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Contos-->O Principado das Maravilhas -- 17/05/2002 - 14:34 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O Principado das Maravilhas

Por Lindolpho Cademartori




“Escrever prerrogava olhos abertos e um indesejado contemplar da realidade ladeante. Era verão. Dezenove de janeiro. Sentou-se às quatro e vinte da manhã para escrever a estória de sua vida.”


O
homem mudou. Rasgou poesias de outrora e furou o balão de fantasias; caiu no chão e foi cumprimentar a realidade, ao que esta deu-lhe as costas. Os remendos foram malogrados. A busca pela verdade, protelada. Um sorriso falacioso resplandeceu-lhe no rosto. Se a verdade insistia em fugir-lhe, trataria de criar um sentido ilusório nas lembranças que o presente tentava em vão macular. E como eram esplêndidas! Não restavam dúvidas: na iminência da derrota, o homem bateu em retirada. Enganou o próprio coração e atestou as palavras de um apóstolo.
Tomou como sua uma dinâmica que era alheia à sua própria natureza. Talvez o que mais o frustrasse fosse o fato de poder conceber pensamentos que a realidade jamais lograria sucesso em realizar. Ignorou a morte e desprezou a matéria; alheio aos seus semelhantes, pretendeu-se senhor de um habitat que ansiava contemplar superposto ao real. Os sonhos passaram a incomodá-lo, muito embora a onipotência imaginária permitisse-lhe reparar facilmente as falhas que, acreditava-se, eram obra do subconsciente.
Poder-se-ia dizer que seu mundo era tão esparso quando a fumaça do cigarro; esvaia-se tão logo o homem abria os olhos. E quando não mais foi-lhe possível enganar a si mesmo por intermédio da imaginação abstrata, decidiu o homem lançar mão de um outro ardil – começou a escrever.
Trocou o dia pela noite e gozou a solidão pétrea. Vertia lágrimas em ruidosas odes de insatisfação. Curtiu a nostalgia de um amor passado e resolveu transpô-la para o papel. Decepcionou-se: mais uma vez, o limite de sua inteligência furtava-lhe a glória tão benevolentemente concedida pelos seus devaneios.
Mas escrever prerrogava olhos abertos e um indesejado contemplar da realidade ladeante. Era verão. Dezenove de janeiro. Sentou-se às quatro e vinte da manhã para escrever a estória de sua vida.
Muito embora as palavras fluíssem, as idéias teimavam em permanecer intrincadas. Continuou a escrever, de modo a não mais pensar; preteriu a razão e deixou que seu esteio emocional ditasse as palavras escritas pela mão trêmula. Deu-se a obra por concluída exatos trinta e um dias mais tarde. E ei-lo que foi, o homem, lê-la, sem antes alijar-se de quaisquer passionalismos e tendências impróprias.
Consternado, alcançou a idílica conclusão de que seu propósito primário não havia sido logrado – a narrativa competia unicamente ao desfecho soturno de um amor incompleto. A outrora complexa e supostamente extraordinária estória havia sido reduzida à uma copiosa mea-culpa marcada por lamentações que, aos olhos do mundo, iriam parecer infundadas e descabidas.
Não pôs termo ao ímpeto – quis reescrever a estória e alternar o mote da trama. A madrugada descampada irrompeu em folhas preenchidas com uma voracidade ciclópica. Ao fim de doze dias e doze noites ininterruptas, esgotaram-se os tinteiros; o homem não poderia continuar escrevendo. Passava, pois, das duas da manhã de uma madrugada primaveril quando o homem decidiu-se por sair em busca de tinta. Esvaiam-se os minutos e, com eles, o furor da criação. Voltou a escrever com o soçobrar das estrelas que cediam espaço ao astro-rei. Era uma manhã de domingo.
Um livro cuja estória engendrava a metáfora de outro livro. A mesma trama – um amor malogrado por circunstâncias passadas. Remexeu algumas feridas dormentes e reviveu a nostalgia da paixão com a contundência de outrora. Um sorriso genuíno. Até que aproximou-se o crepúsculo – as páginas do “livro” em tempo real haviam sido bruscamente arrancadas. Na contracapa, um suspeitíssimo “fim”. Ensejou reescrever a estória. E poder viver tudo novamente. Pretendeu ludibriar o tempo! Ingênuo em seus anseios, o homem repousou a pena sobre o papel. Antes, porém, deu à obra um título. E fechou os olhos. O mundo voltava a lhe pertencer.

Lindolpho Cademartori
Comentarios

Lila  - 04/04/2019

copiosa.

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