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Contos-->UMA COLMÉIA NO CUPINZEIRO -- 05/06/2002 - 13:22 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foi o Airton quem descobriu a colméia no cupinzeiro. Foi apartar o gado e a encontrou no vale entre os dois morros do outro lado da fazenda. Contou a Carlos e no outro dia passaram por ali para ver o ninho de abelhas.
Dias depois, não deram mais importância às abelhas e então estas puderam ficar em paz.
Certo dia, Antônio, o tio de Carlos, apareceu na fazenda para passar alguns dias. E no meio de tantas histórias, alguém se lembrou de contar que havia ouvido um lobo uivar no mesmo vale na noite anterior. Foi então que Airton falou:
-- Outro dia vi umas abelhas no cupim ali no morro. Já deve ter muito mel. A gente podia era colher aquele mel.
-- É mesmo! – asseverou dona Ana, assoprando o fogo do fogão enquanto arrumava a lenha para esta pegar fogo com mais facilidade.
-- Vamos apanhar aquele mel amanha a noite? – sugeriu Airton.
-- Vamo – respondeu Carlos, entusiasmado.
-- Vocês dois sozinhos não vão mesmo – disse dona Ana. – Vocês nunca fizeram isso e as abelhas vão picar vocês.
-- Não tem perigo não, dona Ana.
-- Airton, Carlos ainda é uma criança de dez anos, e você um moleque de dezesseis. Eu não vou deixar saírem a noite de jeito nenhum.
-- E se o tio Antônio for com a gente, a senhora deixa?
-- Quem?! Eu? – perguntou o tio, surpreso.
-- Mas seu tio não está acostumado com essas coisas. Ele mora na cidade e não está acostumado a andar no meio do mato de noite.
Antônio era um rapaz de vinte e três anos. Estava cursando o último ano de faculdade e desde os doze anos que morava em Juiz de Fora. Só ia à roça passar alguns dias na casa da irmã, como daquela vez. Era um rapaz magro, alto e usava óculos redondos. Muito extrovertido, gostava ele de explorar todos os recantos da fazenda com o sobrinho.
-- Você vai com a gente, tio? – perguntou Carlos, em tom implorativo.
O tio para não contrariar o sobrinho acabou aceitando. – Vou sim. – No fundo, queria fazer parte daquela expedição. Nunca havia saído para colher mel, e aquilo seria uma experiência interessante.
-- Ele vai. Agora a senhora deixa?
-- Ta bom! Eu deixo, mas antes vocês vão preparar tudo direitinho. Quando seu pai chegar, ele vai explicar o que vocês têm que fazer para que as abelhas não mordam vocês. Não quero ninguém todo inchado de picada de abelhas choramingando para cima de mim.
-- Pode deixar, que eu sei como é que se faz. Na outra fazenda onde trabalhei, eu ajudei os patrões a colher mel muitas vezes – explicou Airton.
-- Então vão dormir para amanha estarem descansados. Além disso, seu tio deve estar com sono.
-- Não, até que não! Mas vamos dormir para poder levantar cedo e ajudar a tirar leite – disse Antônio, levantando-se do banquinho de madeira.
-- Sua cama já está arrumada – asseverou dona Ana ao irmão.
-- Então boa noite.
-- Boa noite – responderam todos. Cada um dirigindo-se aos seus aposentos.
Poucos minutos mais tarde os três homens dormiam. Na cozinha, somente dona Ana esquentava o café no bule a espera do marido. Ele havia ido à cidade fazer compras e pagar duplicatas que estavam a vencer. Quando ele ia a Juiz de Fora e chegava muito tarde, dona Ana ficava sozinha na cozinha a sua espera. Às vezes, ela cochilava sentada na beira do fogão enquanto o fogo ia aos poucos se apagando. De quando em quando, remexia o restinho de lenha que ainda queimava e assoprava as brasas para reavivar o fogo e manter o café quente.
Dona Ana levava uma vida difícil no campo, mas não se queixava do seu destino. Os anos passavam, os filhos cresciam e todos os dias a mesma coisa. Mas quem mora no campo acaba se conformando com o destino que Deus lhe deu. Divertimento não há; a rotina só é quebrada com a chegada de alguma visita, ou quando sai para visitar algum vizinho ou parente, ou quando ocorre algum festejo nas redondezas. Mas até isso acaba virando uma rotina, como tudo no campo.
Dona Ana estava justamente pensando nisso naquela noite enquanto aguardava a espera do marido. Sentia-se só, como se algo lhe faltasse. Rezava toda noite para que as coisas melhorassem e pudessem levar uma vida melhor. Pedia a Deus para iluminar o caminho dos filhos e para que pudessem ir para a cidade estudar e ter a chance de ser alguém na vida. Não queria que os filhos tivessem o destino dos pais. Não desejava que eles levassem uma vida sem conforto, sem um mínimo de luxo, sem uma roupa bonita como aquelas que via vez ou outra nas revistas. Queria que os filhos fossem como aquelas pessoas da cidade, que sabem falar bem e conversar. Isso tudo dona Ana pensava à espera do marido, até que passou por uma madorna sentada ali diante do fogão.

Ao final da tarde do dia seguinte começaram os preparativos para a extração do mel. Carlos passou todo o dia ansioso. Parecia que o dia teimava em não passar. Como fazia todos os dias, ajudou o pai no curral e cuidou de seus afazeres com mais disposição. Tudo por causa da expedição à noite.
Uma lata de vinte litros, usada para transportar leite, foi improvisada. Velhos pedaços de pano foram separados para serem queimados e fazer fumaça, botas de borracha, calça comprida e camisa de manga longa foram selecionadas para cobrir o máximo do corpo e proteger das picadas de abelhas.
Tudo parecia uma festa para os três rapazes. Era como se estivessem partindo para uma grande expedição na qual faziam parte pela primeira vez. Tudo era novidade para aquele menino de dez anos. Nunca em sua vida tinha visto uma colméia por dentro.
Quando deram oito horas, partiram.
Era um dia fresco de Setembro. Tal qual Airton e o tio, Carlos também vestia uma blusa para se proteger das ferroadas. Ele levava em suas mãos uma caixa de fósforos, alguns panos velhos e um pouco de estopa num saco de plástico. O tio ia com a lata nas costas e o empregado levava o enxadão para partir o cupinzeiro. Além disso, cada um levava uma tocha para iluminar o caminho. Iam alegres e felizes.
Desceram pela entrada sul da fazenda, passando ao lado do paiol. Depois tinha que atravessar a porteira até chegar a estrada e seguir em linha reta. Cerca de um quilômetro depois saíram da estrada e pegaram a trilha do vale. Alguns metros adiante, subiram um pouquinho no morro da esquerda e chegaram ao cupinzeiro onde as abelhas haviam feito a colméia. Aproximaram lentamente. Sabiam que naquele horário as abelhas deveriam estar quietas e não os atacariam sem mais nem menos.
-- É melhor apagar as tochas e deixar só uma acesa – recomendou Airton. Era o mais experiente dos três. E foi o que fizeram. – Me dê um pouco de estopa. Vamos fazer fumaça para que as abelhas não possam nos atacar.
Usando o cabo do enxadão, Airton tapou a entrada do cupinzeiro com o pano ardendo. A fumaça era tanta que quase não se podia ver nada.
-- Vamos cavar devagar e abrir o cupim deste lado. As abelhas estão todas se amontoando do outro. Olhem só!
-- É mesmo! – exclamou Carlos, admirado.
Uma montanha escura, feito uma mancha viva, cobria boa parte de um dos buracos do monte de terra. Quando obstruíram uma das entradas com a fumaça, a que penetrou na colméia expulsou as abelhas. Estas, porém, não conseguiam voar pois estavam tontas devido a fumaça produzida pela queima de panos.
Com muito medo e cuidado, abriram a colméia. Agiram rápido e em pouco tempo extraíram quase todas as favas de mel e as colocaram na lata.
-- Nossa! Quanto mel! – espantou-se Carlos, ao ver a lata cheia.
-- Realmente! – concordou o tio, admirado. – Nunca vi tanto mel em minha vida.
-- Tem bastante sim – asseverou Airton, tampando a lata. – Mas elas produzem muito assim mesmo – explicou. – E por falar nisso, vamos embora que a fumaça está diminuindo e elas estão começando a voar.
Juntaram as ferramentas, reacenderam as outras duas tochas e partiram. Ventava bastante naquele momento. Parecia que o tempo ia mudar rapidamente.
Deixaram a trilha e ganharam a estrada. O vento forte apagou uma das tochas e a iluminação ficou fraca.
Talvez tenha sido só o barulho do vento ou o som de algum animal dali das redondezas, mas aqueles três ouviram um uivado estranho. Parecia o uivado de um lobo ou algo assim. A lembrança de que alguém tinha comentado que vira um lobo ali por perto lhes veio à memória. E então aquele som assustou os três rapazes. Um medo tomou conta deles. Outros uivados os assustaram ainda mais. A primeira reação foi correr.
Começaram a correr em direção a casa. Poucos metros adiante as tochas apagaram e tiveram que correr no escuro. Airton ia distanciado a frente; atrás, iam Carlos e por último, o tio com a lata de mel nas costas. Mal dava para enxergar o vulto da estrada.
Não sabem como atravessaram a porteira. E por estarem à frente também não viram quando Antônio se chocou contra a coluna do paiol. A escuridão e o medo impediram que ele pudesse ver ou se lembrar do paiol. O choque foi tão violento que a lata de mel caiu pelo lado e os seus óculos partiram em pedaços. Não se sabe se foi a armação ou um pedaço da lente que lhe cortou o rosto rente ao nariz.
Assim que ele chegou à varanda, cerca de dois minutos depois, seu rosto e sua roupa estavam todos ensangüentados.
-- Meu Deus! O que aconteceu? – quis saber dona Ana, pela segunda vez. Havia feito a mesma pergunta ao Airton pouco antes.
Carlos começava a explicar quando o tio entrou.
-- Eu não sei! Eu bati em alguma coisa e meus óculos caíram – explicou ele. Sua voz estava trêmula.
-- Pra que essa correria toda?
-- Nós escutamos uns uivados e as tochas se apagaram e saímos correndo. Pensamos que fosse um lobo ou um lobisomem – explicou Carlos, quase a chorar. Parecia uma criança que acabara de fazer algo errado e sabia que seria severamente repreendido, então demonstrava o quanto estava arrependido.
-- Mas não era nenhum lobisomem. Era o seu pai que foi atrás de vocês.
-- Não, não era! Escutamos uns uivados – volveu Airton, sentando-se no banco de madeira, ainda com a respiração ofegante.
Dona Ana pegou uma toalha e foi limpar o irmão ensangüentado. O corte era profundo, mas aos poucos, parou de sangrar.
-- Eu sabia que alguma coisa ia dar errada; por isso pedi o Valmir para ir atrás de vocês.
Cerca de quinze minutos depois Valmir apareceu. Ao entrar na varanda, viu que alguma coisa tinha acontecido.
-- O que foi? – foi logo perguntando.
-- O que foi! Você me assusta as crianças e ainda vem perguntar o que foi! Você não tem juízo não? Onde já se viu fazer uma coisa dessas. – Dona Ana estava muito brava com o marido, culpando-o pelo incidente.
-- Ta pensando que sou moleque? Ora essa! Eu dei a volta pelo outro lado pensando que ia encontrar eles. Gritei por eles um monte de vezes, mas não ouvi nada – explicou o marido. – Mas afinal, o que aconteceu?
-- As crianças ouviram seus gritos e pensaram que fosse um lobisomem. – Agora foi a vez de Dona Ana contar a história ao marido.
-- Mas era eu gritando por vocês.
-- Mas não parecia voz de gente. Era um uivado muito esquisito – disse Antônio, que ainda permanecia com a toalha sobre o ferimento para estancar o sangramento. Seu rosto começava a inchar.
Depois de muita explicação, viram que tudo não passou de um mal entendido por parte dos meninos. O vento forte e o medo foram os culpados pelo incidente.
Até aquele momento, ninguém havia se lembrado da lata de mel. Ela ainda jazia em qualquer ponto do caminho. Mais precisamente onde Antônio havia batido com a cabeça.
-- Preciso achar meus óculos. Eles devem ter caído junto com a lata de mel.
-- Onde foi que foi que você bateu? – perguntou a irmã.
-- Não sei! Acho que foi no paiol.
-- Vou lá ver se acho – disse Valmir.
Pegou uma das tochas que fora usado pelos meninos, acendeu-a e chamou o empregado para acompanha-lo na busca.
Pouco depois voltavam com a lata de mel e os óculos partidos ao meio.
No dia seguinte, o tio partiu sem os óculos. No seu rosto somente um grande corte e o olho esquerdo muito roxo. O mel foi vendido para pagar o conserto dos óculos de Antônio.
Depois daquele dia, nunca mais Carlos e o empregado quiseram saber de extrair mel de abelhas.

Novembro/2001
edmar.guedes.correa@bol.com.br
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