MENINO DE RUA
Você tem apenas 16 anos
Mas traz no rosto as marcas
De quem já viveu muito mais.
Você, com esta arma na mão,
Diz que vai me matar
se não lhe der tudo que tenho.
Acho que você está certo.
Que foi que eu fiz
quando você ainda pequeno
Foi abandonado no meio da rua?
Que foi que eu fiz
Quando você pedia para engraxar meus sapatos,
Limpar o pára-brisa do meu carro
Ou simplesmente implorava um pouco de comida
Para saciar sua fome?
Será que o levei para minha casa,
Ofereci-lhe comida, roupas,
Uma cama para dormir, um teto para se abrigar
E paguei uma escola para você estudar?
Será que protestei
junto às autoridades responsáveis
Por não aplicar os recursos arrecadados
Para tirá-lo da rua
E dar-lhe condições de crescer forte,
Sadio e protegido?
Será que ao menos derramei uma lágrima
Por vê-lo naquelas condições?
Não! Eu não fiz nada disso!
Eu simplesmente afastei-o
Com um gesto contrariado
E segui meu caminho,
Enganando a mim mesmo
Dizendo que não era meu o problema.
Agora descubro, tarde demais,
Que devia ter feito alguma coisa por você,
Para evitar o que está acontecendo neste momento.
Você, sofrido, maltratado, perseguido,
Odiando toda humanidade
Por ter lhe negado tudo que você tinha direito.
Você, desesperado, marcado para morrer,
Cobrando uma dívida que não tem tamanho.
Você, a vítima. Eu, o criminoso.
No tribunal da minha consciência
Mereço esta condenação.
Recife, setembro de 1983.
|