É impressionante como acreditamos que Deus se preocupa conosco e nosso mundo!… Quando na verdade somos nós que nos preocupamos com Ele. Tamanha é essa preocupação que esquecemos de nós mesmos e, empunhando o estandarte da justiça divina, cometemos assombrosas misérias e desgraças, coisas que até mesmo ao diabo assustam.
Todo homem, todo povo e toda nação se supõem, em relação a Deus, privilegiados, merecedores de toda a sua misericórdia e compreensão. Justificam suas ações com o tácito consentimento divino. No final das contas, é cada um por si e Deus por todos. Nietzsche tinha razão, quando disse que nada causou mais misérias entre os homens do que a loucura dos compassivos, daqueles que se diziam donos da verdade e agiam em nome de Deus.
Na nossa santa ignorância, imaginamos que o Criador, por não ter nada de mais interessante com que ocupar seu tempo, passa-o observando a bola de cristal da humanidade, perscrutando os mínimos detalhes das ações de cada indivíduo sobre a terra, totalmente absorvido pela nossa rotina! Como se em um universo tão vasto, não existisse nada de melhor para se observar!
Admira-me como a alma humana possa ser tão inteligente quanto estúpida. Enquanto há espíritos- os inteligente ou sensatos- que se convencem da indiferença divina e se resignam com ela, outros há- os estúpidos ou idiotas- que acreditam piamente numa situação em que o humor de Deus esteja diretamente condicionado às alegrias e tristezas, comportamentos e atitudes humanos … Que razão levaria o criador de uma infinidades de mundos a preocupar-se com criaturas como nós? Que qualidades extraordinárias encerramos para acalentarmos a pretensão de que Deus vive na expectativa das nossas vidinhas, sofrendo, junto conosco, a mesquinha ansiedade das ambições e dos desejos? Simplesmente por causa do raciocínio nos preteriria sobre todas as outras criaturas e nos daria uma atenção especial?…Tal poder desempenharia algum valor perante a grandeza do universo e do próprio Deus?
Não, não creio em nada disso, mesmo que o mundo fosse exemplo digno de justiça e virtude; um mundo sem guerras, sem fome, sem miséria, sem desigualdade, onde as criaturas se respeitassem, e se amassem, e se comprouvessem e se solidarizassem no mistério de existir. Ainda que, em verdade, fôssemos representantes fiéis dos verdadeiros e universais valores que intuitivamente acreditamos pertencer a Deus, creio que Ele não se importaria mais do que o que já faz… também nem seria preciso.