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Artigos-->Uma visão sobre Cuba -- 03/03/2008 - 12:21 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma visão sobre Cuba



Délcio Vieira Salomon





Faço questão de reproduzir artigo, cuja autora é a Professora e economista Dirlene Marques, minha amiga e ex-colega da UFMG.

Também estive em Cuba em 2001, portanto sete anos antes da Professora Dirlene. Curiosamente foram idênticos a impressão, as imagens e o juízo que fiz daquele país e do dia a dia daquele povo gentil, hospitaleiro e alegre. Aos que gostam de combater a ditadura de Fidel, gostaria que a comparassem com a de nosso país dos anos 60 e 70 ou, então, com a de Pinochet no Chile, onde estive em 1986. Nos bares de Santiago não se ouvia quase uma conversa. O silêncio era de chumbo e o medo estampado no rosto das pessoas. Em Cuba fiz questão de indagar de gente do povo, particularmente garçons ou garconetes, camareiras, recepcionistas, donos de bar, taxistas o que esperavam acontecer depois de Fidel. A resposta era invariavelmente a mesma: - "a revolução está consolidada e o sentimento de patriotismo cubano é muito forte. A ditadura de Fulgêncio Batista jamais se repetirá. A contingência histórica, sobretudo a pressão americana sobre a Ilha, através do bloqueio econômico, têm nos obrigado a inúmeras privações. Mas estas antes de nos enfraquecer, têm-nos fortalecido.





Uma visão sobre Cuba



Professora Dirlene Marques



Participei de um grupo de mineiros que esteve em Cuba do dia 20 de janeiro a

5 de fevereiro de 2008, nas Brigadas de Solidariedade. A carta renuncia de

Fidel e os comentários da imprensa e das diversas pessoas que encontro, me

levaram a escrever este texto, considerando o que vivi, vi, ouvi, observei e

estudei.



Como todas (os) brasileiras (os), influenciadas (o) pela intensa propaganda,

fomos a Cuba procurando a miséria e a ditadura. E, no nosso subconsciente, o

povo deveria ser muito passivo e muito bronco, para manter uma ditadura de 49

anos.



E o que encontramos? Tivemos um choque pois encontramos um povo com um nível

cultural bem acima da media do povo brasileiro. Tivemos liberdade de ir e

vir, de bisbilhotar, entrar em todos os lugares e de conversar com todos.

Alias, ate de forma muito invasiva, entravamos nas casas, nas escolas

infantis, nos n museus. Procurávamos crianças e adultos de pés no chão,

mendigando, dormindo debaixo de marquises, casas miseráveis. Só então

entendemos a verdade do out door próximo ao aeroporto: "Esta noite, 200

milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma e cubana". Outro: "A

cada ano, 80 mil crianças morrem vitimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas

e cubana". E nos sabemos que milhares delas são da 8a. economia do mundo, a

brasileira.



Alem disto, chegamos um dia apos o encerramento do processo eleitoral, com a

eleição do Parlamento, eleição não obrigatória que teve 95% de participação.

E, para nossa surpresa, ficamos sabendo que o Partido Comunista Cubano não e

uma organização eleitoral e portanto não se apresenta nas eleições e nem

postula candidatos. Os candidatos são tirados diretamente, em assembléias

publicas nas diversas formas de organizações existentes: do bairro, das

mulheres, jovens, estudantes, campesinas. Que depois vão se reunindo por

região, estado e finalmente, no nível nacional. Estes representantes

nacionais, elegem o presidente e o vice. Todos os representantes podem ser

destituíveis, a qualquer momento, pelas suas bases, caso não estejam

respondendo ao projeto de sua eleição. E vimos como 46% dos eleitos são

mulheres (no Brasil conseguimos as cotas de 30% para disputar e não eleitas).

As estruturas de funcionamento são mais próximas de uma democracia direta.

Parece-me um contra-senso chamar este processo de ditadura. Seguramente, e

diferente da democracia burguesa, onde apos colocar o voto na urna finda a

obrigação do eleitor. Os críticos valem-se da mágica de que "o que e bom para

os EUA e bom para o resto do mundo". Desconhecem, e não querem que seja

conhecido, outro processo de participação popular, como o Cubano.

Tentando também entender o que víamos, um povo simples e culto, simpático e

sem stress, procuramos estatísticas: alfabetização de 99,8% (no Brasil

86,30%) e que de 1959 a 2007, a quantidade de escolas passou de 7.679 a

12.717, os professores passaram de 22.800 para 258.000, com uma população em

torno de 11 milhões de habitantes sendo o pais que o maior índice de

professores por habitante do mundo. No IDH 2007 da ONU, o Brasil comemorou o

fato de figurar em 70º lugar. Cuba figura em 51º lugar. O país conta com

70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160

habitantes); índice de mortalidade infantil de 5,3 para cada 1.000 nascidos

vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27); 800 mil diplomados em 67

universidades gratuitas, nas quais ingressam, por ano, 606 mil estudantes.

Dados da Unesco em 2002 relatavam que 98% das residências cubanas possuíam

instalações sanitárias adequadas (contra 75% das brasileiras). Dados da CIA,

central de inteligência americana, estimava em 1,9% o desemprego em Cuba. No

Brasil , segundo a mesma fonte, o índice era de 9,6% no ano de 2007. E que, a

expectativa de vida ao nascer na ilha era de 77,41 anos e no Brasil era de

71,9 anos.



Esses números a despeito de ser uma pequena ilha, ao alcance de um tiro de

canhão disparado de Miami e que resistiu a uma tentativa de invasão

norte-americana (Baía dos Porcos, 1961) e a várias outras de assassinato de

Fidel Castro e ações terroristas orquestradas pela CIA, ter um bloqueio

econômico e político apenas rompido por países com autonomia como Venezuela,

Bolívia, China e alguns paises da Europa.



E nos, com a arrogância de quem tem toda a informações pela imprensa livre

brasileira (sic) continuávamos procurando outros sinais de desmandos: e os

presos políticos?



De fato, há pessoas detidas mas não pelo que pensam, mas pelo que fazem, como

o de organizar grupos financiados pela embaixada dos EUA. Fora isso, todas as

personalidades importantes da dissidência estão em liberdade e tem suas

atividades políticas como Martha Beatriz Roque, Vladimiro Roca e Oswaldo

Paya. E importante ressaltar que Cuba sofreu intensamente com o terrorismo

nos últimos 40 anos, perfazendo mais de 3500 mortos. E, fica fácil mostrar a

postura dos EUA com documentos oficiais, confirmando o financiamento de

cubanos exilados para promover ações contra o governo cubano. O museu na

Praia Giron (ou Baia dos Porcos), e um monumento de denuncia as ações

terroristas, iniciadas desde 1961 quando o se rompe às relações e se instaura

o bloqueio. Em 1963 o democrata Kennedy, aprova o plano de manter todas as

pressões possíveis com o fim de perpetrar um golpe de Estado. E, sabemos

quantas vezes, ao longo destes anos, tentaram matar Fidel Castro, obrigando-o

a sequer ter uma residência fixa. Nos anos 90, a Lei Torricelli reforça o

bloqueio econômico e, na seção 1705 diz que "Os Estados Unidos proporcionara

assistência governamental adequada para apoiar a indivíduos e organizações

não governamentais que promovam uma mudança democrática não violenta em

Cuba". Esta lei vai ser reforçada na administração de Clinton, pela lei

Helms-Burton quando diz : "O presidente dos EUA esta autorizado a

proporcionar assistência e oferecer todo tipo de apoio a indivíduos e

organizações não governamentais independentes com vistas a construir uma

democracia em Cuba". E, o governo Bush não podia ficar atrás e, em 2004

aprovou um financiamento de 36 milhões de dólares para financiar a oposição a

Cuba, em 2005 mais 14,4 milhões de dólares, em 2006 mais 31 milhões de

dólares alem do financiamento de 24 milhões de dólares para a Radio e TV

Marti, transmitida dos EUA para Cuba neste caso, infligindo a legislação

internacional que proíbe este tipo de transmissão. Estes valores são

fantásticos -105,4 milhoes em apenas 3 anos.

Outra dificuldade e entender o funcionamento da economia cubana. Logo apos a

revolução faz-se uma ampla reforma agrária, instalando uma via muito

particular no campo, onde de um lado manteve alguns proprietários privados,

como o de tabaco, e de outro, constituindo cooperativas voluntárias ao lado

das propriedades estatais. O setor serviços foi todo ele estatizado. Apos os

anos 90, com as dificuldades dada pela intensificação do bloqueio e com o fim

da União Soviética, foi feita uma grande abertura para entrada do capital

internacional no setor turismo, sem desconhecer o risco que isto poderia

acarretar. O setor de transformação, inicialmente todo ele estatizado, hoje

tem tido parcerias.



Com o nosso olhar de classe media, que podemos fazer uma viagem internacional,

nos chocava alguns problemas com a vida cotidiana como habitações pobres,

transporte publico precário, limitações econômicas para se ter ate papel

higiênico (isto deixava a todos pensando, pobrezinho dos cubanos). Isso é

verdadeiro, alem destes problemas da vida cotidiana, vários outros nos foram

apresentados pelo secretario do partido comunista, que fez uma palestra para

os brigadistas: o aumento da prostituição, dos pequenos delitos, da corrupção

e da desigualdade social. Quando se investiu no turismo e posteriormente, com

a criação da moeda turística (o peso conversível), cresce de um lado a

entrada de divisas e de outro, possibilitou um rendimento, para os

trabalhadores destes setores, acima do restante da população, ocasionando um

aumento da desigualdade social. Afirma ele que vivem numa quádrupla ilha:

geográfica; única nação socialista do Ocidente; órfã de sua parceria com a

União Soviética e bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA. E

buscando respostas coletivas para estes problemas, desencadearam um processo

interno de críticas e sugestões à Revolução, através das organizações de

massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões que

pretendem trabalhar mas mantendo os princípios do socialismo: solidariedade e

não a competitividade, o coletivo e não o individualismo.



Mas, para nos brasileiros de classe media (somos quantos? Depende da

estatística mas varia de 5 a 10%), que podemos fazer uma viagem internacional

e que não conhecemos a realidade dos 90% do povo brasileiro que não tem como

pagar um plano de saúde, que tem pouca alimentação, que fica com os restos do

desperdício dos 10%, com uma educação precária, e difícil entender a lógica

econômica de uma sociedade voltada para os 100% da população. E ficamos

horrorizados por eles não terem papel higiênico. Mas não nos deixam

horrorizados que tenham bibliotecas e livrarias em toda escola e em toda

cidadezinha. Ou que tenham acesso à saúde e educação da melhor qualidade,

habitação com saneamento e aparelhos eletrodomésticos novos para economizar

energia. Ou, que não tenhamos encontrado erosão por todos os lugares que

andamos.



E a busca do conhecimento? E as escolas? Como e possível ver os círculos

infantis, crianças de 1 a 4 anos, assentadas ouvindo historias, sem a

professora estar gritando, mandando ficarem quietas? E ver os portões destas

escolas abertas e as crianças não fugirem? Como e possível não ter o stress

que, temos em nossas escolas? E, conversando com as crianças do pré-escolar e

do escolar (5 a 11 anos), ficávamos surpresas com as perguntas cheias de

inteligência e informação sobre nosso pais, que faziam aquelas pequenas

crianças? E, como nos permitiam entrar nas salas de aulas, fotografar,

bisbilhotar as bibliotecas onde encontrávamos livros de Marx a Lênin, de

Jorge Amado, Machado de Assis, a Shakespeare. Imagine isto aqui no Brasil?

Ficávamos encantadas. Eu, como professora da UFMG, tida como uma das melhores

do Brasil, me encantava com aquelas bibliotecas. E as livrarias? Na pequenina

Caimito onde ficava o acampamento, literalmente invadimos uma livraria,

comprando tudo quanto e tipo de livro, pela sua qualidade e pelo preço

(comprei um livro do Boaventura de Souza Santos por 8 pesos cubanos – que

equivale mais ou menos a R$ 0,50 -, outro do Che Guevara sobre Economia

Política de 397 págs. por 22 pesos cubanos, portanto em torno de R$ 1,40 (e

dai para frente).



E o investimento na potencialidade do ser humano não pára ai. O

desenvolvimento das artes – dança, pintura, musica, poesia, desportos – e

encontrado em cada escola, em cada esquina, em cada cidade.



E claro que também tivemos as frustrações no contato com algumas pessoas,

especialmente em Havana onde impera o espírito da cidade turística, onde se

busca sempre ganhar alguma coisa, passar a perna, apenas diferenciando pela

intensidade dos problemas, com as nossas cidades turísticas como Rio de

Janeiro. Só que e mais ingênuo, meio estilo anos 60. De todo jeito,

frustrante. Também nos entristeceu encontrar tantos cubanos sonhando em sair

da ilha, acreditando por exemplo, que o Brasil é um paraíso, visão que tem

através das telenovelas (que todos assistem).



E assim, uma sociedade muito diferente que nos estimula e atrae. Alias, nada

melhor para expressar isto do que a crônica do Clovis Rossi (O "pop star" se

aposenta) do dia 20 de fevereiro na Folha de São Paulo contando o episodio de

um encontro do GATT, que contava com a presença dos chefes de estados,

diferentes autoridades mundiais e jornalistas de todo o mundo. Onde o

burburinho na sala do encontro e na sala dos jornalistas era enorme, com a

atenção dispersa. Quando se anunciou Fidel Castro houve um grande burburinho,

com todos procurando o melhor lugar para assisti-lo e "ao terminar, uma chuva

de aplausos, inclusive de seus pares, 101% dos quais não tinham nem nunca

tiveram nenhum parentesco e/ou simpatia com o comunismo. Difícil entender o

que aconteceu ali."



Para terminar, quero colocar uma idéia desenvolvida na mesa redonda integrada

por vários cientistas cubanos e sintetizada pelo jornalista Jesus Rodrigues

Diaz, falando sobre o potencial no desenvolvimento do conhecimento quando ele

se da de forma coletiva. E que no capitalismo existe uma grande contradição

entre o caráter social da produção e o caráter privado da apropriação. Dai, a

reação do capitalismo ao papel crescente do conhecimento na economia e a

busca da privatização do conhecimento, principalmente através da propriedade

intelectual, das barreiras regulatorias e do roubo dos cérebros.



"Temos que insistir também que, quando falamos do Potencial Humano criado pela

revolução, não nos referimos exclusivamente à quantidade de conhecimentos

técnicos incorporados em nossa população. Mais importante ainda é a semeadura

de valores éticos, de atitudes ante a vida. Na sociedade do conhecimento faz

falta um cidadão com vocação de aprender e de criar, e de levar seus

conhecimentos aos demais seres humanos. Os conhecimentos técnicos nos podem

dizer como se trabalha, porem são os valores os que nos fazem compreender

porque se trabalha e deles tiramos as motivações e as energias para seguir

adiante.



Que se passa agora se os conhecimentos se voltem ao fator mais importante da

produção, inclusive os bens de capital? Não e difícil de prever. A resposta

do capitalismo e a intenção de converter também o conhecimento em Propriedade

Privada. Porem, a boa noticia e que isto não vai funcionar. O conhecimento

não e igual ao Capital. Esta nas pessoas e não se pode facilmente privatizar.

O conhecimento requer circulação e intercambio amplo. As leis da propriedade

intelectual inibem este intercambio. O conhecimento e validado pela sua

aplicação social, não pela sua venda. O uso amplo dos produtos do

conhecimento e o que os potencializa", termina o jornalista. Esta e a grande

limitação do raciocínio capitalista em entender a potencialidade da criação

coletiva. Ignoram que a criação humana coletiva tem muito mais possibilidades

do que as leituras positivistas do conhecimento.



O maior feito desta pequenina ilha, com um povo cheio de dignidade e coragem,

terá sido o de mostrar ao mundo que e possível construir uma sociedade

baseada no ser humano e não na mercadoria e na acumulação de capital. E isto

ameaça o mundo capitalista, e é rejeitada pela imprensa burguesa e pelos

setores médios que querem impor as condições de suas vidas para a totalidade

do mundo. Mas, Cuba não esta só. Existe hoje uma rede internacional de

solidariedade ocasionada pelos médicos e professores cubanos em mais de 100

países, pela Operação Milagros, pelas brigadas de solidariedade e por todos

aqueles que acreditam que Um Outro Mundo é Possível e que lutam pela sua

construção.

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