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Contos-->50. A SAGA DE SAMUEL — VIII — O CASO JOSIAS -- 30/05/2002 - 07:23 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Samuel precisava agir rápido para não permitir ao espírito volúvel do protegido buscar refúgio em amores clandestinos. Era esse o problema que via assoberbar o querido amigo, dentre todos o que de mais perto lhe afagava o coração. Conhecia-lhe a esperteza na tribuna de acusação e sabia que sua palavra junto ao poder judiciário pesava com força de lei.

Josias, por seu turno, hábil com o verbo, não conseguia dominar o coração. Não aceitando para si o cerceamento da liberdade que propugnava para os criminosos, pois se via calceta a mourejar diuturnamente sobre frias lápides que iriam enfeitar sepulturas, acabou por conceber a inutilidade de sua vida. Queria ser autêntico diante de si mesmo; não contraditório e fugaz. Sua argumentação estava pesando fortemente contra todos os seus objetivos de realização na carne. Fora defensor dos oprimidos e estaria bem, mas, na qualidade de acusador, seu dedo acabou por apontar definitivamente na direção da consciência. Precisava resolver o impasse ou desistiria de tudo.

Em casa, a esposa, submissa e dócil, passou a desconfiar das estranhas e inusitadas atitudes do marido, que se fechava no gabinete de trabalho para estudar seus casos e que, na realidade, via dali sair tropeçando e dando murros no ar, altas horas da madrugada. Sabia do espírito de justiça que presidia todos os atos do consorte e temia por sua segurança psicológica, a ponto de recorrer às irmãs para orientação e encaminhamento das providências.

Ernestina não era judia. Fora ela quem conquistara o coração ao estudante e lhe dera três maravilhosas criaturas como filhos de seu amor. As crianças eram verdadeiros bons-bocados e cresciam em formosura e sabedoria de modo irrepreensível. Josias não podia pedir nada mais. Transferira-se ela para o judaísmo militante e se considerava uma igual, apesar do sangue português e católico que lhe corria pelas veias. Unia Jesus a Moisés com precisão espiritista, extraindo de sua concepção moral a mais séria lição para bem viver. Moisés lhe falava dos deveres e obrigações; Jesus lhe lembrava o perdão e o amor; e o espiritismo, que curtia no silêncio das leituras, lhe acendia a fé e a confiança no futuro de luz junto ao Pai. A par desse sincretismo vivo da religiosidade mais candente, exercia rigoroso domínio da matéria, de modo que seu raciocinar sobre o mundo era positivo e leal.

Se Josias fora apaniguado pelo destino com tão adoráveis rebentos, não poderia jamais queixar-se da faceirice e dedicada harmonia conjugal que lhe eram proporcionadas pela esposa. Talvez pudesse estranhar o extraordinário senso prático da mulher, que tudo via com agudeza de espírito, não deixando passar facécia, sem a observação concernente ao defeito incluso, para o efeito da comicidade. Mas para promotor público tal perspicácia só poderia vir em ajuda nos momentos mais importantes da decisão da melhor e mais correta atitude a tomar diante dos criminosos sob sua acusação e responsabilidade. Enfim, Ernestina poderia ser a alavanca para soerguer aquele rochedo prestes a despencar.

No momento mesmo da exposição das ocorrências domésticas às irmãs, Samuel estava presente para insuflar-lhes nas mentes a idéia da recomendação de consulta a profissional da área da psiquiatria médica. Nem precisava trabalhar nesse sentido, pois duas das três senhoras consultadas, profissionalmente, dedicavam-se a diferentes áreas do tratamento da saúde mental.

Assim, Ernestina viu-se na situação de ter de levar o marido a decidir-se por tratamento psicológico adequado. Gato escaldado por ter notícia do escândalo familiar que envolvera o pai, Josias recebeu mal o aconselhamento da esposa, que, por mais veemência aplicasse no elaborado discurso, não conseguiu suplantar o sólido arrazoado improvisado pelo marido. No entanto, a semente estava plantada e a inteligência do advogado passaria a trabalhar nas razões e argumentos da parte contrária, nem que fosse para simples refutação. Não contava, porém, o jovem senhor com a insuflação na mente de claras intuições por intermédio do protetor familiar.

Nesse aspecto, foi de ponderável ajuda a convicção espírita de Ernestina, que, sabendo da existência, no plano espiritual, dos guias e dos protetores, solicitou, em ardentes orações, que se destacasse alguém para auxiliar o marido a debelar o mal que o vinha fazendo sofrer. Pedia também pelo afastamento de possíveis obsessores, pois julgava que alguma influenciação perniciosa havia, para propiciar desequilíbrio tão pronunciado em caráter sempre afável e solícito nos limites do companheirismo e da paternidade. Imaginava que a misericórdia divina não demoraria a se pronunciar e, por isso, não se desesperou com a resposta absolutamente peremptória do marido.

De fato, as intuições da jovem senhora estavam corretíssimas. Quando Samuel se aproximou para o efeito da ligação perispirítica para a insuflação por via mediúnico-intuitiva da necessidade de Josias providenciar tratamento adequado, encontrou os canais de comunicação obstruídos por entidade malévola, que se comprazia em inspirar ao jurista as idéias desencontradas que estavam a fustigá-lo. Ao aproximar-se para provocar a separação, percebeu que a entidade obsessora estava comodamente instalada por obra e graça de dócil permissão do obsidiado. Pareciam velhos amigos. Aliás, no momento de sua chegada, durante tertúlia alucinatória, a entidade dominadora, surpreendida, ao invés de se afastar e de se ocultar, como viera desde sempre fazendo, à vista do estado de perturbação da vítima, resolveu enfrentar o adventício, que conseguiu rechaçar com simples gesto de repulsão.

Samuel estremeceu diante do poderio magnético da entidade e de pronto recorreu à ajuda dos maiores, Rute à frente, para o trabalho de dominação e doutrinação. Evidentemente, não afeito a esses eventos socorristas, Samuel desconhecia os procedimentos preparatórios para afastamento e educação, se possível, da entidade obsessora. Mas o povo que se lhe fez visível chegou preparado para penoso trabalho de esclarecimento.

Dado o retrospecto de Josias oferecer sagrados pontos de apoio no campo da moralidade, foi possível ao grupo despertá-lo para a realidade ambiente, fazendo-o interessar-se por caso que acabava de lhe chegar às mãos. Por meio de poderoso influxo vibratório, conseguiram que, no seu desvario, derrubasse o processo, tendo-se destacado página em que fotos anexadas ao laudo pericial denunciavam a violência com que o criminoso havia abatido a vítima. Tanto poder de destruição fez com que a imaginação o levasse à condição, sucessivamente, de vítima e de algoz.

Ao mesmo tempo que se estabelecia o relacionamento da mente e do coração de Josias para a notícia do processo, fato que o desligava da influenciação prejudicial do etéreo, foi incrementado o plano de abordagem da entidade intrometida.

Seria de interesse reproduzir agora o diálogo que se estabeleceu, entretanto, para economia da longa história, devemos simplesmente afirmar que foi possível curvar a cerviz ao imponente agressor, mediante demonstração inequívoca de que todas as suas intenções eram conhecidas, bem como da demonstração de poderio dos defensores, que se fizeram conhecer por meio de controladas e bem administradas rajadas de ondas magnéticas, capazes de fazer estremecer o íntimo do pobre obsessor.

O caso que envolvia ambas as criaturas ocorrera em encarne precedente, quando os litigantes se defrontaram no exercício profissional da magistratura. Constava que Josias determinara a avaliação de diversos julgamentos do desafeto, acabando por envolvê-lo em maliciosas situações de suborno e de enfraquecimento de penas. O final dos acontecimentos era impreciso, mas percebia-se que o agressor não ficara nada satisfeito com os atos de vingança que intentara em vida e jurara desforra posterior.

Eis que seu plano se vê frustrado.

De repente, irrompem no ambiente magotes de espíritos sofredores à cata do infortunado juiz. Foi impossível ao grupo de auxiliares de Rute conter a fúria do assalto, evidentemente programado por antigos desafetos da entidade apanhada com as guardas abaixadas. A luta que se desenrolou deixou Samuel estarrecido.

Tudo, subitamente, terminou, sem que se tivesse percebido qualquer intervenção de entidades de nível superior. Na realidade, a turbamulta desapareceu em busca de refúgio, dada certa visão aterradora que lhe foi impressa na mente, sem que Samuel tivesse tido conhecimento do fato.

Da refrega, restou um juiz corrupto caído, sem forças para soerguer-se. O grupo que manipulava a área de atenção de Josias pôde afastar-se de sua atividade, dedicando-se ao amparo da infeliz criatura vitimada pelos sofredores. Desse modo, pôde-se encaminhá-lo para instituição hospitalar situada nas proximidades, ficando Samuel encarregado de acompanhar os desdobramentos do caso Josias.

Crente de que a tarefa estaria facilitada pelo afastamento da perniciosa entidade, Samuel pôs-se a comandar a infiltração fluídica necessária para captar a atenção do socorrido, a fim de propiciar-lhe eficaz mentalização de recursos para superação do estado de morbidez psicológica.

Diante do processo, Josias pôde avaliar as conseqüências dos atos de desamor e de loucura. Cotejou fase a fase do desenvolvimento do relato policial, fruto de acurada investigação, com o seu envolvimento com as idéias de subserviência e inutilidade vivencial. Nos escritos sob suas vistas, a vítima era marido turbulento, que mantivera a esposa reclusa em casa por mais de vinte anos, ao cabo dos quais foi abatido com machadadas na base do crânio, enquanto dormia. Pensou em todo o sofrimento da vítima na culminância da dor pelo dilaceramento dos tecidos ósseos e cartilaginosos. Ponderou depois as razões que levaram a infeliz criminosa a tomar a extremada decisão de apagar a vida ao marido. Examinou as cópias de inúmeros boletins de ocorrência em que a esposa o acusava de vexames e agressões. Juntou os fatos e concluiu pela absolvição da ré. Não poderia fazê-lo efetivamente, mas, no íntimo, via no ato a suprema conjugação do desespero e do sofrimento, que, por antecipação, cominara a pena moral que fora imposta à assassina. Não era criminosa; era uma pessoa que se despojara de tudo para livrar-se dos horrores da vida que vivia. Lembrou-se do irmão a combater nos campos do Oriente em favor de seu povo. Lembrou-se do nazismo. Voltou a memória para a história do povo de Israel. Viu o sofrimento da raça fortemente inculcado em sua psique e compreendeu a vingança como natural no ser oprimido. Resolveu lutar.

Samuel, quase desfalecendo pelo esforço da sustentação magnética para que a linha de pensamentos do pupilo se voltasse para a sábia decisão de procurar aconselhamento especializado, deixava correr lágrimas de muita comiseração pelas falsas interpretações que percebia formarem, no perispírito do amigo, nódoas negras e perigosas. No entanto, deixou-o extravasar o seu desajustamento, pois sabia que, dando tempo ao tempo, Josias iria voltar a perlustrar o caminho do bem e do amor. Não sabia se conseguiria chegar ao ponto do perdão, mas não hesitava em imaginar que, para atingir esse nível de perfeição, poderia contar com Ernestina e os doces filhos do casal.

Sem que tivesse percebido, foram naquele dia consignados em sua ficha alguns bônus pelo mérito do desempenho. Ficasse tranqüilo, bom amigo, anotava lá no Alto o excelente Ananias, os seus progressos também estavam sendo assistidos.
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