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Artigos-->Sangrando a memória da cidade -- 10/06/2008 - 09:58 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Paulo Monteiro lança livro sobre a revolução que marcou a história de Passo Fundo, remoendo a memória coletiva



Por Daniel Bittencourt e João Vicente Ribas



Nem jornalista, nem historiador. Na verdade ele se diz um publicista. É membro da Academia Passo-Fundense de Letras e tem centenas de artigos publicados em jornais e revistas. Na 20ª edição da Feira do Livro, ele estará lançando a obra "Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo" (dia 30, às 17h30min). Sem auto-censura, tampouco papas na língua, já foi processado por ter escrito versões da história nunca reveladas a público. Ele é Paulo Monteiro, a quem o jornal Cadafalso entrevistou neste mês de novembro.

CDF - Tu já foste processado ou notificado formalmente por artigo publicado em jornal?

PM - Sim. Eu respondi inquérito, processo. Mas isso faz parte de quem escreve, porque como diz o ditado: a verdade dói. E muitas vezes as pessoas gostam de pensar que a imprensa só é importante quando ela elogia. E, às vezes, quando ela elogia, ela se torna mercenária. Mas quando ela coloca as verdades negativas, as pessoas se rebelam. E isso é normal que a pessoa que se julgue ofendida busque a reparação. O que acontece é que o mais das vezes esse processo objetiva silenciar os órgãos de imprensa.

CDF - Por que escrever um livro sobre a Revolução Federalista?

PM - A verdade é que a Revolução Federalista sempre foi escondida. Especialmente na nossa região, onde ela se revestiu de uma violência generalizada. Em outras partes do Estado a degola aconteceu, como no caso do Rio Negro, com Adão Latorre, a mando do general Joca Tavares, comandante em chefe das forças federalistas que se retirou do local e deixou os prisioneiros serem degolados. Agora, a degola na região de Passo Fundo foi generalizada. Nem mesmo o padre Manoel Thomaz de Souza Ramos escapou.

A violência política em Passo Fundo vem de longe. O primeiro morador branco da cidade foi o Cabo Neves, que recebeu a área de Passo Fundo como indenização por Ter sido ferido em combate. Logo depois chegou outro militar, o capitão Joaquim Fagundes dos Reis, que veio para cobrar impostos. E se cria uma animosidade entre eles que vai se manifestar durante a Revolução Farroupilha, poucos anos depois.

CDF - Como foi a Batalha do Pulador?

PM - Toda a guerra ocorre, como todo o fato histórico, no tempo e no espaço. Na Fronteira, onde o campo é plano e aberto, podia se usar, com maior agilidade, a carga de cavalaria. Na nossa região, por causa da geografia do lugar, a carga de lança não podia ser usada em qualquer lugar. A prova disso é a questão da Batalha do Pulador, onde as forças pica-paus procuraram um local onde ficassem protegidas das cargas de lança, porque a grande arma que seria usada pelo exército liderado por Gomercindo Saraiva era a carga de lança e, naquele local, não tinha como operar com ela.

Agora, aqui na nossa região eram pequenos grupos de 200, 300 homens, chamados de piquetes, e que andavam tipo unidades guerrilheiras, mesmo. Por isso que foi difícil para os republicanos o combate na região, porque era uma guerra tremendamente irregular.

E outro detalhe que as pessoas esquecem é que aqui foi o grande laboratório para a campanha de Canudos. Muitos homens do 30º Batalhão da Brigada Militar, que foi destroçado pelos federalistas no Combate dos Três Passos, aqui em Passo Fundo, foram usados na campanha de Canudos, logo depois. A luta na campanha do Contestado e na coluna Prestes, serviu-se da experiência na guerra de guerrilhas usada aqui na região.

Foi um grande laboratório, inclusive, para o Exército. E isso pode contribuir para que tenha sido escondida a importância da Revolução Federalista em Passo Fundo, até por questões de segurança militar. Agora, muitos homens que passaram por aqui, tiveram destaque nessas outras campanhas em regiões com terrenos acidentados.

CDF - Foi a primeira vez que usaram a metralhadora?

PM - Não. Essa história de que foi a primeira vez que se empregou a metralhadora numa revolução brasileira é uma falácia. Ela já havia sido usada na Fronteira e em outros combates, no Cerro do Ouro e no Inhanduí. Outra falácia é a questão do quadrado de infantaria. Antes do Pulador ele já havia sido usado duas vezes em Passo Fundo, e eu deixo claro no livro. Foi usado pela primeira vez no Combate dos Valinhos, no dia 8 de fevereiro de 1894. Para se defender das cargas de cavalaria lançadas pelos federalistas, o coronel Santos Filho mandou formar o quadrado de infantaria para se defender. E com isso os federalistas recuaram.

CDF - Como foi a tua pesquisa para escrever o livro?

PM - Olha, são pelo menos seis anos de trabalho direto, juntando informações. É praticamente um trabalho de investigação policial cem anos depois, porque muitas dessas fontes foram queimadas, perdidas. Os próprios arquivos da Divisão do Norte foram dados como perdidos. Prestes Guimarães fala que muitos documentos tinham sido tomados. Os sobreviventes de todas essas monstruosidades e os familiares dos sobreviventes, acredito que tenham tido interesse em apagar essas provas.

CDF - Você tentou falar com alguns desses familiares?

PM - Não. As pessoas não falam sobre isso. Os traumas são muito grandes e até porque ninguém era santo nessa história. Para que se tenha uma idéia das coisas, as pessoas, de fato, evitam falar sobre essa verdadeira hecatombe. As matanças eram generalizadas e a violência continuou depois.

CDF - Essa rixa, depois da revolução, perdurou durante quanto tempo?

PM - Olha, se a gente for pensar em termos históricos, ela perdura até hoje. Um fato histórico: 1968. A Universidade de Passo Fundo era dirigida pelo doutor César Santos. Ele era neto do coronel federalista Chico dos Santos. Quando ele foi afastado da direção da universidade quem assume o lugar dele? O doutor Murilo Coutinho Annes, neto do coronel Gervazio Luccas Annes, o chefe maior dos republicanos em Passo Fundo. Então, setenta e poucos anos depois, continua a guerra.

E essa divisão nós notamos ainda hoje na luta política em Passo Fundo.

CDF - Daria para identificar dois grupos assim como os maragatos e os pica-paus, hoje?

PM - Olha, a coisa está muito confusa, e sempre foi. O Partido Republicano Rio-Grandense, que surgiu durante o Império, era formado por uma minoria de jovens influenciados pelas idéias positivistas de Augusto Comte.

Quando é proclamada a República, eles se unem aos conservadores, que eram oposição histórica aos liberais - que depois vieram a ser os federalistas -, e que dominavam a política do Estado.

O coronel Pedro Lopes de Oliveira, um dos líderes republicanos e pica-paus da Revolução Federalista me Passo Fundo, mais tarde, a exemplo do general Menna Barreto, rompem com o grupo do doutor Nicolau de Araújo Vergueiro e apóiam, a Revolução de 1923, ao lado de sues antigos adversários.

Então é muito confuso porque os interesses pessoais e de grupos se fundem e se confundem com interesses políticos. Um exemplo disso está na atual administração do município, onde partidos de oposição às forças mais ã esquerda, PDT e PSB, se unem contra o grupo que estava na administração e do qual fizeram parte até a alguns dias antes da eleição, e alguns dos nomes mais influentes continuam fazendo parte e passaram de uma administração para a outra.

Então, é muito relativo. A coisa é muito mais do que o velho patrimonialismo. São grupos de interesses, de famílias; são "fraternidades" que confundem o público com o privado. E essa é uma tradição histórica que a gente vai detectando à medida que vamos estudando a história de Passo Fundo.

CDF - O que tu achas da encenação da Batalha do Pulador?

PM - Eu acho que ela é importante porque resgata, seguramente, a mais importante batalha campal da Revolução Federalista; mais importante, por exemplo, de que a Batalha do Inhanduí, do que a aventura militar de Campo Osório, que é posterior à Batalha do Pulador, porque foi no Pulador que se decidiu a Revolução Federalista. Depois dela o que se vê é o mais combativo exército revolucionário, que era o de Gomercindo Saraiva, reforçado por uma parte do Exército Libertador Serrano, sob o comando pessoal de Prestes Guimarães, em uma corrida louca em direção à Fronteira; corrida essa que termina na morte de Gomercindo, quando o Exército Libertador Serrano se separa do exército dele.

Na verdade a revolução termina, militarmente, na Batalha do Pulador.

CDF - E a questão de encenar traz à tona isso?

PM - Ela é importante enquanto abrir espaço para a discussão sobre o que foi a Revolução Federalista na cidade. Agora, o que não podemos fazer é a carnavalização da história. Nós temos de lembrar que foram contados 1.014 corpos no local da batalha. Dezenas deles foram morrer depois em conseqüência dos ferimentos porque não havia o mínimo de tratamento médico, a exceção de um ou dois médicos sem recursos. Então, nós tivemos em torno de duas vítimas, mais de mil mortos e 800 feridos.

Então, nós não temos nada o que festejar. Eu penso que, ao invés de usar lenços vermelhos ou brancos, os encenadores deveriam usar lenços pretos em sinal de luto. Nós temos que chorar as vidas que se perderam nessa batalha.

Foram seis horas de combate e as pessoas se atirando de fuzis a uma distância de 30 metros entre elas. Não tinha bala perdida. Cada bala era um tombo.

CDF - No ano que vem, Passo Fundo faz 150 anos e terá nas comemorações a encenação da batalha, Rodeio e Mostra da Cultura Gaúcha. O que tu achas que é importante para lembrar e comemorar essa data?

PM - Eu penso que tudo isso é importante. Agora, a questão é que não existe história neutra. Não é o fato histórico, em si, enquanto comemoração o importante, é o conteúdo que se dá para essa comemoração.

Entrevista publicada na capa do jornal CADAFALSO, ANO II, Nº 14, novembro de 2006. Para esta edição o texto foi expurgado de algumas gralhas.

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