Roberto Augusto de M. Lôbo - Médico, psicoterapeuta e psicodramatista
Publicado no jornal O POVO, dia 25/07/2007.
A cada ano que passa mais fica claro que o avanço da ciência e o acelerado desenvolvimento tecnológico puseram o ser humano diante de um enorme desafio: cuidar do seu próprio destino. Não há mais como o homem delegar o seu vir-a-ser às entidades transcendentes. Aliás, nunca, em época alguma, a vida do planeta esteve tanto a depender da aptidão humana para ajuizar as suas próprias ações. A noção do que está perto e longe, rápido ou lento, por exemplo, não tem mais o mesmo significado que tinha num passado recente. O mundo virtual assume rápido o lugar do mundo real, hoje caracterizado pelas novas tecnologias e pela desterritorialização das relações sociais e econômicas. A verdade é que os fenômenos espaço-temporais criaram novas configurações.
A adaptação do humano a novas dimensões está a lhe requerer ainda mais plasticidade. Ter informação e dominar os instrumentos que a transmitem significa ter em mãos muito poder. Nunca o homem foi tão universal, e ao mesmo tempo teve tanta responsabilidade, ainda que repita erros do passado. Daí a necessidade de focá-lo além da sua fronteira histórica. A população não aceita mais a condição de mera expectadora. Hoje ela está mais esclarecida e tem mais poder de reivindicação. Contudo, mantido o fundamentalismo de mercado (a razão da existência está no lucro e na competição), não haverá harmonia e paz na sociedade. A violência atual é uma decorrência direta das desigualdades e do exacerbado culto ao narcisismo. Não há como investir todas as energias no hedonismo, sem que se pague um preço muito alto.
O antídoto para esta situação é disponibilizar cidadania a todos: educação, trabalho, saúde, arte e conhecimento. A tarefa mais delicada é fazer os poderosos grupos beneficiários da atual condição (os fanáticos, megalômanos, loucos e aventureiros nas mãos dos quais está o destino do planeta) aceitarem uma nova ordem. A parcela ajuizada da humanidade está de voz rouca a apontar para o perigo que se nos avizinha se não houver uma redefinição
de propósitos.
Nada arrefece a voracidade do poder econômico, que, com ações psicopáticas e suicidas, arrasta todos para uma tragédia talvez definitiva. Os bons sentimentos por si só nada resolvem. As questões humanas têm que ser encaradas como desafios a serem vencidos com ações objetivas e conseqüentes. A sociedade ideal possível surgirá quando for incorporado o senso de alteridade como resultado de uma mudança cultural e política que atenue o individualismo e a corrupção, o exacerbado credo à competição e a inclusão de todos na mesma pajeia. Que no ano que se inicia não percamos de vista a idéia de que o homem é o único ser que pensa, tem consciência e constrói o próprio destino.