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Contos-->A Morte da Esperança -- 16/05/2002 - 10:40 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Morte da Esperança
(por Domingos Oliveira Medeiros)

Saíra de casa lá pelas cinco da manhã. Com um cafezinho. Para reanimar. Tinha deixado de fumar. Ou melhor. Não queria ter deixado. Mas não tinha mais dinheiro. E a vergonha de pedir um cigarro, um cigarrinho, ou correr atrás de uma guimba, um toco de cigarro ainda aceso, jogado no chão, naquele instante, atingiu-lhe de raspão o pouco que ainda lhe restava de dignidade. E ele parou de fumar. Foi, na verdade, obrigado pelas circunstâncias.

No bolso, duas ou três moedas das maiores. E um pouco mais das menores. E algumas notas velhas e amassadas. Era o seu investimento que lhe rendia preocupação, com juros e correção monetária. Vez por outra, apalpava seu bolso para verificar se o dinheiro ainda estava por lá.

Chegou a pensar em comprar um pão. Um pãozinho. Mas iria ficar sem o pão de cada dia. E deixou prá lá. Lembrou-se, a tempo, que pão era carboidrato. Não fazia bem a saúde. Embora ele não tivesse tanta saúde, mas era bom se cuidar. E deixou o pão esfriar no seu desejo e na padaria. Que nem chegou a entrar.

Entrou no ônibus que estava parado no ponto final, esperando a partida para iniciar sua primeira viagem. Mas saiu logo. Tão logo levantou suas vistas na direção da placa pendurada logo acima do assento do cobrador. A passagem tinha aumentado. E ele estava mal informado. Sem dinheiro pro jornal, es em escutar o seu rádio. . Sua luz estava cortada, e o rádio de pilha, sem a pilha, não funcionava. Faltava dinheiro para ele voltar a falar.

E saiu com pressa na direção da plataforma da estação. Por onde passava o trem mais barato que o ônibus. O ônibus que quase o deixou sem dinheiro. Estava meio tonto. Seria fome, talvez. Ou falta de exercício. Sua ociosidade lhe fora imposta. Era amargurado. Não sentia vontade de correr, de nadar, de pular. A última vez que correu foi atrás de um emprego. Mas isso já fazia mais de dois anos. Estava fora de forma. Mas sempre procurava uma fila.. E a fila, hoje, era seu destino. Tudo indicava que sim. Mas ele não desanimava.

Tudo começara com um recorte de jornal. A oferta de emprego era uma proposta digna de sua experiência. Todos os requisitos ele preenchia com folga. O emprego era dele. Só dependia de chegar ao local. De preferência ser o primeiro a ser atendido. Nem que não fosse primeiro. Ninguém teria tanta experiência como ele. Era só uma questão de tempo. O emprego já era dele, e pronto. Seria entrevistado e assinaria o contrato. Começaria amanhã mesmo. Já fazia os planos de como gastar o primeiro salário. Parte, para pagar parte das contas. Parte, para comprar parte da comida. Parte, para pagar parte do transporte, até receber o vale-transporte. E a ultima parte, pagaria a luz. E assim partiu para a viagem de trem.

No percurso começou a pensar em coisas. Coisas de quem tem um emprego. Assim que recebesse o cartão do plano de saúde, que a empresa prometia junto com o salário atraente, iria levar as crianças ao médico. Depois ele e sua mulher fariam uma revisão. Todos estavam precisando de uma série de exames. E os remédios? Não acreditava que precisaria de tanto. A maioria dos casos de doença eles se acostumaram a resolver com chás caseiro. E chá ainda era barato. Iria tomar mais cuidado, agora, com relação a gravidez. Quem sabe poderia comprar camisinhas ou, até mesmo, um anticoncepcional? Filhos, à esta altura, nem pensar!

Olhou para os seus sapatos e não teve dúvidas. Incluiu a compra de um par, tão logo recebesse o pagamento. Um cinto? Não. Compraria uma calça com elástico na cinta. Meias, talvez dois pares. E a escola para os meninos? A escola era de graça, da rede estadual de ensino. Mas havia cadernos, lápis, lápis de cera, cartolinas, tintas, caderno de desenho. Prá que tudo isso? Depois iria negociar com a professora, pensou.

Estava pensando na geladeira e no fogão novo, quando o trem parou na estação que queria. Sentiu-se um pouco nervoso. Afinal, estava fraco, só com um cafezinho. Mas respirou fundo, ajeitou o cabelo, tirou do bolso o recorte de jornal prá conferir o endereço, e foi em frente. Como se tivesse ganho na loteria. Chegou a ensaiar alguns assobios. Mas, diante dos olhares estranhos dos transeuntes, resolveu manter-se em silêncio.

Avistou, de longe, o prédio que procurava. Que dizer, achava que fosse. Intuiu que sim. Só havia aquela construção comercial mais próxima do número indicado no recorte de jornal. A entrada era bonita. Assim que entrou na portaria, dirigiu-se ao setor de informações. E lembrou-se: era prá lá que estavam precisando de empregado com a experiência que ele tinha de sobra. Já provara várias vezes. Tinha boa memória, era bastante comunicativo e simpático. E gostava de lidar com pessoas. Já lhe haviam dito tudo isso, inclusive, que tinha “carisma”. Coisa que ele sabia que era boa coisa, mas que não sabia, exatamente, que coisa era.

E assim chegou ao seu local de trabalho. Onde iria passar algum tempo, com muita dedicação e, quem sabe, subir na empresa? Melhorar de posição e de salário. Já fazia planos para continuar os estudos. Com um largo sorriso, deu um bom dia sonoro e simpático para a recepcionista. E mostrou o recorte do jornal, manifestando seu interesse em trabalhar na empresa.

A moça pegou o recorte, colocou seus óculos – de ler de perto - , e examinou o anúncio com bastante atenção. Enquanto isso, o homem vagueava, com seu olhar curioso, por todo o seu ambiente de trabalho. Já estava se familiarizando com o ambiente, quando a moça chamou-lhe a atenção, batendo, de leve, com a mão em seu ombro.

Moço! Esse emprego já foi preenchido. – Como assim, se eu fui o primeiro a chegar? Não vi ninguém na minha frente. E nem sequer fui entrevistado! Deve estar havendo, com certeza, algum engano!

E a moça, calmamente, respondeu: O lugar que o senhor tanto almejava está sendo ocupado por mim. Pela senhora? Sim. Este recorte de jornal é da semana passada. Lamento, profundamente. Houve um impacto e um silêncio de alguns segundos.

Refeito, voltou para a estação do trem. Sem assobios. Calado. Voltou a esperar pelo trem. Desta vez sem muita pressa. Deixou em algum lugar de sua mente a geladeira, o fogão novo, o par de sapatos e o pãozinho, frio e endurecido, à esta altura. Suspendeu todas as compras. Adiou todos os sonhos. Ficou com a realidade: com fome, sem cigarros e sem dinheiro. E sem emprego. Indignado. Triste. Envergonhado. Diminuído. Sem saber o que dizer em casa. . Preferiu esperar à noite chegar. Essa notícia ele daria no escuro de sua casa. Pelo menos prá isso o corte de luz serviu. Para que ninguém o visse chorar. Domingos Oliveira Medeiros – 15 de maio de 2002.



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