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Infanto_Juvenil-->QUEM BRINCA COM FOGO FAZ PIPI NA CAMA -- 19/03/2002 - 09:40 (VIRGILIO DE ANDRADE) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A primavera já dava o ar de sua graça no sitio do vovô Biu. As fruteiras estavam tão floridas que pareciam jardins suspensos da antiga Babilônia. E como era rotineiro naqueles finais de semana, o sítio estava festivo de crianças. E a presença daqueles barulhentos e alegres visitantes era um prazeroso motivo para a vovó Antonia correr para o fogão e fazer suas deliciosas mágicas nas panelas para saciar a fone dos esfomeados netinhos.
Para quem apreciava a chegada de visita boa de garfo, ficava comovida só de ver o quanto às crianças comiam. E se comiam; comiam tudo e de tudo e ficavam com cara de quero mais.
Para espanto e desassossego da mãe, que se desdobrava para ver seus anjinhos de barriga cheia, n sítio as crianças adotavam comportamento oposto daquele que era a rotina cotidiana dos filhos. No dia a dia da cidade, quando retornavam do colégio por volta das 12h, corriam para a televisão e diziam que só iriam esperar a fome chegar. Comovida com a palidez do semblante cansado, ela se deixava levar por um bom tempo; mas nada do apetite chegar. E se chegava, só queriam saber dessas intoleráveis guloseimas que toda criança gosta de comer. Se a refeição se resumia em um suculento prato de arroz com feijão, filé na chapa e batata frita, sempre alguém encontrava uma desculpa para justificar a sobra de comida no prato. Mas havia dias ainda mais difíceis. Se encontrassem uma folhinha de coentro perdida no meio do feijão; aquele insignificante e intruso vegetal era mais do que motivo para passarem intermináveis e tediosos minutos separando o alimento e só comer de grão e grão. Se fosse um discreto fiapo de cebola douradinho ou não, então nem penar, não havia quem obrigasse dar uma única garfada.

Pode até parecer anedota ou histórias da carochinha, mas, toda criança tem olho aguçado e apetite sentimental. Conforme a ocasião, o fastio é capaz de provocar-lhes uma surpreendente e inexplicável dor de cabeça só de observarem que a sopa está enfeitada com deliciosas e suculentas rodelas de pimentão verde, cheiro-verde, chuchu e cubos de tomate. E quando isso acontece, coitada da mamãe! É obrigada a correr para o fogão e fazer um mingau de aveia ou um chazinho com biscoito para agradar o pimpolho.

Mas no sitio a vida é diferente. Ao que tudo leva crer, o cheiro do mato, as veredas para correr e vadiar, o banho de bica e outras atividades dava uma fome tão danada que ficava difícil de controlar a mão e a boca. Lá, eles comem de tudo e de nada reclamam. E olha que a vovó Antonia capricha no tempero! Cheiro-verde aos borbotões; alho bem amassadinho;.pimentão e quiabo que por lá nasce tal e qual chuchu em pé de serra, mas nada disso é capaz de impedir vigorosas garfadas e de raparem o fundo do prato com aqueles olhinhos de quero mais. E assim, no sítio tanto se divertem quanto comem.

No sítio do vovô Biu não tem o conforte da cidade. Nada de computador, videogame ou videocassete. A televisão não passa de enfeite na sala. Funciona. E quando funciona, funciona a bateria. Mas ninguém se lembra dela porque por lá só se tem luz de lampião. Se durante o dia as brincadeiras são intermináveis, à noite, elas ficavam ainda mais divertidas. É na penumbra da noite que descobrem o momento ideal para correr atrás de vaga-lume seguindo seu facho luminoso; encontrar o esconderijo do grilo que fica em silencio quando alguém chega muito perto da touceira de capim; e capturar a perereca que teima entrar na casa para passar a noite.

Quando um mais afoito captura uma perereca, aquele feito é motivo de grande e ruidosa comemoração. E não faltava quem não queira adota-la como bicho de estimação. Mas se for um sapo cururu, com aquele rouquejar assustador, aí, quem se vê em maus lençóis é a irmã mais velha. Logo alguém recorda daquelas histórias de príncipe que virou sapo, e que vivia numa lagoa esperando que surgisse uma donzela para lhe dar um beijo e quebrar o encanto da bruxa má. Mas se a noite era estrelada, com uma lua redondinha lá no céu; só queriam saber de fogueira que e de escutar os causos que avô contava.

A vovó não gostava de ver as crianças na beira do fogo. E para convence-los de sua opinião: dizia que criança que mexe com fogo faz xixi cama. Sem no entanto, se fazer ouvir. Do seu lado, o vovô Biu era obrigado a inventar desculpas quando se via rodeado de netos implorando para que ele providenciasse novas toras de madeira para alimentar o fogo. Sem outra alternativa, via-se compelido em atender os queixumes da criançada somente para ter sua horinha de descanso. E assim, enquanto eles estivessem entretidos com as chamas do fogo, podia ler seus velhos livros que contavam histórias de cura de enfermidades com uso das plantas medicinais.

Vovó Antonia se não aprovava aquela gesto com segundas intenções do esposo, mas se conformava. E se conformada ficava o melhor a fazer era correr para o fogão de lenha para preparar uma tachada de pipocas.
E quem disse que eles não gostavam de pipoca?
E se todos adoravam, ela preparava pipoca doce e pipoca com sal só para atender todos os gostos. Bem sabia ela, que o netinho Ezequias, que, a conselho do doutor Fernando não podia consumir açúcar em demasia, de certo iria se queixar que não podia participar do melhor da festa: comer pipoca quentinha sob a luz da fogueira.

Certos dias, quando para não perderem nenhum minuto da magia e encantamento das estrelas, o vovô Biu contava causos e relembrava seus dias de juventude. Era um acontecimento imperdível. E como tal, era permitido que as crianças ficassem até altas horas da noite apreciando as chamas dançarem ao sabor do vento.
Entre uma prosa e outra, as crianças sorriam daqui, sorriam dali, e ficavam tecendo planos para as traquinagens do dia seguinte.

Edmilson, o mais velho da turma, fizera planos de caçar passarinho. Já havia preparado a arapuca, estilingue e um saco de pedras para caçar os passarinhos mais afoitos.
Vonzinho, que era o mais danado, só pensava em acordar cedo e ir nadar na represa. Mas a represa ficava muito longe. E se ficava longe, carecia da companhia do irmão mais velho para poder levar adiante seus planos. Do contrário, a vovó não autorizaria que ele fosse.
Nira, a caçula da família, tinha lá seus desejos mas não eram suficientes para prejudicar os planos dos demais. Se alguém não quisesse sua companhia, só bastava pagar seu preço com a paga de um pirulito. Quem lhe presenteasse um pirulito, podia ir para onde bem entendesse que ela não reclamava de ficar em casa com a vovó.

Mas como sempre acontece com as promessas firmadas à luz de fogueira, no dia seguinte nem todos se recordavam do prometido e era preciso fazer novos acordos.
Como sempre, quem se sentia traído caía em prantos doidos e ameaçava romper relação de amizade com a advertência que a partir daquele dia estavam com relações rompidas. Não só rompidas mas cortadas e enterradas para o resto da vida. Cruzava os dedos, beijava três vezes, e dizia que estavam de mal. Mas que maldade! Ainda bem que a ruptura que deveria ser para o resto da vida era esquecida quando a vovó fazia um bolo de chocolate e todos rodeavam a mesa para comer a maior fatia.

O maior dilema da vovó era por as crianças na cama. Se de um lado os menores pegavam no sono e tinham que serem levados no colo para a cama; os mais velhos sempre arrumavam um jeito para ficarem acordados além do que era apropriado para as sua idades. E aquela brincadeira de ficar pulando fogueira e pegando sereno às vezes resultava em um resfriado, que, felizmente, era combatido com chá de limão do mato adoçado com mel de abelha.
Vonzinho, o mais franzino, sempre queria ser o responsável em apagar a fogueira. E era um problema a mais que a vovó tinha que contornar. Ele era muito pirralho, não conseguia transportar o balde e acabava molhando a roupa e o chinelo. E lá ia a vovó ter que secar e trocar a roupa para ele parar de chorar.
Quando isso acontecia; a turma logo gritava: - ta vendo vó: nem bem brincou com fogo e já esta todo mijado.

Foi num certo domingo de quaresma fizeram uma grande fogueira. E nesse dia, até os vizinhos correram para o sítio para tirar um dedo de prosa. A vovó aproveitou para fazer tapioca. Tapioca fofinha, com queijo e com manteiga. E no meio daquela alegria surgiu alguém com um violão e outro trazendo um engradado de refrigerante para a criançada.

Foi uma noite inesquecível. Teve moda de viola e houve até que se atrevesse dançar catira. Quando a visita foi embora a fogueira já havia virado cinza e o dia já estava amanhecendo. As crianças não arredaram o pé da beira do fogo,e beberam todo o engradado de bebida.
Ezequias estava para estourar de tanto refrigerante. Nem bem a visita saiu, correu para cama para não deixar o corpo esfriar. Foi seguido pelos irmãos. Daquela vez, não quiseram esperar que a vovó contasse uma história para fazê-los dormir. E dormiram como se fossem anjos.

Ao raiar do dia, como era do seu costume, a vovó acordou cedinho e preparou o café da manhã com aquela variedade de quitutes que somente ela sabe preparar. Mas mingúem quis saber daquele tal de desjejum. Ninguém sequer fez menção de arredar o pé da cama. E a vovó entendeu por bem deixa-los aproveitar aquele sono gostoso o quanto quisessem. O período de férias chegara ao seu fim; e nem bem havia começado.

O sol já estava a pino quando Ezequias começou a sonhar o sonho curioso. Sonhou que estava vagando no deserto comandando uma comitiva de camelos. Ele se sentia um verdadeiro homem do deserto. Um turek de turbante com safira na testa, barba longa, e que portava na cintura uma adaga cravejada de diamantes.
Já estava naquela marcha há vários dias, e não encontrava um oásis para matar a sede do rebanho e a sua própria. Os camelos andavam com a língua pendurada, como se fosse uma casca de banana balançando de um lado para o outro. Estava tão exaurido que pensava que não conseguiria conduzir o rebanho são e salvo até o vilarejo de Akabur, onde era um sultão muito amado por seu povo.
Quando tudo parecia perdido, para sua alegria começou a cair uma chuva fina. A água era cheirosa e morna. Morna e um pouco salgada, parecia água do mar. A chuva caía do céu em minguadas goteiras que mais parecia que gotejavam das nuvens como se fossem goteiras no telhado do seu palácio. Sentiu o corpo ficar umedecido com aquela água morna. E quanto mais chovia água morna quanto mais gostoso ficava de com ela se molhar.

Ezequias pensava:
- Ah, mas que água gostosa. Parece que estou tomando banho na banheira da mamãe. É tão quentinha, tão molhadinha! Ah, quem me dera que essa chuvinha nunca acabasse...

Já era meio dia quando a vovó resolveu tirar a turma da cama. Alguns ainda tentaram se fazer de mal entendidos e ficar enrolado no cobertor. No entanto, a vovó Antonia não se deixou se comover.

- Pra fora da cama seus preguiçosos! Já está na hora do almoço! Quando o papai chegar quero todos de banho tomado, dente escovado, e com a trouxa de roupa pronta. Só então, vou permitir que toquem na comida.

Ezequias se fez de surdo e se encobertou com o lençol do irmão.
- E você? Porque ainda está na cama? – ralhou a vovó.
- Eu estou doente, vó.
- Doente... de verdade?
- -Não sei, vó.
- A vovó correu para tirar a temperatura e descobriu que não era o que tanto temia.

Sentiu um odor estranho, e:
- Ah, seu danadinho... se você não quer se levantar só pode ser porque está de xixi!





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