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Contos-->50. A SAGA DE SAMUEL — III — ISAAC REAPARECE -- 25/05/2002 - 05:38 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nove meses após atormentada gestação, surge formosa criatura, cujo nome, depois de longa discussão, deveria ser Isaac, nome de personagem desconhecida nossa, mas de doce lembrança para Ester: o sagrado apelido do falecido avô.

Na verdade, Samuel desejava que o nome não fosse esse e instigou o neto a procurar outro, mas a vontade da mãe teve prevalência no duro matriarcado judeu, de sorte que não houve jeito: era mais um Isaac na família.

A criança, porém, longe de representar a pura lembrança do carinhoso afeto que a neta sentia pelo avô, passou a significar momentos de provação e dor, desde a mais tenra infância. Nem com o nascimento, quinze meses mais tarde, da irmãzinha Isabel, nem com o advento prematuro do terceiro, Josias, nem com a terrível e devastadora chegada do quarto, Marcos, a mãe pôde compreender a razão de Isaac crescer em desajuste completo com o tônus familiar.

Ao nascimento do último filho, por solicitação especial do pai, o médico amarrou as trompas para que a mãe pudesse sobreviver às diversas gestações. A última criança lhe havia consumido todas as energias e, por pouco, não sucumbiu a infeliz criatura a tanta aleivosia.

Mas se Marcos, Josias e Isabel representaram preocupação e desconforto, Isaac parecia valer por todos eles e mais. De início, o casal pensou que se tratasse de má formação genética e que o pequeno fosse débil mental. Cedo, porém, viram que sua estirpe lhe estava indelevelmente registrada em todos os atos. A atrevida criatura não se contentava em atormentar os pais com choros convulsos, mas imaginava quanto artifício pudesse para promover os distúrbios mais sérios. O que menos fazia de ruim era apedrejar os vizinhos do alto prédio onde morava. Por várias vezes, a polícia precisou intervir, levando os litigiosos para a delegacia. O pai não podia deixar a porta do ateliê aberta, pois o pequeno lá ia espalhar as tintas por sobre as telas prontas, inutilizando os trabalhos. Aparelhagens eletrônicas não se mantinham intactas, dado que o feroz instrumento do diabo destruía tudo a pancadas e pontapés. Não houve psiquiatra que apontasse o caminho da cura. É certo que havia momento de doce sossego, principalmente quando o pai se punha a recitar os versos e salmos das sagradas escrituras, momento em que suave nostalgia parecia invadir a alma ao demônio. No entanto, pilhasse a biblioteca aberta, lá vinham para baixo todos os livros.

Samuel, espírito, conhecia o retrospecto da criatura e não via meio de estancar os feitos do rude instinto.

Davi, desacostumado com a vida no lar, afastava-se por longos períodos, na ânsia de reaver os aspectos perdidos da liberdade. Não consagrava à esposa mais do que alguns momentos de volúpia, o que lhe facultara a constituição da família. No entanto, a cada recaída sensorial reagia muito mal e desaparecia do convívio familiar por longo tempo. Sua sensibilidade artística não admitia a possibilidade de haver envolvimentos carnais e só aceitava o puro êxtase emocional como reflexo verdadeiro da existência. Não fora a boa Sara, compreensiva e amiga, teria descambado inteiramente para o mais sublime hedonismo intelectual. Em longas tertúlias, a eterna candidata à viuvez, pois o velho marido demonstrava força e vigor insuspeitos, colocava o herói em reequilíbrio psicossomático, pronto para reinvestir na obra de sua vida.

No que respeita aos negócios, contudo, o que poderia parecer insustentável do ponto de vista psicológico, transformava-se pictoricamente em telas magníficas de cores e luzes, onde o expressionismo vivenciava a dor e o sofrimento íntimos com rara perfeição. O artista crescia em fama e em dinheiro, o que lhe possibilitou saldar, em pouco tempo, todas as dívidas, vindo a tornar-se, inclusive, o amparo a vários familiares sob risco de falências. Seu ramo de negócios prosperava ainda mais quando tudo indicava para crises econômicas catastróficas. Os que possuíam fortunas resguardavam o capital sob forma de obras artísticas e as de Davi cresciam na avaliação do mercado.

Isaac, ao atingir os oito anos de idade, revelou-se na escola o capeta que sempre fora em casa. Impedido de prosseguir na companhia dos colegas pelos impulsos extremados de violência, chegando ao ponto de ferir os amiguinhos à base de alfinetadas e tesouradas, foi-lhe dada a oportunidade de aprender por meio de assistência direta de diversos preceptores pagos a peso de ouro.

Aos doze anos, contudo, sua personalidade deu tremenda reviravolta. Ao se deparar só no mundo, pois nenhum afeto o atingia, resolveu que o melhor era ceder à tolerância e, argumentando fortemente e prometendo ser fiel aos juramentos de bom procedimento, logrou matricular-se em escola particular, através dos competentes exames de qualificação e preparo, os quais não lhe foram em nada obstáculos para atingir o objetivo.

Na escola, chefiava grupelho de alunos que não desejavam seguir os roteiros estabelecidos pelos professores. Os colegas, por preguiça e incompetência; ele, por puro espírito de revolta. No entanto, sua preparação permitia-lhe obter bons resultados nas provas, de sorte que todos os colegas se viam ameaçados seriamente de reprovação e ele não. Tudo que faziam repercutia na disciplina geral da escola, mas sua ação era sutil e jamais se percebia quem eram os verdadeiros causadores dos distúrbios. A turbulência da criançada era absolutamente controlada por Isaac, que os mantinha presos a si através de reuniões secretas em sua residência, nos momentos que sabia não haver ninguém para atrapalhar.

Após o primeiro ano de atividades subversivas, o grupo foi obrigado a desfazer-se à vista dos péssimos resultados dos componentes. Tardiamente, a orientadora educacional descobriu a rede de intrigas e os autores das malandragens, especialmente porque as crianças, pressionadas pelos pais, se viram forçadas a denunciar a liderança de Isaac.

Vergastado pelas palavras pesadas do diretor da entidade, Isaac desejou vingar-se do douto professor e, antes que fosse expulso, conseguiu quase arruinar-lhe a carreira, fazendo-o cair em armadilha com determinada aluna mais velha, que descobriu apaixonada pela figura paternal do diretor. Instaurado o competente inquérito, avaliada a responsabilidade do estafermo, foi este encaminhado para casa com a descompostura maior da exclusão definitiva.

Davi chamou o filho a duras falas. Fez-lhe ver a quebra das promessas, a falta à palavra empenhada e a necessidade de tê-lo agora mais que nunca sob a tutela de instituição rigorosa. Mas Davi esbarrou em sério problema: os internatos eram raros e professos; na qualidade de filho de família judia, a única saída era buscar alguma instituição de caráter militar. Estas, contudo, exigiam procedimento pregresso imaculado, o que impedia o pequeno marginal de ser aceito. Finalmente, acordaram pais e filho que o melhor para o peralta seria prosseguir sob a tutela de certo tio que se transferira para Israel, onde, sob o rigor de um kibutz, talvez o expatriado tomasse juízo.

Ao contrário do que seria de supor, a perspectiva agradou sobremodo ao petiz, que se pôs na expectativa da viagem com extremado interesse, tanto que os dois meses de aprestamentos passou dedicado à tarefa de aprender a língua hebraica, para o que manifestou dom especialíssimo.

Em três meses de dura luta ao lado do tio, tempo em que foi inscrito em escola primária na nova pátria, Isaac progrediu intensamente, a ponto de merecer transferir-se para turma mais adiantada. Ao cabo de cinco anos, durante os quais se recusara a viajar para o Brasil, viu os pais apenas três vezes e, assim mesmo, de passagem, pois não se permitia afastar-se das atividades no campo e nos estudos por razões meramente sentimentais. Não saíra ao pai nem à mãe. Era filho da natureza.

Por essa época, ensejou-lhe a guerrilha inimiga a possibilidade de entrar em contacto com as armas e tão brilhantes foram os seus feitos militares que recebeu a incumbência de aperfeiçoamento nas artes bélicas para tornar-se oficial. O fato de não ser originário do local contornou-se com facilidade e Isaac encontrou o seu destino.

Toda a pujante e incoercível agressividade de caráter se concentrou na iniciativa da guerra, de modo que, em breve, se viu guindado a posto de comando junto à infantaria. Líder por natureza, comandou diversos assaltos a posições inimigas, vindo a merecer, postumamente, a principal medalha israelense. Seu nome hoje é respeitado pelo exemplo de patriotismo e defesa dos interesses raciais na região.

Ester, agraciada com a comenda, mandou enfeixá-la em preciosa moldura com que adornou a parede principal da sala. O filho, finalmente, lhe deu algum orgulho, embora não pudesse dizer com que contribuíra para o despojamento diante do dever. Ao olhar para a medalha, chegava a vislumbrar ali a presença do avô, mas não reconhecia no filho a serenidade que o velho sempre demonstrara.

Samuel, nesse meio tempo, foi chamado para prestar contas a respeito de suas atitudes referentemente ao encaminhamento daquele jovem, que, tão cedo, retornava ao etéreo.

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