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Artigos-->A ÚLTIMA FOLIA -- 18/07/2008 - 13:30 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No domingo, 29 de junho último, dia de São Pedro, ao ler as notícias no jornal, deparei com a reportagem dos cinqüentas anos da primeira conquista do Brasil em Copas do Mundo de Futebol.

Meus pensamentos levaram-me, então, para aquele distante e saudoso domingo de 29 de junho de 1958.

Tinha completado dezessete anos no final de maio. Trabalhava desde os catorze anos e estudava à noite. Por isso, convivia pouco com os meus amigos de adolescência e de farras, nas ruas da Vila Clementino.

Eu morava no Largo do Matadouro, hoje, Largo Senador Raul Cardoso, onde localizava-se o antigo matadouro municipal, construído no século XIX. Seus edifícios históricos pertenciam à prefeitura do município e foram tombados em 1992 pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo, para se transformar em uma das sedes da Cinemateca Nacional.

Como o Brasil foi para a final da competição com a Suécia, resolvemos nos encontrar para preparar uma grande comemoração, caso nos tornássemos campeões.

Assim, fomos avisando os antigos companheiros da nossa “tropa de choque”.

Meu vizinho Ervin e seu irmão Osvaldo, Rubens e Martins, o Nelsinho da rua Gandavo, além dos irmãos Nélson, Hélio e Chico, e outro amigo, o Chico Gilete, que moravam nas dependências do antigo matadouro, onde seus pais trabalhavam. Convidamos o Joãozinho, um meio parente meu, e, por último, os filhos mais velhos de uma família recém chegada de Taubaté – o Zé Fuinha e o Getúlio Caipira, de doze anos.

O pai do Fuinha e do Getúlio não ia muito com a nossa cara. Na primeira semana em que eles estavam morando no Largo, o mais velho saiu com uma bicicleta nova em folha, que pedimos emprestada para dar umas voltas. Ao retornar, entregamos a bicicleta toda pintada de zarcão. Além de a nossa mão-de-obra não ser de primeira qualidade, aquele zarcão vermelho, todo empastado, levou o pai dos garotos a jogar a bicicleta fora, ou melhor, a vendê-la por uma ninharia ao ferro-velho.

Mas voltemos aos nossos preparativos.

Na sexta-feira à noite, na garagem da casa do Ervin, começamos a fazer um balão-caixa de 116 folhas de papel de seda, intercalando as cores verde e amarela.

Passamos o sábado comprando fogos, principalmente caramurus de três tiros, busca-pés, bombinhas e outros materiais, como sacos de estopa, arame, velas, para fazer a tocha do nosso enorme balão. Breu e outros produtos de combustão estavam à nossa disposição na pequena fábrica de produtos químicos do seu Joãozinho, também no Largo, bem ao lado da casa do Fuinha. O zelador – e motorista da fábrica – era o nosso amigo Catuné, simpático mulato quarentão, que sempre participava das nossas brincadeiras.

Finalmente amanheceu o dia de São Pedro, domingo, 29 de junho de 1958, com um pouco de neblina. Neblina na serra, sol na terra, diziam os antigos. Lá pelas dez horas, o sol apareceu, radiante, num céu azul, sem uma nuvem sequer. E, para a nossa felicidade, não havia vento. Podíamos soltar o balão com calma, sem risco de ele pegar fogo.

Em torno das onze horas, trouxemos o balão para fora e começamos a desenrolá-lo. Resolvemos soltá-lo do outro lado da rua, onde não havia casas, somente o muro do pátio da prefeitura. Para segurar a ponta do balão, foi necessário utilizar uma escada, pois ele tinha aproximadamente três metros de altura. Com a tampa de uma panela, que não sei de onde surgiu, começamos a inflar aquele colosso. Meia hora mais tarde, conseguimos colocar a tocha, embebida numa mistura de álcool e gasolina, e acendê-la. O Osvaldo, mais velho e experiente em balões, com um chumaço de algodão aceso, ateou fogo.. Com a mecha em chamas, ficamos mais de quinze minutos segurando o balão, até que, finalmente, por vontade própria, a enorme caixa, quadriculada de verde e amarelo, começou a subir, lentamente. Como não havia ventos predominantes, ele subiu quase numa linha reta ao som de dezenas de foguetes.

Já passava de uma hora da tarde quando resolvemos almoçar. O nosso balão era um minúsculo ponto preto, entre outras dezenas de balões que pintavam o firmamento.

Quando saímos na rua novamente, com o binóculo do meu pai, distinguimos a nossa caixa que, assoprada por correntes de ar, dirigia-se para os lados da Vila Mariana.

O jogo ia começar às três horas.

Como verdadeiros moleques que éramos, começamos a brincar com bexigas de plástico coloridas. Enchíamos cada uma com água, até quase estourar. Depois, em roda, atirávamos um para o outro. Quem não conseguia segurar a bola, deixando-a cair no chão, tomava um banho e tinha de ir para casa trocar de roupa, já que ficava todo molhado. O lugar ideal para formar a tal roda era bem no ponto do bonde, cujos trilhos corriam rentes à calçada. Além do desastrado que não conseguia segurar a bexiga, as pessoas que esperavam o bonde também ficavam molhadas. Brigas, discussões e correrias era exatamente o que nós queríamos.

Soltando fogos, colocando bombinhas nos trilhos do bonde para provocar um enorme barulho e assustar os passageiros, e molhando todo aquele pedaço de rua com nossas brincadeiras, esperamos o início do jogo.

Para alegrar mais a festa, o pai do Fuinha colocou um rádio no parapeito da janela de cima de seu sobrado.

Nem bem começou o jogo, a Suécia marcou um gol.

Longe de esfriar os ânimos, começamos a soltar busca-pés sem as varetas, deixando-os loucos, correndo ao redor dos nossos pés. Um deles estourou bem nas pernas do Getúlio, que teve de tirar os sapatos para fazer um curativo.

O tempo ia passando. Um a um. Dois a um para o Brasil.

Quando a nossa seleção marcou o terceiro gol, fomos ao ápice da loucura.

Começamos a soltar os poderosos caramurus de três tiros em direção da janela onde estava o rádio.

Um dos foguetes estourou bem perto do rádio que, num salto estrambótico, depois de alguns segundos dependurado pelo fio, e ainda transmitindo o jogo, estatelou-se no cimentado do jardim, soltando peças e válvulas para todos os lados.

Furioso, o pai dos garotos apareceu na janela. Outro caramuru foi solto em sua direção e estourou dentro do quarto.

Começou o segundo tempo. Desta vez, o pai do Rubens abriu a porta da casa e a janela que dava para a rua, e aumentou o volume do seu rádio, depois de prometermos, solenemente, que não íamos destruí-lo. Assim, ouvimos o restante do jogo.

Final de jogo: Brasil, cinco; Suécia, dois. Enfim, campeões do mundo!

Quando terminou a partida, resolvemos queimar todos os fogos restantes. O par de sapatos do Getúlio, que ainda estavam na calçada, foram parar em cima do telhado da sua casa.

Fizemos barricadas com tambores vazios da fábrica do seu Joãozinho para impedir o tráfego dos bondes. Com isso, os condutores, cobradores e passageiros uniram-se a nós para festejar a conquista do campeonato.

Pouco a pouco os ânimos foram se acalmando. Desobstruímos a linha do bonde. Assim, a vida no Largo voltou ao normal.

Eram nove horas da noite quando eu e o Rubens fomos comer uma pizza na Venitte, pizzaria que ainda funciona no bairro.

Comentávamos as farras do dia, olhando o céu, repleto de balões.

Quando saímos, a neblina dava às árvores e aos postes um ar fantasmagórico, encobrindo os últimos balões daquele festivo dia de São Pedro.

Voltei para casa com uma certeza – foi a despedida, a última folia nas ruas da paulicéia do meu coração!





Roberto Stavale

São Paulo, julho de 2008.

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