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Poesias-->A CENA -- 17/08/2002 - 20:28 (COELHO DE MORAES) |
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A CENA
-Coelho-
No doméstico quotidiano
troca recíprocas de discordâncias
Troca ordenada de réplicas
em exercício de um direito
Um nunca você e nem eu
sendo cada um na sua vez
projeta a cena para o sempre interminável
daquilo que forja o casamento
Diálogo?
Não se trata de escutar
mas apenas repartir pedaços de fala
Cada um com seu direito
Cada um falando a seu tempo
Cada um com seu gozo perverso
Inconseqüente
como ter prazer sem o risco dos filhos
A longa carreira das cenas
de coisas agitadas e inúteis
A justa entre os atores amantes
A forma limitada da tragédia arcaica
Enquanto eu falo comigo
e sustento o meu delírio
-a justa de palavras-
como se o próprio ator-louco
se recusasse a ser autor da fala
Um pode estar aborrecido
e ou outro excitado
Um pode expulsar seus demônios pela fala
o outro que atrair o demônio da outra
tentar um abraço
repelir com força
forçar um beijo
estalar um tapa
para que a cena ganhe em ritmo
É preciso um engano qualquer
que cada um se esforça
atraindo o engano para seu campo
É preciso uma decisão
que cada um se impõe
retirando o prévio acordo decidido
É uma cena sem objetos
É uma cena sem perspectivas
Ela só tem de si a origem
Quando se trata de cenas
falamos, os amantes,
por filas de palavras que jorram
que se batem e explodem
na cara de cada um
A fala, o reflexo
a causa impossível
o suplemento
e a voz do Eu que chora
não há nada que pare a cena
O cansaço de alguém
a chegada de alguém
a agressão-tesão expansivos
mas o querer da cena está no silêncio
Nenhum raciocínio é metal durável
Na cena o casal se desfaz
são des-amantes
são des-atores de uma cena ociosa
lembrando o vômito romano
Soltar para retornar mais tarde
Por o dedo na garganta
(excitar-se ao extremo)
e vomitar caudalosamente
( jorro de argumentos ferino)
Traquilamente
voltar a comer
Falar por último
e castrar a fala do outro
A amante, na mudez, será meu sonho
Ser confessor, presidente, juiz
Dar termo à disputa
Nada há na cena que concorra para a verdade
Tudo na cena se baseia em lance de dados
Ganha quem reter o anel na mão
perde quem não ver o lenço atrás de si
Breve você se livrará de mim
o meu gozo, do meu jorro de sêmen
do que é expulso de mim
no mesmo jorro das palavras
Só a morte pode interromper a frase
Recusar a última réplica é recusar a cena
O herói sempre fala no fim
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