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Contos-->50. A SAGA DE SAMUEL — IX — OS VOLTEIOS DE JOÃO (final) -- 31/05/2002 - 06:11 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Por ocasião do ingresso do caçula na Faculdade de Comunicações Sociais, onde iria freqüentar as aulas no setor de Teatro e Dramaturgia, Davi teve a infelicidade de ver partirem para o além as duas mulheres a quem, verdadeiramente, se afeiçoara na vida. Ester foi a primeira, vitimada por infarto do miocárdio. Mal súbito, partiu repentinamente, saindo da vida do companheiro da mesma forma pela qual havia entrado. Sara segui-la-ia após dois meses, quando Davi se aprestava para oficializar seu relacionamento, mesmo que fosse tão-só para justificar a figura do filho diante da sociedade, pois não fazia nada para conter os ímpetos de proteção ao querido fruto do clandestino e puro amor pela entidade que o trouxera enfeitiçado pela vida afora.

João, ao impacto da perda da mãe, ainda mais se aconchegou ao pai, que, desde há muito, se revelara a ele na intimidade das confabulações.

Samuel havia procedido para que o pai assumisse o filho, principalmente porque sabia que era compromisso anterior ao encarne. Davi o fizera por puro amor. Sara havia imposto que a verdade do desvario de um único desejo fosse evidenciada, para que o filho não viesse a conturbar a visão moral do mundo a partir do desregramento dos pais. De resto, o procedimento de ambos era translúcido, de modo que jamais alguém poderia levantar sequer a hipótese de que o marido de Ester lhe estivesse sendo infiel.

Por outro lado, não interessava a ninguém mais o que o artista de tanta nomeada pudesse estar fazendo da vida afetiva. Mas Davi era cuidadoso ao extremo, não tendo jamais se dedicado à pintura de modelos vivos, sem que pessoas de sua intimidade se postassem de forma a comprovar que o relacionamento que mantinha em tais circunstâncias era puramente profissional. Desde que fora há tempos acusado de conduta irregular, nunca mais se deixou envolver por algo que manifestasse qualquer desvio de sua parte.

Houve época em que mexericos tentaram induzir a voz do povo a declarar o afilhado como algo além de pupilo mui querido, mas a aceitação da criatura da parte de Ester e a união fraternal que se estabeleceu com os filhos do casal fizeram com que se calasse a boca ao povo.

João tinha assim garantida, por ocasião do trespasse materno, a plena proteção do pai.

Durante os anos universitários, a sua vida de artista passou por significativas alterações. Necessitando conviver com mentalidades diferentes da sua, percebeu que sua visão do mundo se encontrava distorcida pelas ambições poéticas do pai, instrutor e amigo, mas dominador pela pior forma: a da persuasão afetiva. Dentro dos cursos do educandário, desenvolveu conceito filosófico da existência alienado da cultura judaica, da qual, na verdade, não tinha perfeito conhecimento.

Educara-se em colégios onde aprendera o hebraico e as bases doutrinais da fé israelita, mas, em casa, além das tradicionais comemorações cíclicas, não obteve maior orientação, estando a mãe preocupada em dar vazão aos instintos filosóficos na configuração da vida sublimada dos apetites materiais. Era Sara o real anjo divino que Davi sempre respeitara. Passou pela vida como entidade etérea e deixou indelevelmente registrada no filho a marca da independência e da liberdade.

Davi exercera sobre o caráter do jovem vigilância estética e moral apoiada na pronunciada veia artística do rapazelho, a qual estimulou desde cedo pela fama de freqüentes e bem sucedidas mostras, de modo que o trabalho se fizera o companheiro mais assíduo do pequeno herói até aquela incursão pelo “campus” acadêmico.

Ao influxo, portanto, das realidades psicológicas à disposição no mundo mais amplo da universidade, pôde João ir despertando a atenção para o aparato filosófico materialista que embasa ideologicamente a realização artística moderna. Notou o prisma da visão paradigmática dos teatrólogos que aspiram a que o mundo aja segundo o seus conceitos e rejeitou, in limine, a influenciação direta dos vanguardeiros. Se tivesse de engajar-se em qualquer linha de pensamento oficializada e cristalizada pelas obras consagradas do público, manteria o pulso firme na condução de sua própria parelha de ginetes, na corrida pela ideação de sua obra.

Mas não se contentou com a só manutenção do ponto de vista que se refletia nos quadros mais recentes. Rejeitou sua visão da vida como fruto da realidade social em que se inseria e, sob o embalo de pensamento próprio, exigiu do pai que lhe abrisse os cofres em que se encerrava a riqueza de que era tutor, para afastar-se da trilha estabelecida pelos pais.

Desejava ir ao Velho Mundo para respirar os ares da vida sob diferente clima cultural. A luta social que deixava transparecer nos quadros parecia-lhe significar visão de pura horizontalidade. Se era rico e feliz, se possuía todos os recursos, não desejava deixar-se contaminar mais pela miséria que os quadros reproduziam. O país pareceu-lhe um cancro imenso, em que, ferida aberta à contemplação do mundo, se locupletavam uns poucos vermes a sugar as energias e a explorar o trabalho do povo sofrido. Essa hipocrisia João não desejou mais vivenciar e, por isso, iria realizar vida de profunda coerência em outras plagas. A história do irmão herói da guerra na Palestina lhe aparecia como a rota declarada para encaminhamento de sua nave. Partiria sem retorno.

Davi, sensível à exposição do filho, conquanto temeroso pela sorte do adolescente (João mal havia completado vinte e um anos), resolveu dar-lhe a oportunidade solicitada. Fez ainda mais: propôs-se a acompanhar o jovem a seu destino, providenciando-lhe instalação condigna na cidade em que lhe aprouvesse fixar-se.

João não gostou dessa iniciativa do pai mas considerou que só poderia lucrar com a experiência do velho no trato social, acedendo-lhe ao desejo, cônscio que estava de que o pai não poderia afastar-se por muito tempo dos negócios que o prendiam no solo pátrio. Supôs que os temas de suas obras pudessem reter o velho artista junto à sua gente, de modo que não se preocupou com o fato de ter de sofrer-lhe a companhia por algum tempo. Ao se pilhar sozinho, veria o que poderia fazer para justificar a pretensão à independência.

De fato, três meses durou a convivência do pai com o filho na mansão que o velho adquiriu para a instalação do “fedelho”, como carinhosamente o chamava.

A casa era ampla e confortável e tinha acomodações suficientes para abrigar várias famílias, mas que serviram para acolher as telas, a biblioteca, a discoteca e demais petrechos que o rapaz fez questão de montar para poder viver da maneira que melhor lhe aprouvesse. Inteligente e honesto quanto aos propósitos, enfronhou-se na moderna representação gráfica holística e desencadeou no grupo universitário que, de imediato, se uniu a ele largo interesse pela realização artística mais avançada nas técnicas da computação gráfica. Os amigos interessavam-se pela aplicação comercial e industrial da moderna eletrônica. João via no desenvolvimento tecnológico o desenvolvimento filosófico mais significativo da humanidade. Os colegas viam o homem crescendo em habilidades para oferecer aos povos meios de sobrevivência e de domínio da matéria. João via na ciência a sustentação da arte e do pensamento e o ponto de apoio para o homem compenetrar-se de seu devir.

Na França, permaneceria por doze anos, na companhia de parceiros de vida que lhe davam a felicidade da compreensão da realidade e da existência. Puro de coração, de hábitos morais imaculados, reproduzia em masculino o que mãe personificara como mulher. Mas Sara era reservada e irrequieta somente no que se projetasse de fora para dentro do intelecto. João era todo movimento, análise e crítica, no que concernia à própria realização artística. A mãe introjetara o conhecimento da vida. João exprimia com sublimada inspiração os conceitos mais abstratos de sua visão filosófica da existência. A mãe buscara o conhecimento de si mesma no interior da consciência. João envidava todos os esforços para tornar a consciência o objeto mesmo de sua obra, que refletiria a consciência universal. A genialidade do jovem era flagrante.

Mas o destino parecia levá-lo para tortuosas sendas. Se a renda era grande, dada a sábia aplicação do capital pela administração segura do pai, se o resultado da venda de sua produção era imensamente satisfatório, por outro lado, os empreendimentos do talentoso artista começaram a engrandecer-se, dada a curiosidade no campo do desvelamento das teorias eletrônicas mais modernas. Amparou certo instituto que se criou por iniciativa sua e pôs-se a adquirir o que de mais moderno a indústria mundial da eletrônica era capaz de produzir. Desejou mais: imaginou reator de ficção do átomo em condições absolutamente seguras, o que lhe possibilitaria inquirir da matéria a sua essência. Sua visão era absolutamente filosófica, mas foram a sua exposição e disponibilidade financeira que convenceram os meios empresariais de que deveriam aceitar-lhe a encomenda de computador de última geração, capaz de realização dos cálculos para o projeto maior que tinha em mente.

Ao solicitar permissão para a instalação no instituto de pesquisas de tão complexa aparelhagem, despertou a atenção das entidades governamentais, que, imediatamente, se apossaram dos projetos e acamparam a idéia, ocupando militarmente a área que destinara à concretização de seus planos.

De repente, João se viu às voltas com problemas de caráter internacional dos mais sérios. A organização foi desfeita, os companheiros foram perseguidos judicialmente e ele precisou expatriar-se sorrateiramente, com outra identidade, antes que se visse preso, incomunicável.

Foi parar em Israel, incógnito, de onde pretendia irradiar cultura filosófica para o resto do mundo. Mas, à vista da funesta perseguição oficial, não poderia jamais revelar o paradeiro, de modo que se fechavam as portas para a sua arte pictórica característica.

Davi foi ao encontro do filho. Por essa época, entretanto, suas forças estavam extremamente depauperadas e a vista não lhe permitia mais o uso das tintas. Estava irremediavelmente aposentado, mesmo porque sua arte não mais interessava aos compradores, tendo Marcos vendido a galeria, que se viu transformada em moderno “shopping center” reservado a artigos de alto luxo. Davi deixou a administração dos bens para o neto mais velho e passou a viver de recordações, em elaborada paisagem em que desfilavam inúmeras figuras, a mais excelsa e central a amável e terna Sara, que trazia pela mão a companheira de tantos anos, a sempre apaixonada Ester. Essa visão que se cristalizava na mente do velho homem era a que iria encontrar em breve, ao regressar ao plano da espiritualidade.

Durante a última visita, Davi levou para o filho, a pedido da nora Ernestina, mensagem especial do irmão Isaac, na qual se declarava infeliz e arrependido da vida pregressa. Não revelava a condição anterior de alemão e nazista, mas se referia à guerra como o campo da humanidade em que o ódio grassa e as vinganças vicejam. Era mensagem candente de espírito sofredor não inteiramente cônscio da condição de inferioridade, mas texto de profunda revelação espiritual, de indução à compreensão da divina justiça, em face das vicissitudes cármicas do homem. Para bom observador, estava ali o indício claro da evidência de que a razão filosófica da existência só poderia advir da investigação do plano da espiritualidade. Para João foi o acicate a espicaçar-lhe a curiosidade pela revelação espírita.

Morto o velho Davi, João fez questão de enterrá-lo no solo sagrado da pátria que a família, na figura de Isaac, ajudou a conquistar. Ainda não atinara com a verdade das assertivas contidas na mensagem que recebera.

Buscou averiguar o que poderia obter em terras orientais, julgando por demais arriscado encetar correspondência com a família, o que revelaria à polícia internacional o seu paradeiro. Como obteve muito pouca informação, tendo sido sua permanência em Israel comprometida pela vinda do velho pai, resolveu abandonar tudo pela terceira vez e retornar ao país natal, para dar curso à sua nova maneira de contatar a realidade.

Aqui chegando, pôs-se de sobreaviso para possíveis encontros com as insidiosas forças internacionais, não se aproximando da família senão por via de pessoas de confiança. Instalou-se no Nordeste e pôs-se a estudar o espiritismo kardecista nas obras que a biblioteca de certo centro espírita lhe colocava à disposição.

O caminho de sua doutrinação foi curto do ponto de vista da receptividade das teses espíritas, porque tudo o mais que fizera no campo da ciência e da filosofia estivera voltado para o endereçamento de sua personalidade para a perquirição da verdade revelada. Leu e compreendeu Kardec em seu apostolado científico. Deixou-se embalar pela leitura evangélica orientada por Emmanuel. Investigou as zonas do etéreo descritas por André Luís, cotejando quadro a quadro com suas realizações derradeiras no campo da computação gráfica, relação que percebeu inspirada pelas forças espirituais. Caminhou pela mão de Camilo pelas fendas da psique culpada, examinando as trevas purgatórias da consciência. Saiu em companhia de Léon Denis, de Flammarion, de Erny, de Crookes, para a compreensão do ideário humano em função das revelações divinas. Contornou os problemas da raça e do credo, conjugando os objetivos do homem em um único e valoroso esforço de sublimação de sua condição de inferioridade diante das forças universais. Compreendeu a religião dos espíritos e o anseio pela eterna bem-aventurança, como patrimônio inalienável da determinação humana em sua busca universal de Deus. E humilhou-se diante da fragilidade do pensamento à vista da grandiosidade da criação. Tornou-se apagado e diligente membro de certo centro espírita esquecido em vilarejo do sertão baiano, lutando contra a ignorância e a indigência do povo, com as armas do amor e da virtude.

Deixou o campo terreno em glória e foi recebido com lágrimas pelo protetor Samuel, que se desdobrara por acompanhar os sucessos da vida da fulgurante mentalidade encarnada para, entre outras coisas, dar-lhe a oportunidade do trabalho redentor. Ao seu lado, a figura brilhante da companheira Rute e, acima, a presença esplendorosa do mentor Ananias. Lá estavam também Isaac, Davi, Ester, Sara, Marcos, Isabel, Josias, Ernestina e outras personagens cuja lembrança parecia ao maravilhado João ainda apagada. Outros companheiros formavam a extensa sociedade concentrada em preces para o desenlace vitorioso.

A vida, contudo, guardava novas peripécias para dar seguimento ao seu curso.




Hoje, a história da família poderia prosseguir em qualquer ponto da Terra. Quem sabe não estaria você, caro leitor, convivendo com alguma de nossas personagens em luta de reajustamento e progresso? Veja bem os seus companheiros, analise-lhes o procedimento, consiga caracterizar-lhes o modo de ser e saiba reconhecer neles a força destrutiva de Isaac, a ternura de Sara, a paixão de...
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