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Contos-->50. A SAGA DE SAMUEL — II — A HISTÓRIA DE DAVID -- 24/05/2002 - 06:00 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Por aquela época, o pequeno Davi não se aterrorizava com nada. Sofria a desdita, sim, de ter muitas inspirações mas tinha de se submeter à educação mais tradicionalista, a par da possibilidade de se dedicar às artes que mais de perto lhe diziam ao coração.

Desde criança, na comunidade religiosa e na escola segregacionista, convivia com Sara, menina de maviosos dotes e de moralidade superior, de modo que, a par da legítima afeição, florescia o fascínio da mais pura admiração. Sara era para Davi a musa inspiradora, a deusa no altar, a santa imaculada, a sílfide etérea que pairava no ideal, transubstanciada em visão angelical.

Para Sara, Davi não passava de bom companheiro de folguedos, sempre pronto a abandonar a amizade masculina para ficar longas horas conversando sobre namoricos, mexericos, pontos de crochê e de tricô, trabalhos domésticos e, principalmente, a respeito da produção poética a que tinham acesso por sua freqüência à biblioteca da escola. Era de ver-se a fraterna amizade que perdurava incólume desde a idade das primeiras letras até aquele ponto de maturação a que os judeus consagram as festas da puberdade.

Passado o “Bar Mitzvah”, sofreu a primeira impulsão séria da comunidade na direção da afirmação da virilidade. Levado pelos companheiros mais velhos a participar de certa festa íntima, em que lhe haviam preparado o festim da primeira “promenade” passional, defrontou-se com a rudeza dos trejeitos carnais necessários para a concretização do evento erótico, repugnando-lhe o ato sexual de modo incoercível. Escrevia-se ali a primeira página de seu relato amoroso e de sua sublimação temperamental.

Para a comunidade informada do insucesso, foi motivo do riso mais feroz e das cutiladas mais penetrantes. De qualquer modo, sua vida se viu, de repente, de pernas para o ar, principalmente porque a família, que, sub-repticiamente, patrocinara o encontro, principiou a vê-lo como ser diferenciado.

Descontente com o sucedido, o pai conduziu o pimpolho às malhas da psicoterapia oficial e largou-o sob os cuidados de matreiro patriarca religioso, que viu ali rico filão de onde extrair valiosas pepitas.

Durante longos quatro anos, o mísero Davi se encontrou afastado de sua idealizada inspiradora, medida oportuna para que se evitassem os mal-entendidos da feminilidade contagiosa. Foram os piores anos de sua curta vida.

Um belo dia, foi surpreendido às carícias com o protetor psicológico, de modo que o mundo principiou a desabar em escombros por sobre sua triste figura. A produção pictórica do período, acadêmica no que refletia o incentivo do mestre, mas profundamente marcada pelos tons mais lúgubres nos quadros de livre iniciativa, contariam a história de sua vida para o observador menos percuciente, se a obra pessoal não se escondesse no fundo do porão, onde a luz não penetrava, nem a alegria, nem a confiança, nem a fé. Davi se ensimesmava.

Para cúmulo de sua condição de inferioridade emocional perante a sociedade familiar, foi coagido a presenciar as bodas da idolatrada amiga, que contraía matrimônio, segundo antigo costume racial, com jovem senhor vinte e oito anos mais velho, calvo e rico, que lhe prometia próspera viuvez.

Inferiorizado diante de todos, não sentia força para reagir, tendo em vista a sensibilidade garantir-lhe que o mal estava no domínio completo das circunstâncias. Julgava o mundo pelo prisma das ilusões e colocava a vida nas mãos do destino. Quando o pai o obrigou a perlustrar carreira acadêmica, escolheu a Advocacia, mas teve de fazer inscrição na Faculdade de Medicina.

“Lidando com a matéria”, pensava o progenitor, “esquecerá as baboseiras do espírito.”

Por aquele tempo, as lojas davam polpudos lucros, tendo o pai e os tios diversificado as aplicações no comércio, de modo que inúmeros estabelecimentos lhes proporcionavam vida extraordinariamente confortável. Os irmãos e primos estavam adaptando-se maravilhosamente às condições familiais, de sorte que, a par de comerciantes espertos, se encaminharam para o estudo da legislação, da administração e da indústria correlatas. O domínio da família na área ganhava foros de império comercial. O nome Lentz e Brummer se tornou respeitabilíssimo, inclusive entre os mais apaniguados membros da comunidade judaica.

Davi intentou quatro vezes o ingresso na faculdade designada pelo pai, até que, aos vinte e três anos de idade, se reconheceu seu total despreparo para a vigilância corpórea das doenças.

Adulto e experimentado na arte de se furtar à espreita da família, conduziu as intenções para ramo comercial que, segundo os seus, se bem administrado, poderia vir a ser lucrativo: tornar-se-ia comerciante de obras de arte com galeria própria. O capital inicial seria imenso, mas o pai viu na iniciativa do filho o recurso único para restabelecimento dos vínculos rompidos com a tradição familiar. Entretanto, para o empréstimo efetuar-se de modo completo, necessário foi estabelecer contrato de subvenção permanente, desde que o filho cumprisse algumas cláusulas, dentre as quais lhe avultava aos olhos a condição, “sine qua non”, de ter de contrair núpcias com jovem de sua esfera religiosa.

Davi engoliu em seco a prerrogativa do fiador e assinou, crente de que algo poderia fazer no sentido de burlar o incômodo artigo. No entanto, escolhido o ponto, estabelecidos os parâmetros do negócio, indicado o roteiro de trabalho, feito o balanço das despesas, antes de o dinheiro vir-lhe à conta corrente, lá estava a exigência a clamar sonorosa para ser cumprida.

Davi, que não perdera contacto com a amiga de infância, consultando-a sempre que algo não lhe corria bem na vida, teve a inspiração de interrogá-la a respeito das jovenzinhas casadoiras, para que lhe apontasse quem melhor lhe poderia servir, sem exigências nem demandas no campo da sexualidade.

Sara muito estranhou que lhe fizesse semelhante pedido, especialmente por acreditá-lo poeta e livre das coerções no campo material, contudo, pesquisou na comunidade e encontrou pessoa que lhe pareceu ideal.

Ester era filha de abastada família. Não se destacara em nada na vida. Constava que nunca tivera namorado algum, que não se distraía nas festas juvenis, que vivia para os livros e as tarefas domésticas, que engordara desproporcionadamente, mercê da pouca atividade física, e que não brilhara na escola, tendo feito o possível para diplomar-se modestamente no ciclo ginasial. Se Davi queria alguém que o não molestasse, eis Ester moldada para a circunstância. Além de tudo, o dote era esplêndido e a criatura, filha única.

Afastados os pretendentes, mais ávidos pela fortuna do que pelos parcos encantos da mocinha, o campo ficou livre para a figura esbelta e pálida do caro artista. Bem apessoado e excelente no trato, habilidade que adquirira junto ao mundo feminino, mediante elevada percepção dos valores espirituais em voga no âmbito da intelectualidade, não lhe foi difícil fazer-se atraente para a jovenzinha, que não atinava como viera a constituir-se em sonho de vida para tanta sabedoria e projeção social.

Feito o trato nupcial, eis que a sinagoga se enche para o matrimônio. Calcado com delicadeza, o copo se espatifou e as promessas se selaram diante do rabino, paramentado para a cerimônia com especial brilho nas vestes, nas palavras e nos pensamentos. Afinal, a fortuna que tinha ao alcance das mãos era considerável.

A noite de núpcias revelou condição especial de aproximação dos nubentes.

Despertada para o amor admirativo ao jovem que se apresentava para a vida, Ester passou por sério regime alimentar, menos pelos cuidados dietéticos do “spa” em que se internara, mais pelo interesse em causar no esposo o “frisson” dos apaixonados. Assim, a gorda senhora se transformou em graciosa menina, de sorte que a festa nupcial íntima lhe prometia ser a concretização da felicidade.

Estranhou Davi a transformação e atemorizou-se durante o noivado. Contudo, o retrospecto da noiva permitiu-lhe ir até o fim.

Durante a viagem para a almejada lua-de-mel, incomodou-se com a proximidade física da esposa, mas o fato não o desagradou; ao contrário, parecia ferver-lhe o sangue com quentura inusitada.

Não podemos dizer que a “performance” do casal tenha a merecer encômios, mas, para quem estreava, estava muito bom.

No plano espiritual, Samuel esfregava as mãos de contente. Seu projeto começava a surtir efeito...

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