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Artigos-->A poesia popular de Xiko Garcia -- 10/06/2008 - 09:41 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A poesia popular de Xiko Garcia



Paulo Monteiro (*)



A poesia exerce um fascínio particular sobre as pessoas. Apresenta-se como uma espécie de mistério. Não é à toa que se lhe atribui origem divina. E o peso dessas concepções míticas está, ainda hoje, presente na Estética, “Filosofia das belas-artes; ciência que trata do belo, na natureza e na arte”, segundo o Aurélio.

Preso à camisa de força de um artigo jornalístico não posso estender-me sobre o tema. Avanço, apenas algumas linhas sobre a poesia popular, para chegar à obra poética de Francisco Melo Garcia, conhecido pelo nome literário de Xico Garcia. É pena.

Xico Garcia nasceu me Passo Fundo a 21 de abril de 1945, é bacharel em Ciências Contábeis e Administrativas, pós-graduado em Arteterapia, Educação e Saúde, especificamente na área de música e poesia, e acaba de ingressar na Academia Passo-Fundense de Letras. É um de nossos poetas mais populares e mais lidos, em especial pela vinculação de seus versos à música. Do ponto de vista estético é, em sentido restrito, um poeta popular.

Embora o tema seja bastante estudado, poucos pesquisadores se debruçaram sobre aquilo que os críticos literários chamam de literatura popular. Não falo das criações anônimas, folclóricas, mas das que, para usar expressões de Hegel, teorizando a cerca da poética oriental, “não exprimem nem o sentimento nem a coisa a que ele se refere; são modos de expressão artificiais, forjados pelo poeta sob a pressão da necessidade” (Hegel, Estética, Vol. VII, Guimarães Editores, Lisboa, 1980, p. 265). Pois, o mesmo que o filósofo alemão, há mais de um século e meio, dizia da poesia oriental pode ser dito sobre a poesia popular contemporânea.

O certo é que, ao estudarmos a história da criação literária, vemos dois ramos poéticos crescendo lado a lado: um que podemos definir como “esteticamente correto” e outro que não corresponde à “filosofia do belo”. Divisão que acompanha a dicotomia da linguagem culta versus linguagem popular.

Percorrer o assunto é mergulhar na história mesma da literatura e da cultura em língua portuguesa. E nesse caminho é indispensável lembrar Luís António Verney, talvez o mais importante intelectual que escreveu na língua de Camões no século XIII. Profundo conhecedor da literatura de seu tempo e sem meias palavras pagou caro por isso. Leia-se-lhe este parágrafo, da obra publicada pela primeira vez em 1746: “Digo, pois, que o estilo dos Poetas deste seu Reino e desta sua língua pouquíssimo me agrada, porque é totalmente contrário ao que fizeram os melhores modelos da Antiguidade e ao que ensina a boa razão. A razão disto é porque os que se metem a compor não sabem que coisa é compor; onde, quando muito, são Versificadores, mas não Poetas. (...)”( Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar, Volume II, Estudos Literários, Livraria Sá da Costa – Editora, Lisboa, 1950, págs. 201/202).

Verney criticava o artificialismo dos poetas portugueses. Lembrava (Id., p. 230/231, Nota 17) o soneto abaixo de Miguel Leitão de Andrade, publicado em 1629, mas cuja temática se perde na noite dos tempos:

O tempo já de si me pede conta;

É necessário dar-se à conta tempo,

Que quem gastou sem conta tanto tempo,

Como dará sem tempo tanta conta?

Não quer levar o tempo tempo em conta,

Porque conta não fez de dá-la em tempo

Onde só para a conta havia tempo,

Se na conta do tempo houvesse conta.

Mas que conta dará quem não tem tempo?

Em que tempo a dará quem não tem conta,

Que quem a conta falta, falta o tempo?

Vejo-me sem ter tempo, e com ruim conta,

Sabendo que hei-de dar conta do tempo

E que se chega o tempo de dar conta.

O tema do velho soneto lusitano perpassa a obra do passo-fundense Xico Garcia. E está presente em um dos seus mais conhecidos poemas, O Tempo (Xico Garcia, Vivência, Gráfica Danielli, Passo Fundo, 1998, págs. 14 e 15. Também disponível em K-7 e CD, na voz do Autor), mostrando que aquela persistência formal e temática, merecedora da insubordinação de Verney, continua mais viva do que nunca.

Hegel, quanto à poesia, afirma que “o seu princípio é, de uma maneira geral, o da espiritualidade. Mas, em vez de se servir da matéria grave, para atribuir à interioridade uma ambivalência simbólica, como a arquitetura, ou em vez de talhar na matéria real uma representação exterior e espacial do espírito, como o faz a escultura, a poesia representa o espírito para o espírito, sem dar às suas expressões uma forma visível e espacial. Por outro lado, a poesia está em condições de exprimir não só a interioridade subjectiva, mas também as particularidades da vida exterior, de uma forma muito mais completa e compreensiva do que o fazem a música e a pintura; ela é simultaneamente sintética e analítica: sintética na medida em que é capaz de reunir num único feixe os elementos da interioridade subjectiva, analítica, na medida em que é susceptível de desenvolver, justapondo-as umas às outras, as particularidades e singularidades do mundo exterior” (Hegel, Ed. Cit., p. 11).

Ora, uma característica de toda a poesia popular é que não se prende à camisa de força da Estética, mormente da “interioridade subjectiva”, conseqüência natural da “representação do espírito para o espírito”. O poeta popular sempre tem algo a dizer, escreve “sob a pressão da necessidade”. Necessidade que tanto pode ser a de dizer alguma coisa ou de produzir uma obra vendável. No primeiro caso lembre-se os conhecidíssimos “poemas de cantar mulher”, tão comuns entre os românticos e que fazem a popularidade daquela escola, ou os romances de cordel, cantando assuntos do momento ou temas sensacionalistas, como o famoso caso da “mulher que bateu na mãe e virou cachorra”.

A linguagem do poeta popular é a do homem comum. Ainda que a temática seja regional, que o poeta cante sua aldeia, é parcimonioso no emprego das expressões regionais.

Xico Garcia é um típico exemplo de poeta popular. Toda a sua poesia transmite um recado. Insere-se dentro daquilo que a Filosofia define como senso comum, e que merece, uma atenção especial dos filósofos contemporâneos. Portanto, foge à “interioridade subjectiva” e à “representação do espírito para o espírito”. Quer transmitir um recado e transmite. Faz seus os famosos versos de José Hernánez, no Martín Fierro, (Edición de Luis Sáinz Medrano, Rei Argentina, Buenos Aires, 1980, p. 201):

“Yo he conocido cantores

que era un gusto el echuchar;

mas no quieren opinar

y se divierten cantando;

pero yo canto opinando,

que es mi modo de cantar”.

Diferentemente, porém, dos demais poetas da gauchesca, mesmo ao cantar temas regionais, é cauteloso com o emprego de regionalismos lingüísticos, como o demonstram todos seus poemas.

Todos os estetas e críticos literários reconhecem a proximidade da poesia e da música, até porque ambas dependem da sonoridade, salvo a poesia visual. Neste particular, é sintomática a identificação da poesia popular com a música popular. E muitos poemas de Xico estão musicados. Sua poesia alcança um público maior, através da musicalização.

Para a Estética é dogma a inferioridade literária das letras de músicas em relação aos poemas propriamente ditos. Entretanto, contribuem para a popularidade de seus cultivadores, como Xico Garcia.

Ao contrário do que muitos pensam, os poetas populares são, no geral, até rigorosos com seus poemas. Limam, cinzelam, sem dó nem piedade. Uma simples leitura mais atenta dos poemas de nosso poeta pode comprovar essa assertiva. Um dos mais recentes é intitulado “Se Achando Muito Machona”. A primeira variante do poema era em quadras, começando assim:

Quanto a mim tem quem duvida,

Vem outro que me questiona,

Mas eu vou levando a vida,

Sei que Deus não me abandona.



Sempre pagando a passagem,

Não seu arranjar carona,

Mas muitos viajam de avião.

O povo pobre que abona.

O texto (por enquanto) definitivo é o seguinte:

Quanto a mim tem quem duvida

Vem outro que me questiona...

Mas eu vou levando a vida

Sei que Deus não me abandona.

Sempre pagando a passagem

Não sei arranjar carona...

Mas muitos viajam de avião

É o pobre povo que abona...

Terra e mãe de filho andejo

Qualquer um chega e se “adona”...

Como vemos, as quadras de um esquema rimático livre, embora mantendo os tradicionais ABAB e ABCB, pelo acréscimo de dísticos, se transformam em décimas. Estas fogem à rima tradicional ABBCCDDEED.

Insubmissos aos padrões da Estética, os poetas populares, muitas vezes, desconsideram as regras da Versificação. Esta característica se acentua entre os versificadores contemporâneos.

Ainda que considerada subliteratura pelos eruditos a poesia popular é uma realidade histórica, muito mais ampla do que se possa imaginar. Sua popularidade abafa o ranço elitista impregnado a certos tipos de críticos e estetas.

(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais e literários, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior. Seu endereço para correspondência é: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP 99.001-970 – Passo Fundo – RS.

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