padres daquela época, simpáticos aos federalistas, deixaram fama de infidelidade aos votos de castidade. E esta teria sido a causa principal para que o “facinoroso” padre Manoel Thomaz de Souza Ramos fosse degolado por um piquete de provisórios, que o condizia preso a Cruz Alta, sob ordens de coronéis e capitães enciumados. O adultério era generalizado, tanto entre os homens quanto entre mulheres e, por extensão, muito grande o número de filhos de pais ignorados.

As mulheres, continuando uma tradição das revoluções americanas, a exemplo do que já acontecia entre os índios, seguiam as forças beligerantes. Logo depois do massacre do Rio Negro (28 de novembro de 1893) mulheres acompanhavam soldados federalistas guarnecendo o local. Cerca de 200 mulheres marchavam com o exército de Gomercindo Saraiva, na região serrana. Elas serviam como enfermeiras, participavam do carcheio (saque dos adversários mortos) e satisfaziam as necessidades sexuais dos combatentes. O aspecto físico denunciava as origens negra e indígena da maioria dessas mulheres. A julgar pelo relato que chegou até nós, muitas eram índias puras, entregues por suas famílias como “esposas” de soldados federalistas. Umas, simplesmente seguiam – a exemplo de Anita Garibaldi, que abandonou o marido – atrás de um guerreiro pelo qual se apaixonassem; outras, ainda, eram raptadas e levadas na “reculuta” da montonera.

As notícias de estupros e assassinatos de mulheres em Passo Fundo estão documentadas. Os políticos republicanos locais, liderados pelo coronel Gervazio Luccas Annes, chegaram a contratar um grupo de mercenários correntinos que cometeu todo tipo de atrocidades no município. Esses mesmos políticos mantiveram uma “cadeia particular” encerrando os “elementos perigosos”, inclusive mulheres. Levavam os prisioneiros para os “matos dos Valinhos”, onde eram executados. Sirva de exemplo das violências cometidas contra a mulher o caso de uma dessas vítimas, já em adiantada gravidez, que identificando no líder dos “encapuzados” encarregados dos assassinatos o avô do filho, implorou pela vida da criança. O próprio bandido abriu o ventre da infeliz e reconhecendo pela cor dos cabelos, semelhanças entre a criança e pessoas de sua família, “mandou dar sepultura cristã”, ao neto...

Talvez, por isso, a primeira santa popular passo-fundense, Maria Meirelles Trindade, conhecida pelo apelido de Maria Pequena, filha de índia caingangue e branco, tenha surgido nessa época.

O marido de Maria Pequena pertencia às forças governistas. No dia 28 de novembro de 1894 – exatamente um ano após o massacre do Rio Negro -, um piquete maragato chegou à casa da família, à procura do militar republicano. Não encontraram ninguém. Souberam que Maria, como era costume da época, lavava roupas numa sanga das proximidades, o Arroio Raquel, entre as atuais ruas Mato Grosso e 1º de Maio, mais precisamente ao lado da rua Cel. Chicuta, na Vila Cármem. Maria foi dominada e questionada sobre o paradeiro do marido. Este, e um filho menor do casal, esconderam-se nos Valinhos. Disse que não sabia onde o esposo se encontrava. Levou um pontaço de faca, e continuou negando. Esfaquearam-na, uma segunda vez. Manteve a negação. Mais uma facada, e outra negativa. Sentindo que nada arrancariam daquela mãe e esposa, degolaram-na ali mesmo. No próprio local do martírio foi sepultada por mãos caridosas.

Maria Pequena adquiriu fama de “santa”. A população passou a fazer promessas, acender velas e o local se tornou um ponto de culto religioso. Edificaram um túmulo azul para ela. A moralidade infantil era alta. Os “anjinhos” foram sendo sepultados ao lado da mulher que morreu para proteger o marido e o filho.

Na década de 1950, para dar lugar à Vila Cármem, o cemitério foi demolido e os ossos de Maria Meirelles Trindade recolhidos à Catedral de Passo Fundo, à espera da construção de um mausoléu no Cemitério da Vera Cruz. Com a destruição do túmulo da “santa”, os milagres mermaram até a extinção, que acompanhou o desaparecimento dos restos mortais de Maria Pequena. Segundo informações do ex-padre Jacó Stein aos historiadores Heleno Damian e Marco Antônio Damian, quando foi pároco da Catedral ordenou que depositassem os restos da degolada sob o antigo altar-mor daquela Igreja. Tornei pública essa descoberta durante o lançamento de meu livro “Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo” e através de publicações nos meios de comunicação social.

Dispensável notar que o culto a Maria Pequena representou uma forma de manter a memória das mulheres vítimas da Revolução Federalista, entre nós.

(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de ensaios sobre cultura e história do Rio Grande do Sul, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior, entre elas a International Academy Of Letters Of England, de Londres, a Academia Literária Gaúcha e a Academia Passo-Fundense de Letras, da qual é vice-presidente. Integra, ainda, o Instituto Histórico de Passo Fundo. Publicou “Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo”, que foi a obra mais vendida durante a última Feira do Livro. Após devassar os combates travados em Passo Fundo, está devassando a Revolução no Estado.
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