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Artigos-->CROMOS DO REAL: PEQUENAS HISTÓRIAS, DE A. SANTELLI -- 13/07/2007 - 22:47 (Luciana Marino do Nascimento) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Criança, não verás país nenhum”.

Olavo Bilac







Com o alargamento dos Estudos Literários em nossa contemporaneidade , traçar uma leitura de textos que correm à margem do cânone, torna-se um importante instrumento para ler e compreender as mais diversas produções culturais que se inserem no interior da sociedade, como é o caso de lançar um olhar para “Pequenas Histórias 1 e 2”, de autoria da médica carioca Adriana Delgado Santelli.

Conto, crônica ou poema em prosa, “Pequenas Histórias 1 e 2” constituem textos que encontram-se nos parâmetros da escrita contemporânea, ou seja, sem uma classificação de gênero específica e permeados pela hibridez.

Como texto, intrincada rede de signos e unidade de comunicação, “Pequenas Histórias 1 e 2”, além de representarem uma captação oblíqua da realidade, encerrando uma comunicação artística, trazem em seu bojo a crítica social e a denúncia às contradições da sociedade capitalista.

Segundo Fábio Lucas, o autor que confere um caráter social em sua escrita é “aquele capaz de representar no seus tipos e heróis a perdida unidade do homem, isto é, fixar aquele ser a quem roubaram horizontes, mas que aspira a ser íntegro numa sociedade que o mutila.” Dessa forma, tendo como horizonte de leitura tal perspectiva, observamos que em “ Pequenas Histórias 1 e 2”, Adriana Santelli expõe as vísceras de uma sociedade injusta, o que não é feito de forma descritiva, pelo viés do romance social, mas pelos recursos da linguagem irônica, da paródia e da carnavalização, características que veremos mais adiante.

“Pequenas Histórias 1 e 2” têm como temática a história de uma dura vida do casal José (Zé) e Maria e sua luta para sobreviver. Pequena História 1 é o pano de fundo para expor as vísceras das camadas populares da sociedade, que são compradas pela moeda política. Com ironia cortante e riso perverso, Adriana Santelli descreve seus personagens que são verdadeiros representantes da maioria do povo brasileiro. Apesar do riso terrível, a autora leva o seu leitor à uma profunda reflexão social:

“ Domingo fora dia de eleição. Maria e Zé chegaram à pé na Zona eleitoral e ficaram ao pé da urna. Ela, portadora de um óculos entregue após uma consulta fast food de um candidato. José, por sua vez, tinha o sorriso perfeito de uma dentadura cristalina,mas digamos, um pouco torta para a direita e que lhe amargurava a boca. Doía à beça, mas o sorriso tinha que ser preservado.

Dos dois brasileiros a mais feliz era Maria. Não enxergava nada. Afinal de contas realmente é melhor não se ver nada hoje em dia.”



Na passagem acima, podemos observar o que Bahkthin chamou de carnavalização . Ao transpor o espírito do carnaval para a literatura o teórico russo, nos mostra que o riso, a paródia e a exposição de um mundo baixo a partir de descrições grosseiras são formas de escrita que derrubam barreiras e contestam o status quo.

A autora prossegue, esquadrinhando a sociedade brasileira, utilizando uma linguagem carnavalizada, aproximando o sério do cômico , chocando de alguma forma seu leitor e realizando o que Bahkthin chama de “ endestronização”. Porém, no texto de Santelli, a “endestronização” não é do poder, mas sim de um objeto muito valioso para o personagem, Zé - a sua dentadura cristalina:

“Zé (...) anos mais tarde, deu entrada no pronto socorro com um pouco de falta de ar. Tinha engolido o sorriso, que nunca lhe caíra bem.

Engoliu a seco e o difícil foi sair. Mas como Deus é Brasileiro, saiu!”.

Esse discurso da margem, sobre o oprimido se cristaliza na escrita de Adriana ao dar continuidade à epopéia às avessas de uma família oriunda das classes populares, representante do povo brasileiro, que, após, a eleição traz ao mundo um filho, o que torna a “Pequena História 2”, uma continuação heróica de existências desprovidas de adornos:

“José e Maria, após a eleição tiveram um filho chamado SUSJE. Susje cresceu como crescem a maioria dos filhos de Deus, com gripe freqüente, comendo farinha e se entalando com espinha de peixe aos dois anos de idade.”

O jogo parodístico da autora se dá não só na construção do nome do personagem – SUSJE-, como também, nos pressupostos das leis da sobrevivência e seleção natural das espécies, articulando elementos da política social:

“Filho de Deus na Amazônia é assim. Vez por outra, por lá aparece um sacolão, uma bolsa escola, uma bolsa família ou uma bolsa qualquer”.

A resistência do personagem às leis de uma seleção das espécies se dá de forma contundente, não apresentando um fatalismo, mas uma palavra de luta:

“Susje era um menino e tanto. Pregou tanto prego na parede de madeira de sua casa que ficou uma parede chumbada e assim protegia toda a família. Susje falava demais, e sempre foi o orador da turma, entendida aqui como Maria e José.”

Se inicialmente o auditório de Susje eram seus pais, no decorrer da narrativa, seus espectadores vão se ampliando, como também se amplia o jogo intertextual da autora, uma vez que a mesma realiza citações diretas de nomes de órgãos governamentais e dialoga também com o discurso bíblico:

“Naquelas filas do INSS, do atendimento ambulatorial e do Banco Popular, fazia o maior discurso, arrebanhando os filhos de Deus.

Não multiplicava os peixes, pois a grana era curta e não dava para comprar para a vizinhança, o pão muito menos.”



Expondo esse mundo às avessas, Adriana Santelli coloca em cena, conforme os postulados de Mikhail Bahkthin sobre a carnavalização, “um espetáculo sem ribalta e sem divisão entre atores e espectadores. (...) Esta é uma vida desviada da sua ordem habitual, em certo sentido uma vida às avessas, um mundo invertido.” Tal espetáculo carnavalizado se ergue aos olhos do leitor por meio de paródias feitas de forma direta, o que confirma a opção da autora por uma temática social crítica, que se dá sempre em diálogo direto com a nossa atualidade, sem heróis e sem qualquer possibilidade de redenção:

“ Susje era um bom homem e muitas vezes foi pouco entendido. Um dia numa Manifestação dos Desgostosos Com a Subida da Esquerda ao Poder, (DESEPO), se entalou com um salgadinho de rodoviária e morreu.

Morreu. Agora se foi para o céu ou não, eu não sei.”



Observe-se que a manifestação citada no trecho acima era dos desgostosos com a ascensão da esquerda ao poder e o personagem era exatamente aquele sujeito combativo, pertencente às classes populares, mas, no entanto, é um desgostoso com o projeto da esquerda. Ressalte-se, também, o comentário irônico do narrador que é feito a partir de enunciados do senso comum e feito de forma fragmentária, denotando bem a medida da rápida passagem do personagem pela cena de um espetáculo de um mundo rebaixado, o que também nos mostra como aqueles que vivem à margem e sem voz na sociedade, tem uma aparição fugaz. Conforme bem afirmou o filósofo alemão, Walter Benjamin, a história dos vencidos brilha apenas por instantes fugidios que reluzem pela força de uma grande tristeza, o que sem dúvida, nos aponta para a morte dos sonhos e pela quase impossibilidade de redenção das classes populares num país capitalista em desenvolvimento.





Referências Bibliográficas:





BAHKTHIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 1981.

_______________. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de Rabelais Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1987.



BENJAMIN, Walter. Sociologia. Org. Flávio Kothe. São Paulo: Ática, 1985.

LUCAS, Fábio. O caráter social da literatura brasileira. São Paulo: Quíron, 1979.

SANTELLI, Adriana. Pequena História 1 e Pequena História 2. Rio Branco, 2006.Texto inédito.(mimeo).

SOUZA, Eneida Maria de. Crítica Cult. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003.

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