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Contos-->Catarse -- 17/05/2002 - 13:35 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Catarse

Por Lindolpho Cademartori



“Remoía-se num exílio voluntário, repetindo para si mesmo a magna-verdade de que as palavras que haviam conquistado almas longínquas não eram capazes sequer de enternecer seu coração vergastado pelas verdades lascivas e malogradas. Deu-se conta da insignificância de suas idéias e contemplou um infinito descampado de fraudes e concepções superficialmente vulgares, ao passo que decidiu equiparar-se àqueles que havia enganado – comprometer-se-ia a desmascarar tudo o que havia dito e escrito até então. Inglória imcumbência. Árdua constatação. Uma genialidade posta em dúvida.”



Há a história do homem que se pensou sublime e sucumbiu diante das próprias pretensões. Versava sobre o amor e a dor com o mesmo tato de quem discorre sobre uma pauta ordinária. Fazia questão de manter-se indiferente e sarcástico para com as limitações alheias. E muito embora fosse detentor de um intelecto notável, suas ambições em muito superaram seus talentos.
Redigia textos e poemas cujos dotes tocantes e perfeccionistas saltavam à vista e à alma daqueles que os apreciavam. Sem embargo, regozijava-se num sarcasmo sádico e vil, troçando daqueles que admiravam suas obras como sendo um estandarte da genialidade literária. Sabia o homem que era extraordinário – todavia, atribuía sua genialidade não ao teor e conteúdo de suas obras, mas sim à desmedida capacidade que possuía para ludibriar as pessoas tocando-lhes os ingênuos desvãos sentimentais-conscienciosos.
Não tinha conhecimento, porém, da chafurda existencial em que estava se envolvendo. Quão mais suas obras tornavam-se admiradas e eméritas, mais desprovido de convicções e sensibilidade tornava-se o homem. A troça que outrora tanto o entreteu agora se afigurava como um evento insosso e corriqueiro. Havia fartado-se de contemplar a ingenuidade alheia. E ei-lo que foi, por entre o limbo da indiferença e das fraudes sentimentalistas, à procura daquilo cuja quintessência fosse capaz de reavivar-lhe o senso de estupor e admiração. Desejava, pois, o homem poder voltar a amar e a nutrir no esteio da alma as sensações que o conhecimento lhe haviam usurpado.
Remoía-se num exílio voluntário, repetindo para si mesmo a magna-verdade de que as palavras que haviam conquistado almas longínquas não eram capazes sequer de enternecer seu coração vergastado pelas verdades lascivas e malogradas. Deu-se conta da insignificância de suas idéias e contemplou um infinito descampado de fraudes e concepções superficialmente vulgares, ao passo que decidiu equiparar-se àqueles que havia enganado – comprometer-se-ia a desmascarar tudo o que havia dito e escrito até então. Inglória incumbência. Árdua constatação. Uma genialidade posta em dúvida.
Tampouco sabia o homem o que aspirava e/ou desprezava. Talvez quisesse tão-somente inverter suas convicções para troçar mais um pouco com as almas ditas “de pouca fé”. Mas não o era. Com efeito, não o era. Converteu-se o homem em um pastor da contestação ao senso vulgar. Senso vulgar este que, dir-se-á, havia sido soerguido por ele mesmo.
Não prescindia de um ideário. De um baluarte doutrinário. De um álamo teórico. Achá-lo-ia em uma de suas obras, cuja composição havia se dado já nos tempos de descrença e catarse intelecto-espiritual. Ajeitou-a debaixo do braço e entregou-se às andanças pelos mais remotos rincões da civilização. E apesar de contar com a obra para combater as convicções de outrora, não havia o homem dedicado uma única fração de seu tempo para folhear as páginas que ele mesmo havia escrito. Com efeito, não logrou sucesso em sua empreitada – foi facilmente combatido pelo “inimigo”, cuja maior arma eram as lembranças pétreas dos melancólicos erros que o passado lhe cobrava.
Abandonado pela sorte e pela genialidade, foi o homem procurar alívio nas páginas de sua arma malograda – o livro com o qual julgara-se capaz de combater suas antigas convicções. Páginas manchadas pelo desdém; um papel cuja textura era carcomida pelo ocaso. Alheio a qualquer tipo de aspiração, ei-lo que se dedicou à compreensão de sua derrota. Encontrá-la-ia, por óbvio, nas páginas relegadas ao esquecimento. Perplexo e imerso em consternação, constatou que a obra nada mais era do que a história de sua existência, em todas as minúcias e detalhes integrantes. Contemplou, com remorso e letargia, uma decadência cuja previsão era facilmente percebida. Viu a ascensão da Pretensão aliada à Falsidade. Compreendeu, sem maiores dificuldades, os ardis utilizados pelo Desprezo e pelo Auspício. Lia e tentava, inutilmente, sobrepor as linhas com letras tracejadas por sangue e lágrimas. Por fim, desistiu de tentar alterar a história que ele mesmo havia escrito e vaticinado.
Antes, porém, entregou-se à leitura descompromissada. A Inteligência havia triunfado e contava com a Maldade para perpetrar seus desígnios. E tão-logo decidiu-se a fechar o livro e render-se às Forças do Mesmo, precipitou-se em correr os olhos pela última página. Entretanto, antes mesmo que pudesse ler o que por sobre o papel jazia, teve a certeza de que não conceberia uma única idéia jamais, pois as almas dotadas de dolo e falácia não teriam nenhum outro vaticínio senão a catarse, a tão difamada catarse, que, a propósito, dava nome à obra que o homem tinha eleito como o emblema de sua decadência.

Lindolpho Cademartori
Comentarios

Lila  - 04/04/2019

Despreso.

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