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Artigos-->Defendendo a Verdade -- 28/07/2008 - 16:11 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Defendendo a Verdade



Paulo Monteiro



Quando ingressei na Academia Passo-Fundense de Letras, dentre as cadeiras vagas constava a de número 32, cujo patrono é Gomercindo dos Reis, um dos fundadores do sodalício local. Meu amigo Ney Eduardo Possap d`Ávila foi ao encontro de meu propósito de assumir essa cadeira. A admiração pela figura humana do satírico de Jardim de Urtigas firmara essa convicção. E o estudo que venho fazendo de sua obra, cada vez mais, consolida essa admiração.

Poeta, político, publicista, homem envolvido com sua e minha terra natal, Gomercindo dos Reis também era daqueles convictos de que “Idéias não são metais que se fundem”. Podem unir-se, fundir-se – e pior! –, confundir-se, jamais.

Como já deixei claro em artigos publicados da Somando (Edição 107, de fevereiro de 2006) e na Água da Fonte (Revista da Academia Passo-Fundense de Letras), em abril do ano passado, o lírico de Cravos e Rosas foi o primeiro líder comunitário de Passo Fundo, ao enfrentar a especulação imobiliária entre 1928 e 1930. Arrastou processos e prisão, mas salvou a Praça Brasil, na Vila Rodrigues. Depois enfrentou toda a ditadura do Estado Novo, promovendo excursões ao local onde ocorreu a Batalha do Pulador, mostrando aos donos – mais passageiros do que imaginam – do poder e aos seus esbirros que são imorredouros os sonhos de liberdade.

Gomercindo dos Reis foi um panfletário. E panfletários foram grandes escritores: Maquiavel, Voltaire, Rousseau, José Hernández, Torres Homem, Castro Alves, José de Alencar, Aureliano Cândido Tavares Bastos, Eduardo Prado, Euclides da Cunha e Rui Barbosa, apenas para falar em alguns autores que excreveram textos fortes e se tornaram clássicos.

Há momentos em que o escritor precisa transformar a pequena faca de cozinha em uma espada, sob pena de acanalhar-se. Aí surge o panfletário, talvez no momento de maior sublimidade literária, pois o risco de transformar-se num asqueroso janísaro é muito grande.

O panfletário que, pelas páginas de O Nacional, salvou a Praça Brasil reaparece alguns anos depois, nas colunas do mesmo jornal, enfrentando o Estado Novo, na pessoa do interventor Arthur Ferreira Filho. Os artigos que publicou e os discursos que pronunciou em praça pública foram enfeixados no panfleto Defendendo a Verdade (EMPRESA GRÁFICA EDITORA, Passo Fundo, 1947, 185 páginas). O futuro autor da História Geral do Rio Grande do Sul tinha tudo para desgostar Gomercindo dos Reis. Vinha do antigo Partido Republicano Rio-Grandense, combatera a Revolução de 23, da qual o poeta fizera parte. E era um positivista, autoritário e ditatorial tão empedernido que não apoiara a Revolução de 30 e só apareceria na cena política anos depois, “na qualidade de emissário ou “recadeiro” dos Vargas”, como escreve Gomercindo, à página 4 do livro que lhe dedicou.

Gomercindo nos mostra que o interventor – e Arthur Ferreira Filho foi exatamente isso, interventor – começou formando um Conselho Consultivo com Arthur Lângaro, Inocêncio Schleder, Dorval Miranda, Hélio Morsch, Dr. Verdi De Césaro, Adão Kern, Aristóteles Lima, Mário de Lemos Braga e Túlio Fontoura. O objetivo era respaldar as decisões do interventor. O “Conselho Consultivo teve vida efêmera porque o Prefeito pretendeu expô-lo ao ridículo, resolvendo as questões mais importantes à revelia dos seus membros que só eram convocados para opinar sobre assuntos banais, como vasilhames que seriam adotados pelos leiteiros, etc....”, conclui à página 8. Gomercindo dos Reis mete o bedelho em tudo, e com pertinência. Discute assuntos que continuam atuais, como a espécie de árvores que devem ser plantadas nas praças e o tipo de material mais indicado para a pavimentação das vias públicas.

Expõe Arthur Ferreira Filho ao ridículo, como a crônica O BEM-TE-VI E A CASCAVEL (OP. CIT., PÁGINAS 18/21). E defende a desapropriação de imóveis aos fundos a atual Escola Estadual Protásio Alves, para a ampliação daquele estabelecimento de ensino e outra proposta atualíssima, seis décadas depois: um mercado público. Preconiza a construção de um “Estadium Municipal”, às páginas 153 a 157.

O livro termina denunciando a bandidagem que se alastrava pela cidade e região. Lembra a morte do jovem Inácio Ribeiro Diehl, no dia 13 de fevereiro de 1945, possivelmente por uma quadrilha de contrabandistas de pneus, negócio criminoso responsável pela formação de algumas fortunas familiares. Recorda o assassinato do delegado de polícia Demenciano Barros de Morais, em pleno centro da cidade. E conclui recordando a morte do ex-soldado Valpirio Dutra da Cruz, pelo major Creso de Barros Jorge Monteiro, à época, comandante do 3º Batalhão, sediado em Passo Fundo. Creso contou com o apoio de subordinados, um destes degolador durante a Revolução de 23. O Caso Creso é hoje disponível no livro CRIMES QUE COMOVERAM O RIO GRANDE, editado pelo Memorial do Ministério Público, onde pode ser lido entre as páginas 180 e 215.

Se durante a Revolução Federalista, no final do século XIX, a política passo-fundense era dirigida por José Gabriel da Silva Lima, durante as primeiras décadas do século XX, o comando político passou para Firmininho de Paula, o célebre degolador do Boi Preto (10 de abril de 1894). Durante o Estado Novo, Gomercindo dos Reis deixa claro que a política de Passo Fundo passou a ser dirigida pelo coronel Valzumiro Dutra (Op. Cit., p. 4). Episódios recentes, envolvendo indústrias que estavam praticamente acertadas para serem instaladas na Capital do Planalto indicam que as coisas não mudaram muito. Por isso, apesar de publicado há sessenta anos, Defendendo a Verdade é um livro atual.

Agora, é importante salientar que tanto Gomercindo dos Reis quanto Arthur Ferreira Filho, apesar de adversários políticos inconciliáveis, sabiam separar suas divergências ideológicas das questões pessoais. Tanto o que afirmo é verídico que, no ano seguinte à publicação de Defendendo a Verdade, a 7 de abril de 1938, estavam juntos durante a fundação do Grêmio Passo-Fundense de Letras, hoje Academia Passo-Fundense de Letras, instituição a que ambos serviram com denodo até os últimos dias de suas vidas.

Ao finalizar este artigo, deixo um sincero agradecimento à professora Nira Worm dos Reis, que me brindou com um exemplar desse livro que testemunha a importância do seu pai para a história de Passo Fundo.



O BEM-TE-VI E A CASCAVEL



Gomercindo dos Reis



Faz seis anos que aconteceu um caso singular nos arredores desta cidade que muito tem preocupado aqueles que não acreditam em benzeduras contra picada de cobras, aranhas, etc.

Não pensem que vamos fazer pilhéria, pois, o caso é verídico e poderá ser confirmado por muita gente. Ei-lo:

Quando a Prefeitura necessitou adquirir uma área de terras para a projetada Escola Rural, o Coronel, numa dourada manhã de primavera, embrenhou-se na espessa mataria da conhecida chácara do Dr. Rebelo Horta, afim de examiná-la. Como não pudesse afirmar se essa terra prestava para a agricultura, porque não entendia, resolveu pedir a opinião de um agregado, morador da dita propriedade. Era um caboclo pequeno, cor de bronze, olhos arredondados e negros, sem bigode e sem barba, porém, com vasta cabeleira que lhe ia até os ombros.

O caboclo era respeitado na redondeza como profeta, curandeiro, enfim era tido e havido como sabichão... Era tão “escolado” que, apesar de morar num rancho em ruínas, tinha o retrato de Getúlio Vargas na parede e estava completamente identificado com a gente do Estado Novo...

O Coronel gostou do caboclo, seu irmão de raça, como costumava dizer... E saíram os dois pari passu, pela mata adentro...

O caboclo caminhava e apontava com o dedo, dizendo: “ali produz trigo admiravelmente; Lá, se pode fazer uma grande plantação de milho e outros cereais; naquele recanto, abrigado dos ventos, dá uma linda plantação de árvores frutíferas”.

Enfim, esta terra é maravilhosa! Em se plantando tudo dá...”

Ouvindo esta, olhou o caboclo de soslaio e soltou uma risadinha gozada...

Embrenhado na mata virgem, às 10 horas de uma risonha manhã de primavera, o Coronel, às vezes ficava imerso, ouvindo a passarada...

Eram juritis que soltavam soluços plangentes, à sombra de frondosas árvores; os sabiás quebrando o ermo da mataria, com seus cânticos melancólicos...

As cigarras faziam ouvir as primeiras cantigas, prenunciando a vinda de um sol abrasador. As nossas matas não possuem somente pássaros de voz plangente, melancólica. Há, também, pássaros pilhéricos, que comprometem muita gente, quando imitam a voz humana...

Foi justamente o que aconteceu, quando o Coronel estava à sombra de uma árvore, distraído, contemplando a natureza... Em dado momento, logo acima de sua cabeça, ouviu o canto estridente de um pássaro provocante, que feriu os seus ouvidos: BEM TE VI!

Irritado com a provocação de avesita que espiava de cabeça torta, proferiu estas palavras: “Tu não vês coisa alguma, passarinho tolo! Eu, sim, vejo o futuro risonho do Estado Novo... Estás, também, implicando comigo?”

Como a avesita continuasse a repetir: BEM-TE-VI! BEM-TE-VI! O “herói” resolveu dar o fora...

De regresso, quando atravessava um pequeno riacho, pulando por cima de uma árvore podre, foi mordido por uma cascavel, na perna esquerda, pouco acima do tornozelo...

Sentindo-se picado pela serpente venenosa, o Coronel “botou” a “boca no Mundo”, pedindo socorro: queria ambulância, com toda a urgência...

O caboclo, porém, hábil curandor de mordedura de cobra, não viu nenhum perigo. Benzeu, com a maior naturalidade, a perna do Coronel, depois colocou em cima da cisura, umas ervinhas e garantiu a cura...

Em seguida procurou o réptil para matar, mas teve uma grande surpresa: encontrou a cascavel completamente mora, “mortinha da silva”...

O Coronel constatara que o perigoso animal estava sem vida, expressando-se, leitor, desta maneira, apontando o dedo: –“Conhecente, cobrinha!”

Contou-nos o caboclo, mais tarde, que o Coronel tem, no corpo, um veneno terrível, fulminante, pior que o veneno da estranha cobra voadora, chamada Jequetiranobóia...

Como o leitor vê, o Coronel não morrera de veneno, assim como também não morrera de acidente! Para justificar o que afirmamos, basta dizer que no dia 13 de agosto de 1946, o automóvel “914” caiu num abismo perto de Vila Maria, dando cinco cambalhotas, tendo o Coronel saído ileso, sorridente, de óculos nos olhos e charuto Havana na boca...

(Publicado n`O Nacional de 18/12;1946 e no livro

Defendendo a Verdade, páginas 18 a 21)

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