Usina de Letras
Usina de Letras
208 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62272 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10381)

Erótico (13573)

Frases (50662)

Humor (20039)

Infantil (5452)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6204)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->Conto cruel -- 15/09/2002 - 23:13 (Maria José Limeira Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SENTADO EM CIMA DO FORMIGUEIRO: SAÚVAS!
Maria José Limeira

Diante do aparelho de TV, a esposa insípida sentada ao lado, no sofá da sala, Senhor Nogueira (ou Doutor Nogueira, como gostava de ser chamado), olhava o vazio da sua situação.
Tinha se aposentado, e não sabia o que fazer de si mesmo.
Por força do hábito, acordava à mesma hora do dia, metia os pés, levantava-se depressa da cama, como se o horário do expediente bancário o perseguisse.
Corria ao banheiro, onde desaguava a mágoa em urina e, só então, se lembrava: não havia mais obrigação. Estava fora de circulação. Tinha todo o tempo do mundo, agora. E não tinha mais nada.
Voltava para a cama, contrafeito, onde a esposa insípida adormecida ressonava, de boca aberta, as banhas esparramadas no colchão, o rosto feio e enrugado, o corpo idoso entregue à tranqüilidade de quem estava bem com a vida.
Senhor Nogueira tinha raiva daquela tranqüilidade.
Invejava a calmaria da mulher, e a maneira como, assim que se deitava, dormia.
Raiva era a única coisa que ele podia sentir ainda. Não sabia de que.
Raiva da vida, talvez. Raiva por não ser mais ninguém. Por ter saído do emprego, em aposentadoria compulsória. Por ter perdido a identidade, ao se afastar das atividades produtivas e da vida social.
Tentava adormecer de novo, olhando o branco do teto.
Queria dormir, e nunca mais se acordar.
Mas, o corpo não obedecia mais.
Levantava-se, impaciente.
Ficava vagando nos corredores da casa, feito fantasma.
Dali a pouco, a esposa insípida se acordaria também, passaria por ele, vestida num camisolão antiquado, na direção do banheiro, a cara amassada.
Fazia seis meses que Senhor Nogueira estava assim, enfrentando a rotina de um sofrimento que não experimentara antes, em toda a vida.
Tentara voltar ao banco, onde havia uma sala em separado destinada ao encontro de antigos funcionários. A Sala dos Aposentados.
Não deu certo.
Os ex-colegas eram velhos decrépitos, meio moucos, contando as mesmas histórias sem graça, piadas de salão conhecidíssimas que não fariam rir nem mesmo as crianças mais ingênuas. Falavam do passado, esquecendo-se do que acontecera há meia hora atrás, no entanto. Todos homens, e nenhuma mulher, para tornar a reunião mais interessante.
Desistiu.
Partiu para outras atividades.
Saía desanimado, após o café da manhã, para longos passeios a pé, pela cidade, sem encontrar alento para sua alma.
Voltava para casa, cansado e triste.
Foi quando se lembrou do mar.
Quando jovem, considerava o mar símbolo de liberdade.
O mar! Como fora esquecê-lo?
Passou a freqüentar a beira-mar, onde ficava sentado na areia, após a caminhada para ativar a circulação.
Ali, passavam velhos, jovens, crianças e cachorros, em feliz revoada.
A certa altura da manhã, novas ondas de banhistas enchiam o lugar com suas risadas alegres, roupas berrantes, sombreiros de todas as cores.
Nudez! Ah, a nudez das jovens meninas adolescentes ousadas, inocentes! Indecentes meninas... Meninas! Muitas meninas bonitas! Ah, frutas ainda não colhidas! Em trajes mínimos, elas nem de longe imaginavam como alegravam a solidão de um certo senhor aposentado. Que, antes, era triste. Agora, alado!
Os dias do Senhor Nogueira se renovaram.
Acordava-se cedo.
Vestia um bermudão, camisa estampada, tênis e meia, e saía na direção da praia.
Ia ver as meninas.
E foi assim que conheceu Soninha.
Soninha era uma menina-moça deslumbrante em seu biquíni sumário, deixando ver os seios fartos pulsando como coração recém-implantado, e na calcinha, a sombra escura da vulva recém-raspada, o sexo arredondado delineado sob o tecido, como uma promessa irrecusável.
Foi rápida a aproximação.
Parecia que estavam ambos fadados àquele encontro tecido por uma fatalidade escrita antes mesmo que nascessem.
De amigos carinhosos, passaram rapidamente a namorados ansiosos e, logo em seguida, a amantes ardorosos.
Soninha, ah, Soninha...
Passou-se o verão. Veio o inverno rigoroso. Em seguida, a primavera...
E Soninha não saía do ar.
Montaram casa juntos.
Seu Nogueira era agora um ser dividido, com vida dupla.
Remoçara vinte anos!
Quando não estava com Soninha, sonhava.
Sentia suas mãos apalpando-o, primeiro os pés, depois subindo, subindo, seus dedos ágeis massageando um sexo que, há pouco tempo, estava murcho e desanimado, e agora era alegre como um menino, o saco cheio de esperma, que Soninha tocava com a boca, sugando-lhe toda a seiva, num beijo espetacular...
Soninha era tudo para ele: poesia, música de Vivaldi, Cavalleria Rusticana, Tigrão, Tigresa, buraco de formiga que o fazia se coçar... Tudo!
Todas as estrelas do céu pareciam não caber na felicidade que o rosto do Senhor Nogueira estampava.
Era fácil agüentar tudo agora, com Soninha ao lado.
Até a esposa insípida deixara de ser problema, e ele não reclamava mais de nada em casa. Assobiava, cantava, ria como criança que acabara de ganhar o brinquedo que mais gostava.
Mas, dizem os sábios que felicidade não é para sempre, e um dia, a casa cai.
Seu Nogueira (ou Doutor Nogueira, como gostava de ser chamado) começou a notar diferenças no comportamento de Soninha (ou Sô, como ele a chamava).
Ela parecia entediada com seu cargo de amante apaixonada.
Seu calor pelo amado foi desaparecendo.
Começaram as recusas.
Um dia, estava cansada.
No outro, menstruada.
Hoje, tinha enxaqueca.
Amanhã, não queria nada.
O ardor de Seu Nogueira, que nunca baixava, começou a se ressentir com a situação inusitada.
Ali tinha coisa...
De fato, quando ele entrou de surpresa em casa, encontrou Soninha na cama... com outro!
- Eu mato! Eu mato! Eu mato! – gritou Seu Nogueira indignado.
E quando repetia “eu mato, eu mato, eu mato!”, caiu no chão, de repente.
Duro! Teso! Mortinho da Silva!
Chegou, finalmente, o repouso para aquela alma atribulada.
Foi difícil para Soninha explicar à Polícia que não tinha nada a ver com a morte do velho, embora fossem amantes.
Depois disso, a esposa insípida de Senhor Nogueira casou-se com o melhor amigo dele, pois já vinham se encontrando há tempos, secretamente.
E foram felizes para sempre.

(Do livro “Contos cruéis”).
Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB.



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui