EU SOU AQUELE (II)
Eu sou aquele que compreende todas as coisas.
Eu sou aquele que compreende a menina pobre,
Que veste um vestido novo e vai para o restaurante,
Orgulhosa porque está ali,
No meio de toda aquela gente bonita,
Com o seu vestido novo.
Eu sou aquele que tem tantas histórias para contar,
Mas cala, assustado ante a fúria da civilização.
Eu sou aquele que compreende todo mundo,
Mas que ninguém compreende.
Eu sou aquele que gostaria de chorar
Pelo amor que nunca teve.
Eu sou aquele que chora pela criança abandonada.
Chora pela criança de pais separados.
Chora por todas as crianças do mundo.
Chora pela própria filha
Que queria que não sofresse.
Eu sou aquele que gostaria de ser livre,
Voar como um pássaro,
Percorrer todos os caminhos desta vida,
Comer o pó dessas estradas ressequidas.
Eu sou aquele que gostaria de amar,
Mas não ama.
Eu sou aquele que não crê em nada,
Porque não lhe foi concedido o direito
De conhecer a verdade.
Eu sou aquele que vendeu seu espírito.
Eu sou aquele que se deixou escravizar.
Eu sou aquele que morre cada dia.
Recife, agosto de 1980.
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