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Contos-->Depoimento -Amizade -- 28/05/2000 - 21:00 (Vânia Moreira Diniz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Amizade
Quando a conheci ambas éramos muito pequenas, mas a empatia foi imediata. Tornamo-nos amigas inseparáveis e tanto no colégio quanto fora dele nos ajudávamos em todos os acontecimentos. Até hoje, a nossa amizade é algo imutável. Moramos em cidades diferentes, mas a emoção sempre é grande quando nos falamos.
Luciana era muito bonita. Os cabelos loiros e a pele morena davam um contraste benéfico e os olhos verdes eram expressivos principalmente porque neles se percebia muita ternura. Era reservada e quieta. Todos notavam essa diferença de temperamento, principalmente porque eu era realmente muito irrequieta sempre procurando algo para fazer. Estranhavam que nos déssemos tão bem com gênios antagônicos. Mas a verdade é que a tranqüilidade de Luciana parecia me deixar serena assim como a minha inquietude, segundo ela animava-a sempre.
Assim sendo nossas relações além de uma afeição que transparecia claramente também era importante em termos de necessidades existenciais. Mas isso não excluía a sensação que eu sempre tive de que Luciana era uma menina demasiado triste para sua idade. Logo teria a certeza que as aparências enganam e aquela paz que parecia emanar de minha amiga era aparente já que seu sistema nervoso muitas vezes estaria afetado pelos problemas. E eu lamentava que Lú sofresse com tantos conflitos sem saber exatamente o que sentia.
Conversávamos muito e sobre diversos assuntos e a minha amiga um dia, me disse:
-Os pais da gente sempre escondem alguma coisa?
-Não sei. Eu não sabia disso. Por que esconderiam?
-Sei que alguma coisa aconteceu comigo quando era pequena.
-E não se lembra?
-Não
Aquilo ficou na minha cabeça. Não conseguia esquecer. Olhava Luciana e queria estender a nossa conversa. Talvez fosse a minha mania de escrever e passar para o papel o que acontecia comigo que me estimulava a pensar nos fatos da vida mais do que qualquer outra garota o faria. E por isso decidi que não pensaria mais até que ela mesma viesse a tocar de novo no assunto.Não queria deixá-la mais melancólica do que demonstrava.
Visitávamo-nos com assiduidade, mas seus pais evitavam que ela dormisse mesmo na casa das amigas mais íntimas e um dia Luciana se referiu a isso. Estávamos falando do movimento da minha casa já que éramos tantos irmãos. Era realmente agitada e ela ficava fascinada com o movimento constante. Disse-me que gostaria que a sua fosse assim e que talvez em um lugar mais animado ela até não teria sonhos maus ou pesadelos
-Por que diz isso, Lu? Você tem muitos pesadelos? Perguntei.
-Tenho. Às vezes não consigo nem dormir direito. Falam de temores noturnos.
-O que é isso? É pesadelo?
-Mais ou menos. Quando acontece freqüentemente.
-Entendi. A gente podia fazer uma pesquisa sobre isso. Ficaríamos sabendo.
-Não, Vânia. Isso não iria adiantar.
-Claro que iria. É o jeito da gente descobrir o que se passa com a gente. Quer saber ou não?
-Quero saber porque é tudo tão esquisito comigo.
-Vamos saber. Você vai ver. Eu vou lhe ajudar. Acontece todo o dia?
- Não. Sempre, mas não é diariamente. Eu queria saber se eu falo alguma coisa nesses sonhos.
-Vamos dar um jeito nisso.
Daquele dia em diante comecei a pensar numa forma de ouvir o que acontecia com Luciana à noite.
Quando pedi a Dna Luiza para que Luciana dormisse lá em casa ela me respondeu que seria melhor o contrário e minha mãe concordou. O sono de minha amiga foi plácido nesse dia. Dormiu placidamente e parece que se sentiu segura. A mãe dela gostava muito de mim e estimulava nossa amizade. Dizia ela que era benéfica para as duas. Ainda mais que Lú era uma menina triste e aos poucos aprendia a se alegrar com as pequenas coisas. De vez em quando eu conseguia que meus pais deixassem eu dormir lá. Mas não aceitavam que isso ocorresse sempre.
Durante algum tempo nada aconteceu, mas um dia eu vi que Luciana estava muito agitada. Eu não conseguia conciliar o sono sentindo sua respiração ofegante. Da minha cama do outro lado do quarto eu a via com os olhos semifechados e a impressão é que não estava dormindo, porém também não estava completamente lúcida. Quando previ que ela ia ficar mais inquieta, levantei-me para ver de perto se havia alguma alteração. A minha amiga rolava a cabeça de um lado para o outro enquanto dizia entre entrecortadamente:
-Não, Não, eu não quero.
À medida que continuava a falar aumentava a voz. E eu tinha receio que piorasse
Chamei:
-Luciana, Luciana, acorde.
Ela me pareceu esquisita quando com muita dificuldade entendeu o que eu dizia:
-O que você estava sentindo? Perguntei.
-Mal. É uma sensação esquisita. Normalmente meus pais percebem e vêm aqui. Ficam muito preocupados.
-E acho que eles viriam se você continuasse a falar. Estava quase gritando.
-É mesmo? Gritando? Vânia o que será isso?
-O que você estava sonhando?
-Não é nada nítido. Alguém querendo me agredir e eu me defendendo.
-Você nunca foi a nenhum psicólogo? (Fui criada tão no meio deles que sabia dessas peculiaridades)
-Sim, mas não gosto. Comecei o tratamento há pouco tempo
-Você tem que continuar. Logo se sentirá melhor.
Assim conversando Luciana foi se acalmando e depois fui para minha cama. Ambas dormimos cansadas. E eu impressionada e sensibilizada.

2ª PARTE
Durante algum tempo Luciana continuava a análise e por vezes eu achava que devia estar no período mais crítico como dizia meu pai que era quando se revirava o próprio interior trazendo à superfície traumas e reminiscências antes enclausuradas .Perguntava-me o que poderia ter acontecido com a minha querida amiga. E muitas vezes a vi chorando com crises fortes de nervosismo. Procurava ajudá-la, mas achava que sendo tão garota, não tinha muita competência para fazê-lo. Entretanto nessas horas tentava consolá-la e pedir-lhe calma.
À medida que o tempo passava via com alegria que Lú parecia melhorar.E algum tempo depois ela me confidenciava o quanto às vezes se sentia irrequieta e não conseguia dominar o próprio sistema nervoso. Muitas vezes quando dormia em sua casa, tivemos conversas longas sobre esses pesadelos que a consumiam. Perguntava porque não falava com seus pais e indagava sobre a sua primeira infância que devia ser onde se localizava o problema. Ela não tinha coragem e o tempo corria sem uma solução evidente.
Muitas vezes teria gostado de conversar com meu pai sobre Lú pedindo uma ajuda e orientação para os pais dela sobre o tipo de tratamento, mas achava que não tinha direito de passar a quem quer que fosse um segredo seu. Nem mesmo para melhorar.
E lamentei que ela tivesse sabido de uma maneira brusca de tudo isso.
Naquele dia como não tivesse ido à aula telefonei-lhe e Dna Luiza me respondeu que Lu estava com uma forte gripe e que era melhor eu não ir lá, pois a garganta estava inflamada e receava que eu pudesse pegar a gripe sem necessidade. Todo o nosso grupo perguntava por ela e durante três dias não tivemos nenhum contacto.
Mas eu tinha decidido ir procurá-la. Não sei porque achava que ela precisava de mim. Eu era a melhor amiga dela, e com seu temperamento fechado a única com quem ela se abria. Estava sofrendo e nem seus pais sabiam as suas angústias horríveis. Não podia deixá-la. Seria como abandonar uma amiga e isso eu não faria. Poderia até levar admoestações de meus pais, mas eu não recuaria. Não poderia. Não era justo.
Antes que isso acontecesse minha amiga me telefonou. Queria que eu fosse à sua casa. Ela morava próximo à mim..Logo depois do almoço saí dizendo à minha mãe que iria visitá-la. Ela compreendeu. E fui apreensiva. Não sei porque achava que alguma coisa grave acontecera.
Quando entrei em seu quarto, ela parecia muito doente, mas imaginei que não fosse realmente uma doença física. Seus olhos estavam inchados de tanto chorar, os cabelos despenteados e simplesmente parecia estar numa crise de depressão. Nunca tinha visto uma crise assim, mas imaginava que fosse dessa forma. Estava jogada na cama simplesmente. Parecia totalmente longe de tudo e quando me viu os seus olhos adquiriram um certo brilho. Corri ansiosa para perto dela
-Luciana, o que aconteceu?
-Agora sei porque estive sempre tão nervosa.
-Que foi, Lú? Não consigo vê-la assim.
-Ele não é meu pai. Não é.
Olhei-a com estranheza e achei que minha amiga estivesse delirando, todavia ela estava bem acordada e consciente. Contou-me então que ouvira restos de conversa de seus pais e claramente a observação de que ele, Dr. Gustavo, o simpático marido de Dna Luiza não era na verdade pai de Luciana. Ela me disse que entrara na sala na hora que eles estavam discutindo e então de certa forma exigira que eles lhe contassem a verdade. Traumatizados acharam melhor assim.
3ª PARTE
Quando Luciana estava prestes a nascer sua mãe era casada com outro homem. Um homem, aliás, que seus pais lutaram para que ela não se casasse. Logo no início foi revelado o temperamento desse homem. Chegara a bater em Dna Luiza várias vezes e o pior é que ela estava esperando um filho. Quisera fazer corpo de delito, mas não tivera coragem. Era muito jovem e seus pais haviam praticamente rompido com ela. Ele bebia e seus dias eram alternados entre demasiado carinho e intensa grosseria.
Pouco antes de minha amiga nascer pessoas que ouviam discussões localizaram os pais de Dna Luiza e comunicaram o que estava acontecendo com a moça.
Separaram-se então e o pai de Luciana desapareceu. Logo depois do nascimento da menina a mãe encontrou um rapaz que por ela sempre fora apaixonado. Ele ia visitá-la freqüentemente e acabaram ficando juntos. E foi ele que registrou Lú como filha. Um dia, porém, o pai da menina foi procurá-los. Queria ver a filha e durante algum tempo atormentou-os sempre dizendo que recorreria à justiça. Parece que a garotinha presenciara algumas discussões e ficara amedrontada. Dna Luiza acha que desde aí seus traumas começaram.
Não se sabe o porquê, mas o fato é que ele nunca mais procurou a família. Tudo isso Luciana ouvira de sua mãe. Ela se sentia culpada. Achava que se tivesse contado antes talvez a filha já teria provavelmente melhorado. Mas quando abriu os olhos era tarde e não teve mais coragem até o dia que a menina interrogou-os.
Luciana chorava muito abraçada comigo:
-Não fique assim, Lú, foi melhor assim. Dr Gustavo não é seu pai, mas que importa isso se lhe ama tanto?
-Não acha que eu deveria conhecer meu verdadeiro pai? Não
seria mais justo?
-Não sei, querida, não sei. Você nem tinha nascido e muita coisa estava acontecendo. Acho que você deve fazer o que o coração lhe diz.
- Eu não sei o que ele diz, Vânia, eu não sei.
-Talvez depois que passar esses primeiros dias ele já poderá dizer alguma coisa.
-Espero que sim. Espero que eu melhore.
- Não sei Não temos idade para ter certeza dessas coisas, Mas é isso que eu penso
A minha amiga se acalmou bastante e até conseguiu dormir naquele dia.
CONCLUSÃO
Luciana aos poucos foi se restabelecendo. Soubemos que o seu pai biológico tinha ido embora trabalhar no Japão não sei exatamente em que. Na verdade ela compreendeu que quem devia ter tomado a iniciativa de procurá-la era o pai já que ela nem sabia da sua existência..As raras pessoas que tomaram conhecimento da história da minha amiga deram apoio e muito carinho.
Ela compreendeu que por mais que queiramos amizade e amor isso não depende só de nós. A outra pessoa precisa está ali. Tem que haver reciprocidade. Devemos até continuar reservando a nossa parte de ternura e desejando imensamente o seu bem, mas não podemos obrigá-la a ser nossa amiga. Até eu que estava apenas indiretamente ligada ao seu caso aprendi muito com a sua experiência.
Foi isso o que sua mãe nos disse um dia. Ela sempre me agradecia o apoio que eu dei à Luciana, mas eu lhe respondi que nada havia feito demais. Na amizade tudo isso é natural. Eu aprendera isso muito cedo na minha casa.
Olhou-me então com indisfarçada ternura e repetiu o que já nos havia dito sobre reciprocidade
-Não que devamos nos fechar para as pessoas que se afastam. Nós estaremos aqui. Devemos demonstrar que podem contar conosco, mas não impor a nossa presença. E seu pai Lú, um dia vai compreender e virá procurá-la para conversar
-Eu já nem penso mais nisso mamãe respondeu a filha. Acho
que melhorei muito e aprendi a dar valor às pessoas que estão próximas a mim e que precisam do meu apoio. Adoro mais ainda o pai que me criou.
Eu compreendi o que Luciana queria dizer. Aprendi a admirar o enorme potencial humano que se escondia na figura incomum do Dr. Gustavo apesar da aparência amena e silenciosa. Jamais vi ninguém demonstrar tanto afeto como ele o tinha feito com paciência inominável esses dias.
A minha amiga tinha melhorado em tudo. Os sonhos estavam esparsos e o psiquiatra encarava a melhora dela com otimismo. Com enorme otimismo.
E ambas aprendemos ainda mais o valor precioso da verdadeira amizade, da reciprocidade que devemos demonstrar às pessoas que amamos e principalmente o valor da verdade. Sabíamos que se tudo tivesse sido mais transparente muita coisa teria sido evitada. E seus pais e os meus aproveitaram a ocasião para apelar no sentido de que jamais cometêssemos os mesmos erros que involuntariamente Dna Luiza e Dr. Gustavo haviam cometido. Ficamos gratas por essa lição. E enfrentaríamos o futuro com enorme consistência depois de tão benéfico aprendizado. Entretanto o que me seduziu em grau maior foi ver Luciana sorrindo francamente. Tinha o sorriso bonito e o coração estava lentamente sendo aliviado. Aprendêramos ambas. Ela com o sofrimento e eu com o seu exemplo.
Vânia Moreira Diniz
OBS: Os nomes dos personagens foram alterados para preservar suas identidades.














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