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Contos-->44. NA PRAIA -- 17/05/2002 - 05:57 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

À beira-mar, vivia pobre pescador, atarefado em abastecer o lar de comida para proporcionar sobrevida à extensa prole. Era benzedor e descria da medicina dos homens, acreditando que os espíritos têm poderes muito maiores. Sua crença elevada e forte fazia com que os irmãos do Alto viessem ajudá-lo com as vibrações, mas, como nem sempre os males eram psíquicos, fazia-lhe falta certo vermífugo ou outro remédio que evitasse as infecções. Certa feita, tentou tratar de perna quebrada com o osso exposto. Não reduziu a fratura como deveria, não se utilizou de fórmulas alopáticas adequadas, nem sequer isolou o campo ferido para resguardá-lo aos ataques das bactérias. Em pouco tempo, manifestou-se a gangrena e o pobre amigo pereceu.

Outras criaturas já haviam tomado o caminho para o nosso lado por indução sua, mas, no caso do Firmino, houve complicações. O pobre homem era pai de enorme família e os filhos pequenos dependiam exclusivamente dele para comer. Sem o pai, viram-se abandonados na vida à comiseração pública. Época de vacas magras, mal conseguindo os pescadores o sustento das próprias famílias, como fazer para assegurar à do Firmino a sobrevivência?! Dividir, dividiam, mas não chegava para todos de modo suficiente.

Ariovaldo, o benzedor, compreendeu desde logo sua responsabilidade e, mais que ninguém, empenhou-se em apoiar o lar do falecido. Mas seu desvelo, mesmo somado com todos os outros, foi insuficiente e, em breve, a mãe, com os filhos, precisou ir em busca de socorro na cidade grande. O mais velho tinha treze anos e poderia ajudar com algum trabalho. Os outros serviriam para esmolar. E a pobre D. Silvana chorava a morte do marido, homem decidido e leal, que, mais que os outros, se orgulhava da saúde e da disposição da família e, acima de todos, buscava no mar o sagrado alimento para o crescimento saudável da prole.

No etéreo, Firmino passou a acusar Ariovaldo da responsabilidade da morte. Desarticulara a ignorância dele o sustentáculo da família, de modo que a figura de pedintes o molestava seriamente. Durante o tempo em que os rebentos permaneceram na aldeia, atacou ferozmente o ex-amigo, vibrando intensamente contra ele. No entanto, a firmeza de sua fé e a proteção rigorosa que possuía impediam os ataques de surtir efeito. De qualquer forma, o que se pretendia fosse ventania para arrastar o nosso herói mar adentro, não mais significava que branda viração, a trazer-lhe certa melancolia e sensação de culpa mais ponderável.

Assim que a família apartou-se do lugarejo, Firmino acompanhou-a, de modo que deu sossego ao obsidiado.

Transcorreram três lustros até que ambos se defrontaram no etéreo. Ariovaldo era aguardado por uma dúzia de bons companheiros, agradecidos pelas preces e desvanecidos pelas preocupações. Entre tais pessoas se encontrava o antigo desafeto, na companhia de três outras entidades que Ariovaldo reconheceu logo como filhos do amigo de aventuras no mar. Os quatro, no entanto, não tinham ido para festejar o retorno do médium curador, mas para exprobar-lhe os feitos inconseqüentes, cuja repercussão ainda se fazia sentir no seio da família. Anacleto, Rubinho e Josemar ali estavam para testemunhar a triste sina que lhe acometeu a família. Vítimas da cidade grande, abandonados à própria sorte, em pouco tempo adquiriram doenças contagiosas e, ao desamparo da sociedade, desencarnaram muito cedo. A esposa permanecia com outros dois, estando o mais velho às voltas com o crime e desaparecido, sem poder auxiliar os demais. Tudo desandara a partir do fatídico dia do acidente.

Ariovaldo ouviu todas as acusações absolutamente consternado, mas, impedido de sucumbir aos seus tremores pela vibração dos companheiros, suportou aflito a descrição de toda a tragédia que lhe era imputada. Caracterizou-se profundamente a dor da consciência que carregara nos últimos tempos e ele propôs-se, ali mesmo, a seguir com os demais para auxiliar o povo na crosta. Mais uma vez recebeu o apoio dos espíritos amigos mas foi impedido de prosseguir com o plano, incompetente que era para deliberar naquelas condições. Foi aconselhado a refazer-se primeiro da atormentada passagem, ao tempo que recebeu a promessa de que alguém iria, em seu lugar, como verdadeiro clone, para as tarefas do socorrismo imediato.

Foi assim que Firmino e os filhos começaram a fustigar a pacienciosa criatura, na crença de estarem a ofender o pescador.

Durante vinte e cinco anos, o falso Ariovaldo acompanhou o pai afoito e o marido ofendido. Na realidade, o grupo revezava-se para o efeito, de forma que não sobrecarregava especificamente a nenhum.

Mediante as providências energéticas tomadas, pôde D. Silvana sustentar-se nos primeiros tempos à custa de muitos sacrifícios até que os filhos mais novos conseguiram ajustar-se em pequenos empregos. A luta foi árdua, a assistência contínua, mas, como nenhum dos três objetivava ferir os princípios do encarne, foi possível acomodá-los na vida, mercê de suas próprias energias. Assim, à época do desencarne de D. Silvana, os filhos mais novos estavam bem encaminhados. Não eram ricos nem propendiam para isso, mas modestamente, como Deus dava, iam tocando os seus barcos a favor da correnteza.

Sobrou para assistir o filho mais velho, transviado pelos caminhos do mundo. Este se tornou verdadeiro problema. Desesperava Firmino e a cada nova investida das forças do mal, à vista de mais um crime cometido, lá ia azucrinar a paciência ao Ariovaldo.

Durante vinte e cinco anos, o acompanhamento fora diuturno, até que, com a chegada de D. Silvana, resolveram os amigos do antigo benzedor pôr fim ao descalabro das responsabilizações. Atraíram o casal sofredor, mais os três filhos, para sua instituição, trouxeram também o pobre Ariovaldo, o original, que por esse tempo todo precisara crescer em conhecimentos para desfazer as sérias confusões orgânicas que promovera, ao mesmo tempo que assistiu de perto à sua própria gente, e executaram meticuloso plano de evidência de caracteres em relação ao próprio desempenho na carne.

Diante de imenso painel branco, foram todos comodamente instalados e ali foi projetada significativa película em que se narravam imaginárias situações no campo da matéria.

Iniciava-se o enredo do ponto em que Firmino se acidentava. Em lugar de sofrer a fatídica fratura, a personagem tinha, simplesmente, esmagado a perna, de modo que impedido se via de trabalhar, embora não se visse obrigado a abandonar as responsabilidades da assistência direta à família. Começam aí as peripécias em função das ações e reações, a partir das atitudes de cada personagem.

Crendo-se patriarca investido da atribuição de prover a família do necessário, Firmino começa longa vida de desvario, pois não mais conseguia extrair do mar o sustento da família. Premido pelas necessidades, vai aceitando as ofertas dos companheiros, à medida que se propõe a participar de pequenos trabalhos de conserto de redes, de fabricação de jangadas, de feitura de pano para as velas e assim por diante. Mas a família precisava de mais, de modo que recorre à ajuda do mais velho. Este, ao se ver arrimo de tantos, abandona o lugar e desaparece em direção à cidade grande. Os três seguintes, forçados a cometer o mar muito cedo, deixam lá as vidas. D. Silvana, sem condições de enfrentar tanta desgraça, endoidece e permanece vinte e cinco anos nesse estado até que vem a falecer. Só os dois mais novos se ajeitam, tendo em vista a possibilidade de ganho suficiente do pai para a família reduzida.

Desse modo, demonstraram os orientadores que a participação de benzedor nos acontecimentos trágicos da vida do Firmino fora a de mera figura decorativa na cena. As atribulações adviriam de qualquer modo, como se viu.

Firmino, em seu rude modo de pensar, aceitou a encenação como a mais pura expressão da verdade e dirigiu-se, na companhia dos filhos, até o local em que se encontrava Ariovaldo e lhe pediu as mais pungentes desculpas. Fora injusto e aprendera com ele a lição da paciência, da comiseração, da nunca desmentida solidariedade. Pedisse o que quisesse que estava disposto a servi-lo.

O antigo curador muito admirado ficou com tudo aquilo, pois não suspeitara da manobra dos parceiros para o efeito da ilusão. Auxiliado por um deles, vislumbrou a realidade dos fatos e, em nome de todos, agradeceu o oferecimento, dizendo que o que mais urgente tinham para fazer era acompanhar as peripécias do filho mais velho. Ficasse o pai tranqüilo que a ajuda iria prosseguir da mesma forma.



Assim se conta a sofisticada história do auxílio que se iniciou em ignorada praia abandonada da civilização e que terminou em determinado catre de desumana prisão na cidade grande, onde desencarnou a última figura em débito desta narrativa.

Mais tarde, se tivermos oportunidade, iremos referir-nos às causas que ensejaram tantos desacertos e estripulias conceituais de valor. Por enquanto, contente-se o leitor em saber que todos se aprestam para volver à carne, com o objetivo de adquirirem maior progresso. Espera-se que Ariovaldo instale na aldeia pequena farmácia, onde fará funcionar posto de atendimento médico ocasional, sempre que por lá se aventurar certo médico da região. Mas são só planos, de modo que os espíritos estão atentos para a produção de outros clones e de outras películas para configuração de realidades possíveis. É sempre bom prevenir, para não ter de remediar...

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