Às vezes nos preocupa o que estariam imaginando as pessoas à nossa volta, ante o nosso aparente silêncio frente a uma máquina, ou ao computador. Isso me faz lembrar algo que li certa vez, sobre Jorge Amado. Um conhecido, passando pela casa do escritor, sempre o via na rede. E com a curiosidade natural, perguntava: - “Descansando, seu Jorge?” – A resposta do outro devia deixá-lo intrigado: -“Não, estou trabalhando.” Isso acontecia vez por outra. Passados alguns meses, quando o tal homem passava, a rede estava vazia e Jorge estava datilografando. A pergunta aí era outra: -“Trabalhando, seu Jorge?”. E a resposta era outra também: -“Não, meu amigo. Estou descansando!”
Isso resume tudo: o trabalho do escritor é pensar... Nosso pensamento, às vezes, recebe uma impressão, algo que captou ou que pressentiu, que intuiu, ou uma inspiração, e pronto. Agora, é trabalhar para dar corpo à idéia.
Na hora do trabalho, precisamos de espaço, precisamos de silêncio, de tempo sem horário, sem interrupções. É aquela paz que buscamos a nossa volta para nos abstrairmos com o tema.
No entanto, dentro de nós, também temos a cabeça cheia. Seja de idéias, bons propósitos, ou até mesmo problemas. Algo que nos impulsiona para escrever, uma obrigação externa ou interna.
Mas, compreendemos que escrever, para nós, é um prazer, principalmente quando sentimos a cabeça fervilhando de idéias seqüenciais, e o instante é aquele e não podemos deixar escapar. Porém, o momento pode se mostrar um caos. São tantas as chamadas, os compromissos que nos impusemos, impossível se torna o instante, o lugar, onde seja possível deixarmos aquele vazio, de que necessitamos, para que se aflore em nossa mente, em nossa retina, aquela idéia palpável, e nossas mãos possam delinear um quadro novo, deixar viver essas palavras murmuradas constantemente em nossos ouvidos, enfim, poder escrever.
O mesmo deve acontecer com os músicos, os compositores, os pintores.
A arte vem de dentro para fora, e é preciso muita concentração para ignorar o movimento externo, interiorizar-se e trabalhar. É preciso que ouçamos o nosso coração, esse é o impulso que move nossas mãos.
Escrever, para mim, é assim... As nossas mãos sabem o nosso sentimento naquele instante. E refletem ou imprimem em letras, as palavras da narrativa.
É uma idéia, um sonho materializado. E é uma coisa contínua, como uma viagem que você faz para dentro de si mesmo, e de lá vem trazendo, por um fio sutil, o desenrolar da sua história. Ela está pronta, mesmo sem você saber, porque a medida que escrevemos, estamos vendo aquele quadro, seus detalhes. E isso é o mais fantástico. É uma coisa tão bonita, quase como um milagre. Esse é o momento da criação. Você encontrar as coisas certas no momento exato. Nossa mente trabalha para isso, embora nem sempre consigamos o que pretendemos. Mas aí, naturalmente, deve ser porque a idéia não amadureceu o suficiente. Para isso, tenho sempre a mão caneta e papel, mesmo junto à cama, porque nosso pensamento é imprevisível, algumas idéias podem aparecer em um momento em que você não tem como anotar.
Embora a satisfação para quem se dedica a escrever seja sempre grande, não se pode negar o trabalho que se tem naquele ato, desde a primeira idéia até a sua execução final!
L. STELLA MELLO
Autora dos romances: "EULÁLIA", e "AMOR SEM FRONTEIRAS" e coletânia de poemas "PLENITUDE"
lstellamello@uol.com.br
|