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Contos-->Asa de Cobra e Cobra de Asa -- 19/05/2002 - 17:25 (Semi Gidrão Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Asa de Cobra e Cobra de Asa

Dr. Cobra é um dos mais renomados gastroenteorologista da região e, entre um paciente e outro, conta como surgiu sua inclinação para especialidade.
Nem era o nome da região em que morávamos, um espaço geográfico entre a Praça do Cruzeiro e o bairro do capinzal de macambira, perto da olaria do Bariani, entre o canteiro da Vila Popular do Íris, a Vila Redenção e o Campo do Goiás.
Tínhamos outros divertimentos: naquela época, menino tinha múltiplas possibilidades de fazer o estilingue e o papagaio como ocupação de hora vaga, e nos dedicávamos a esses feitos com alma e corpo.
Bitóca era tido e havido como o maioral na arte da mamona, estilingue de garrote da farmácia do Lori, embornal sempre carregado de mamonas e uma pontaria de tirar tinta das pernas das rolinhas a vinte metros.
Um dia, por mero capricho, Bitoca resolveu que o rico conteúdo de minha trouxa de recreio, meio pão com manteiga e um baré uva, deveria ser repartido em partes desiguais entre eu e ele. Tudo pra ele, e a vontade me restando.
Inconformado desde a infância, especialmente com o que entendo por injustiça, larguei-me em disparada rumo ao trilheiro, assim que a sirene do recreio fez o portão da escola abrir.
Antes de ganhar a distância necessária, uma, duas, três pelotas de mamona arrebentam-se em minhas costas, de forma que o choro se escancarasse e, em pranto incontrolável, rolei ao chão.
Trouxa, poeira, terra, bidu uva e eu rolamos pelo chão, uniforme sujo, joelho arranhado, pano de prato que recobria o lanche totalmente emporcalhado e a humilhação tomando conta de todo o meu ser.
Em gargalhadas e vaias, mesmo que à distância, Bitóca e os outros moleques invadiam minha cabeça e ampliavam meu pranto. Era o caos, o inferno.
Chegando em casa, aquilo que parecia ser o fundo do poço tornou-se insignificante, além de dolorido, humilhado, joelhos arranhados e imundo, mãe houve ainda de intensificar as dores por força da cinta corretiva que sempre visitou nossas bundas, minha e de meus irmãos, quando Alda de errado acontecia.
Como vingar?
Bitóca era o Asa de Cobra no estilingue...
No outro dia, antes de sair pra aula, cuidadosamente, para ninguém de casa notar, tomei a lata de exame de feses de minha irmã mais velha que deveria ser levada ao Laboratório Campinas naquela tarde, abri a trouxa de lanche, abri o pão lambuzado de doce de leite, abri a lata de exame e prazerosamente misturei mais da metade do seu conteúdo com o doce do pão, reorganizei tudo e garbosamente, com um sorriso digno de Maquiavel, ganhei o rumo da escola.
Dito e feito, Asa de Cobra foi parar no pronto-socorro, Ildinha, minha queridíssima irmã mais velha, tinha um princípio de cólera.
Desse dia em diante, passei a divulgar meu apelido Cobra de Asa.

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