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Artigos-->O DISCURSO NA TEORIA E NA PRÁTICA -- 14/11/2001 - 16:30 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O DISCURSO NA TEORIA E NA PRÁTICA



Tenho lido, com certa desconfiança, alguns elogios que se têm feito ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, por ocasião de sua visita à França, onde seu discurso mereceu aplausos até da oposição local. Posteriormente, repetiu aquelas mesmas idéias, quando de sua fala por ocasião da abertura dos trabalhos da Organização das Nações Unidas, em Nova York, dia 10 de novembro próximo passado.



Não tenho nada de pessoal contra o Sr. Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, como cidadão brasileiro, cumpre-me o dever e o direito de tecer algumas considerações acerca do comportamento de nosso presidente, que às vezes afigura-se-me dúbio, principalmente quando em visita ao exterior.



Evidentemente, o discurso proferido no Parlamento Francês, por FHC, à luz do seu conteúdo, não merece qualquer reparo, por qualquer pessoa com um mínimo de bom senso. Naquela oportunidade, o presidente FHC começou sua fala condenando o terrorismo, segundo ele, o principal responsável pela destruição dos princípios elementares de convivência civilizada que “...Impõe o medo e compromete a tranqüilidade e segurança de todos os países”. E continua, afirmando: “ As vítimas de qualquer ato terrorista não estarão sozinhas, e seus responsáveis – indivíduos, grupos ou Estados que os apóiem – não ficarão impunes. Encontrarão nos povos livres uma aliança sólida disposta a levantar barreiras contra a marcha da insensatez”...



FHC, no seu eloqüente discurso, fez referência à guerra do Afeganistão, que, segundo ele, como qualquer guerra, “traz sempre um pesado custo humanitário. Um custo de vidas interrompidas, em vidas refugiadas e amedrontadas”. E, mais adiante, se compromete disposto, inclusive, a abrigar eventuais refugiados daquela malfadada guerra. Aborda, ainda, os problemas de segurança pública, consumo e tráfico de drogas, contrabando de armas, lavagem de dinheiro, males afins do terrorismo, e que, segundo o presidente, devem ser extirpados. Sugere, para tanto, uma campanha, a nível mundial, para o combate ao consumo de drogas, evasão de divisas para os paraísos fiscais, segundo ele, verdadeiros “abrigos de corrupção e de proteção e financiamento do crime organizado”.



Critica o processo de globalização, onde persiste “ um mal-estar indisfarçável no processo de globalização”. A globalização, que tem ficado muito aquém de suas promessas. E, que leva pouco em conta a dimensão da justiça. Prega, em contrapartida, o presidente FHC a globalização solidária, com regras de comércio mais claras e menos protecionistas.



Posiciona-se a favor do desarmamento mundial, da criação do Estado Palestino e sugere aumentar os recursos e a capacidade do FMI para ser o emprestador de última instância, atribuindo ao Banco Mundial e aos bancos regionais o papel de promotores mais ativos do desenvolvimento. Perfeito. Assinaria, sem ressalvas, este discurso.



Assinaria. Não assino. Primeiramente porque o discurso está com prazo de validade vencido. Desde 1997, mais precisamente no dia 17 de outubro, em que se comemorou o Dia Internacional para Erradicação da Pobreza, o presidente Fernando Henrique, já no seu primeiro mandato de governo, ficou ciente do relatório intitulado “Fome numa Economia Global, 1998”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU), segundo o qual, existiam, à época, no mundo inteiro, cerca de 1,3 bilhão de pessoas abaixo dos limites mínimos de sobrevivência. E que, pelo menos, cem milhões de pessoas morrem, a cada ano, vítimas da escassez de alimentos ou de doenças provocadas pelas carências alimentares. O relatório, mais adiante, apontava, como causa principal dessa monstruosa mortandade, a má distribuição de renda, em virtude de um pacto econômico altamente concentrador de recursos em poder dos países ricos. E que, na América Latina, a questão da fome já atingia 110 milhões de pessoas, que empreendiam luta insana pela sobrevivência, posto que auferiam renda inferior a um dólar diário.



Sobre este assunto, em editorial de 19 de outubro de 1997, o Correio Braziliense afirmava inesistir qualquer razão que pudesse absolver a culpa dos governos e das agências internacionais de socorro, diante de tamanha tragédia. E dava os números: “Sabe-se que a erradicação da fome depende de suprimento anual de US$80 bilhões de dólares. A quantia, à primeira vista, pode parecer de proporções desmedidas. Na verdade, representa apenas 0,5% da renda mundial. E, a curto prazo, terá expressão financeira desprezível”. E concluía o referido editorial: “No Brasil, os níveis de exclusão social, que provocaram a miséria de um terço da população sugerem, desde a década de 60, a prática de uma política eficaz de renda e emprego e o resgate da ignorância pela educação.



Feitas estas considerações preliminares, fica claro que o recente discurso de Fernando Henrique Cardoso no exterior, embora corretíssimo do ponto de vista político, econômico e social, não guarda qualquer relação com os fatos, atitudes e comportamentos verificados nos dois mandatos a ele confiados. Há, pelo tempo decorrido, uma certa incoerência, diria mesmo, uma ilogicidade que saltam aos olhos. A pergunta que se faz, de pronto, é indagar do nosso presidente, o porque de o governo não ter sido mais atuante em relação as providências sugeridas, à época, no quadro apresentado pelo relatório da ONU. Por que o silêncio do presidente, a respeito deste assunto, durante todos esses anos? Na verdade, pela gravidade das disfunções que foram apresentadas, não se fazia necessário esperar por ações terroristas, que abalassem os EUA e o próprio mundo, para que houvesse a oportunidade da fala do presidente. Se não vejamos.



Há algum tempo, - e bote tempo nisso -, as autoridades, que fizeram o propalado milagre do Plano Real, não se sentem mais à vontade para apostar no prestígio do plano, visando a compreensão da população - sempre convocada para o exercício de novos sacrifícios - e, desse modo, introduzir novas mudanças de rumo e, ainda, colher os frutos eleitoreiros que sempre trazem juntas estas medidas. Geralmente, estes pacotes objetivam a perpetuação no poder, seja pela via de um candidato à presidência, que vier a ser indicado, no momento oportuno, pelo Planalto, ou, ainda, quem sabe, por manobras políticas visando a adoção do regime parlamentarista para, desse modo, figurar, novamente no poder, o Sr. Fernando Henrique Cardoso, na qualidade de primeiro ministro. Mas isto já uma outra história.



Voltando para o Plano Real, a inflação, que antes estaria debelada, morta e em pedaços, tal qual o rabo da lagartixa, começa a se mexer e a mostrar suas garras afiadas. Os desempregados, no Brasil, já passam de vários milhões. Na verdade, triplicaram a partir do término do primeiro mandato do presidente e continua aumentando. As dívidas interna e externa não fizeram por menos. Multiplicaram-se por três, quatro e até cinco vezes, no decorrer deste governo. Paga-se, anualmente, de juros e serviços de amortização da dívida, cerca de US$ 150 bilhões de dólares. E ela continua a crescer em proporções geométricas.



E tem mais. As diretrizes econômicas geradoras desse caos foram adotadas, é bem verdade, sob pressões externas. Mas o governo as considera salvadoras da pátria. E se posiciona numa espécie de determinismo econômico que não permite ousar novas alternativas de soluções, baseadas no bom senso e na criatividade de tantos outros administradores e economistas deste país, que pensam de modo diferente. Apegam-se, os colaboradores de FHC, ao conformismo e ao imobilismo. Aceita-se a subserviência e a dependência externa como única regra a ser cumprida. E, pior que tudo, aplicam-se estas mesmas regras às políticas econômicas e sociais, às ações e diretrizes internas. Foi assim, quando resolveram congelar os ganhos de aposentados e servidores públicos, há mais de sete anos. Em compensação, criou-se o PROER para ajudar bancos falidos, na sua maioria por ineficiência e má gestão administrativa.



Não se executou os devedores da previdência social, mas insistem na cobrança de nova contribuição, a ser confiscada dos servidores inativos, que por ela já pagaram, e muito, durante mais de trinta anos. Vale lembrar, que referida contribuição, dos servidores públicos, sempre foi calculada sobre o total da remuneração percebida pelo funcionário, sem qualquer limite. Diferentemente da previdência privada, que estabelece um teto máximo sobre o qual incide a cobrança para a aposentadoria do empregado. E o governo tenta esconder isto. Confunde a opinião pública. Taxa os servidores de privilegiados.



Na verdade, a aposentadoria dos empregados do setor privado é menor do que a aposentadoria dos servidores públicos – e isto é verdadeiro - é porque as leis são diferentes. A do empregado privado, determina um limite máximo sobre o qual deve incidir a contribuição para a previdência, independentemente do valor do salário. Assim, o empregado contribui menos e, portanto, na ocasião da aposentadoria, recebe menos. Esta aparente distorção, no entanto, de certa forma, é compensada porque a lei que regula os empregados de empresas privadas, concede-lhe, na aposentadoria, o direito ao saque do FGTS, benefício que não alcança os servidores públicos. Fica, desse modo, uma coisa pela outra.





Poderíamos, ainda, tecer considerações acerca do tumultuado processo de privatizações que, via de regra, passou para o controle estrangeiro quase todas as nossas empresas estratégicas e rentáveis, como a Companhia Vale do Rio Doce, a Siderúrgica Nacional, e tantas outras. Poderíamos citar, também, a falta de planejamento e de investimentos na área energética, que culminou com o vergonhoso processo do apagão, em pleno século XXI, onde o fogão à lenha, o ferro á carvão e o lampião de gás recolocaram nosso país na contra mão do desenvolvimento econômico sustentado.



No aspecto político, o governo, com ampla maioria no Congresso Nacional, não se fez capaz de aprovar as grandes e necessárias reformas. A reforma política, a reforma tributária, a autêntica reforma administrativa e a reforma do judiciário, entre outras. Ao invés disso, foi, no mínimo, ineficiente nas suas funções de supervisão, coordenação e controle de suas atividades. Não evitou, por exemplo, que o Banco Central, autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, utilizasse um bilhão e meio dos cofres públicos para ajudar o falido banqueiro do Fonte Cindam, que se encontra foragido na Itália, naturalmente por que sabe de sua culpa no caso em questão. E assim com tantos outros atos suspeitos de corrupção, na SUDENE, na SUDAM, no DNER, etc., que poderiam ser evitados com medidas simples de fiscalização e controle mais apurados. Isto sem falar em inúmeros dispositivos da Constituição que, de há muito, deveriam ser regulamentados, como, por exemplo, o direito de greve dos servidores públicos, criando condições legais para a negociação, evitando o vexame e os prejuízos que têm causado a todos os envolvidos, direta ou indiretamente, em sucessivas greves que se arrastam, sem solução, por longos períodos.



A bem da verdade, neste governo não há diretrizes e políticas bem definidas. Falta planejamento articulado. Faltam elos de ligação entre os diversos órgãos da Administração Pública, que não interagem entre si. Não há visão de conjunto. Tem-se a impressão de que se governa a partir da experimentação e do improviso. As alternativas apresentadas são sempre de última hora e genéricas, por força de pressões externas, e vêm acompanhadas por aberrações jurídicas que tratam igualmente os desiguais, criando novos problemas, que se transformam em guerras de liminares, desviando o curso normal das ações e atrasando as soluções desejadas. Não há preocupação em dar cumprimento fiel às decisões judiciais. Mesmo as emanadas da maior Corte de Justiça deste país, o Supremo Tribunal Federal. Temos o exemplo do reajuste dos servidores públicos que, pela atual Carta Magna, tem que ser anual e linear, para todos os servidores públicos. Há sete anos não há qualquer reajuste. A não ser para uma minoria privilegiada, e mesmo assim em dissonância com a Constituição, posto que em percentuais de aumentos bem superiores aos 3,5% que se pretende dar aos demais, a partir de 2002. As questões dos precatórios também não são levadas a sério. E o novo pacote do governo, consubstanciado em medida provisória, decreto presidencial e projetos de lei que, entre outras medidas, objetiva sustar o pagamento de salários aos servidores em greve e tornar as paralisações de mais de trinta dias ilegais, permitindo a contratação provisória, sem concurso, de recursos humanos, objetivando cobrir os trabalhos dos grevistas. Medidas, ao meu ver, que carecem de análise mais aprofundada, seja em termos de verificação de sua constitucionalidade, seja em função de sua aplicabilidade e exeqüibilidade, posto que não basta apenas substituir, é preciso garantir a realização dos trabalhos com segurança e responsabilidade, e com observância das leis específicas para cada caso. Mais uma vez, tudo indica, o governo aponta para uma enxurrada de processos que ingressarão no Judiciário, já tão desgastado pela sua morosidade por causas alheias, diga-se de passagem, ao próprio Poder Judiciário.



A reforma administrativa, de outra parte, tão propagada à época, não vingou. Trocaram os tapetes e tiraram os sofás das salas. As causas da corrupção e dos desvios de verba, quase sempre ligados à falta de fiscalização mais atuante e de controles mais adequados, não foram levados em conta. Preferiram o desmonte do serviço público, ao invés da apuração e punição dos responsáveis. Foi assim com a SUDENE, com a SUDAM, por exemplo, e, de certa forma, com o DNER. E preferiram, outras vezes, criar outros órgãos, como a ANEL, às pressas, sem estrutura própria bem definida, sem atribuições claras, e sem quadro de pessoal. Apenas para dar a satisfação de que o setor que fora privatizado seria devidamente monitorado. Muita coisa, em sete anos, poderia ser feito. E não se pode alegar falta de recursos políticos, pois este governo sempre contou com ampla maioria no Congresso. Nem houve falta de recursos financeiros, seja pelas receitas de impostos que sempre existiram, de impostos que foram criados no governo FHC, de recursos advindos com as privatizações efetivadas, mantidos e aumentados em decorrência da falta de correção da tabela do imposto de renda, e recursos economizados com a falta de reajuste dos servidores públicos, de modo geral. Enfim, recursos consubstanciados pelo próprio crescimento da arrecadação, como um todo. Finalmente, conforme ficou bastante claro, não se pode alegar falta de conhecimento dos problemas perpetuados neste governo, para os quais se aguarda soluções breves e definitivas, entre os quais arrolamos: segurança pública, saúde, educação, emprego e distribuição de renda, habitação, esporte e lazer, para ficar nos mais significativos.



O discurso do presidente, para os europeus e os americanos, está no rumo certo. Mas, com certeza, ainda está muito longe do solo brasileiro.





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