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Contos-->Mais que um pai, um amigo -- 01/07/2002 - 21:36 (Ricardo Borges) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ele estava sempre aqui, na sala, quieto, soturno. Sua simples presença me deixava tranqüilo. A pele enrugada, as marcas, tudo nele transmitia respeito e reveneração. Às vezes tinha vontade de abraçá-lo, mas ele se mantinha frio, impassível. Do alto de sua sabedoria ele me olhava com um certo desprezo. Preferia deixá-lo na companhia de Fernando Pessoa, Machado de Assis e Eça de Queirós. Mas quando eu precisava de sua ajuda ele era sempre prestativo e, sobretudo, eficiente. Já me salvou de cada enrascada, de cada vexame!
O velho era uma autoridade em todos os assuntos. Física Nuclear, Química, Botânica, Medicina, História, nada escapava aos seus conhecimentos. Eu sentia uma ponta de inveja. Deve ser ótimo estar sempre certo e nunca ter dúvidas. Mas aí eu me pergunto: ter os significados significa ser feliz? E afinal, o que é ser feliz? Ele só me deu explicações evasivas. Disse que é ser bem-aventurado. Logo me lembrei do Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus...". A felicidade estaria além deste plano em que vivemos? Seria a recompensa dos eleitos? Não era nada disso, ele havia me dado um mero sinônimo. O velho era racional demais para essas divagações metafísicas. Para ele, Cristo era apenas "aquele que é vítima de maus tratos, perseguições, logros ou outra coisa desagradável". Como cientista, tinha uma visão muito precisa das coisas e do mundo. Não tinha medo da morte. Morrer, na sua opinião, era "extinguir-se, cair no esquecimento" e até mesmo, "desejar com veemência". Mas ele, com certeza, será eterno.
Nossas conversas eram curtas, mas sempre enriquecedoras. O velho me ensinou, entre outras coisas, a importância da pesquisa. Passei a me aprofundar nas leituras, principalmente literárias. Foi meu pai quem me apresentou a ele, quando eu ainda era criança. Disse, brincando, que aquele seria o seu substituto. Em pouco tempo ficamos amigos, passávamos o dia todo fazendo palavras cruzadas. De uns tempos pra cá, no corre-corre da vida, perdemos a intimidade.
Ontem, de repente, o velho sumiu. Precisava esclarecer uma dúvida com urgência. Passei o dia todo procurando por ele e nada. Só hoje minha mulher me disse o que aconteceu. Ela estava voltando do trabalho quando viu um garoto perto do bloco, procurando um freguês para engraxar os sapatos. Já era noite, ela ficou com pena daquela criança de pouco mais de dez anos de idade sozinha na rua. Parou o carro e perguntou por que ele estava trabalhando até aquela hora. Ele respondeu que estava juntando dinheiro para comprar um dicionário. Ela, que é professora de português, ficou comovida. Subiu até o apartamento, pegou o meu inseparável Dicionário e deu ao garoto. E lá se foi o meu amigo, nas mãos do pequeno engraxate. Nem sequer pude me despedir dele. Mas não fiquei triste ou chateado, e sim, feliz, no sentido mais amplo que essa palavra possa ter.
Mas a minha dúvida permanece. Afinal, o que significa conflagrar? Alguém aí sabe responder? Ah! como faz falta o "pai dos burros" em casa.

Ricardo Borges

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