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Artigos-->MINHA MÃE ERA BONITA -- 28/01/2007 - 12:00 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




MINHA MÃE ERA BONITA!







Os mais duros corações se abrem ao ouvir ou evocar a palavra mãe. Ela é sempre o maior e o melhor personagem do filho. Há um segredo até hoje insondável na natureza humna: a mulher, a mãe – como a essência de todas as qualidades: ternura, generosidade, carinho, fraquezas, franquezas, espírito de sacrifício, paciência e uma infinita força para suportar a dor e as contrariedades. “Minhs mãe era bonita!” – com esta oração o menino grande evoca alguns traços seus, quando lhe fazia carinho e incentivava a prosseguir lutando que um dia, tudo havia de ser melhor... Rosto de boa conformação, nariz reto, morena, olhos castanhos, cabelos pretos, longos e bem estirados (na maior parte do tempo usava um “cocó”), estatura baixa igual à maioria das mulheres de sua terra e do seu tempo, magra, feições fechadas como têm as pessoas preocupadas consigo e com o mundo. Nos cabelos de D. Zefa que se estendiam até os ombros estaria parte dos traços de índio, visível no menino, seu menino. Era o sangue de Mãe Vitória, a ascendente primeira da geração de baianos que, nas primeiras décadas do século XIX, fundara Jenipapeiro.

“A mamãe era bonita”! sim”, seja a frase que títula esta crônica de saudade. Bonita e boa. Um coração onde cabia um cabedal de virtudes, no que faz lembrar também a famosa avó Mãe Ana, sobre cuja figura D. Zefinha lhe contara histórias de comover qualquer cristão: – sua caridade para com os peregrinos e retirantes que desciam do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, em época de seca, morrendo de fome. Porque assim, ainda hoje vêm à memória do menino Chico os primeiros versos de uma canção do poeta Junqueira Freire:

«Minha mãe era bonita

era toda a minha dita,

era tudo, tudo meu...»

Talvez, por isto, esta crônica devesse crescer tanto ou mais que um livro.

Zefa para alguns, D. Zefinha para outros, castigava os filhos com leves cocorotes e chineladas que doíam no corpo, menos na alma, pois sabia que era tudo com amor. Ela falava... Só falava. Mas o jeito era apelar para o castigo físico, se não fosse atendida. Mas, quando o pai prometia sova a mamãe calava – um jeito de esconder as malinações e fazer com que o velho adiasse o castigo.

Embora tenha sido um menino calmo, Chicote fez suas traquinagens. Mexia no cachimbo da mãe e brincava de esconder o fumo (sempre escasso, regrado), quebrava trastes caseiros, «viçava» escondido. Maria Velha e Belinha, uma parenta longe e a outra prima, vinhm constantemente dormir com ela. Aperreá-las, eis uma espécie de obrigação que o menino se impunha. Da família dos Abílios, parentes mais distantes, o menino conhecia mais pessoas: eram simples, às vezes simplórias, algumas até sem juízo. A mãe passeava por lá, por suas casas, e as recebia também. Correr pelo terreiro atrás de porcos e galinhas, em cujo serviço sujava a roupa, rasgando-a e arrancando-lhe os botões, eis outra de suas diversões. Ou corria só por correr, com «a camisa aberta ao peito» para tomar vento, brincadeira que aborrecia o pai.

- Abotoa a blusa, Chico. Quem já se viu andar assim desarrumado? – bem sério reclamava. E era obedecer ou pegar mais uma sova.

- Deixe o menino, Miguel. Está fazendo calor – D. Zefinha acudia como toda mãe.

Realmente o verãp estava quente, sem chuva, só fumaça, e se juntanto ao efeito da correira.... Para o velho, o aborrecimento era maior quando levantava de sua soneca da tarde, por causa do reboliço.

As surras do pai doíam muito. Uma vez lhe batera de chibata porque tomou um pedaço de beiju da irmãzinha Teresa. Gostava de ralhar e castigar quando brigava com os outros, nas rua. Na versão do menino: – “eles é que brigam comigo” – o pai jamais acreditou, e era injusto.

D. Zefinha lhe dizia em segredo:

- Se for do seu tope, responda na mesma moeda. Se for maior, me diga que eu levo a queixa ao pai dele.

D. Zefinha, a mãe, era muito sensível e boa por índole e também pela criação estritamente religiosa que recebera. Medrosa, mas não gostava de engolir desaforos, piadas, azucrinações. Sempre respondia, brigava. De palavra. Como toda mulher. Mas algumas vezes tinha que recorrer ao silêncio, num orgulho forçado. Pois não adiantava rebaixar-se também.

Entre essas lembranças, a mais antiga que o filho guardou da mãezinha foi quando ela vinha vindo do rio, com uma enorme cabaça d’água na cabeça, para beber ou cozinhar. Ele ficara em casa, triste, sozinho com as irmãs menores, temia que algo aparecesse para lhes causar algum mal. Sempre ansioso, com o coração na mão, esperava sua chegada.

- Se você «viçar”, o cão aparece – dizia antes de sair.

«Viçar» era comer barro da parede. Ela o pegara uma vez no serviço e dera uma sova. O pai, se chegasse na hora, concordaria. Como os bois e vacas, Chico lambia o barro molhado porque sofria de falta de ferro na alimentação, do que ninguém tinha ciência naquele tempo: comia-se muito pouca carne, nenhum leite, feijão gorgulhento que o menino catava, catava e por fim ia jogando quase tudo fora. Muito crédula, ingênua, algum parente, ou mesmo o padre, lhe havia dito que aquilo era a tentação do demônio. Pecado que precisava ser combatido com reza. E rezar era do que mais gostava. Então, desfiava orações, jaculatórias, terços e rosários na intenção de obter bom caminho para o filho. Além das surras, aprender a rezar! O menino tomava como castigo.

Não tão antiga, mas diferente, foi a angústia e a indecisão de quando já moravam no lugar «Ema», um pouco abaixo da Barra do Guaribas e perto da Sussuapara. Aqui o menino começa a entender (e sofrer) as discussões entre a mãe e o pai. Numa demonstração de poder, uma bela manhã de julho – crê que era esse mês, por causa da brisa que corria – o velho disse que iria levar Chico para ajudá-lo nos trabalhos da vazante. A mamãe cria que aquilo era invenção, o menino não podia fazer nada de importância. Era tão pequeno! Também temia ficar só, num ambiente que não lhe parecia propício.

– Miguel, ele não vai, não tem cabimento A volta é muito tarde e vai passar fome.

«Coitado, ele está tão fraquinho!» - ainda pensara, achando insuficiente o que dissera.

O garoto quis dar conta de sua fraqueza e chorar de dores nas pernas, nas costas, no estômago... Esta dor seria um fingimento verdadeiro, como escreveria o poeta Fernando Pessoa; talvez o desconforto daquela discussão entre os dois tenha provocado. Por outro lado, quis sentir-se forte, orgulho de homem: “Não vou! Fico com a mamãe...”

Enfim, acabou indo com o velho, seguindo a força maior, contrafeito porque a deixava naquele estado de medo, desamparo, derrota, tristeza.

A angústia de sua vida começava ali, talvez a poesia nascente. Via-se entre dois fogos, sendo objeto, sem liberdade de decidir e querendo, naquele caso, decidir a favor da mãezinha, embora consciente das birras dela. O velho era o poder; a doce mãe, o amor, a ternura, o coração, não obstante a ira que jamais era desconsiderada pelo pai.

Menino é assim. Bem que ele gostaria de conhecer vazantes diferentes, de trabalhar e brincar com outros da sua idade (era época do plantio do alho e as crianças ajudavam). Voltar só quando a noite chegasse, embora cansado, e dormir, depois de ter banhado nas cacimbas e poços, pescado... Talvez pescar oustros sonhos. De outra forma gostaria de ver resolvida a pendenga, para não deixar a mamãe naquela aflição, chorando em lamentos pela sorte:

- Por que vim parar nas mãos de quem não conheço, longe de minha terra e de meu povo, meu Deus?

Abraçando-o, beijava seu menino na ida e na volta.

Situação como aquela se repetiria muitas vezes.

A mamãe era muito carente, nada incomum entre pessoas órfãs. Ela fora criada por uma tia, quando a mãe morreu em consequência do parto.

Penalizado, quando D. Zefinha lhe contou sobre a infância, Chico ficara a perguntar-se: “Por que mãe tem que morrer?”

– Mãe, você não vai morrer nunca, não é?

Condoía-se diante das palavras de uma canção que ela cantava de vez em quando, se estava mais triste. O menino, de tanto ouvi-la, decorou-as:

– “Filha que não conhece mãe,/ só vive passando mal.”

Simples, simpática, analfabeta (só muito depois é que aprenderia com o filho a assinar o nome), a mamãe foi assim. Coração de anjo, gostava de dar esmolas, ficar do lado dos infelizes, dos que sofrem, e sofrer com eles. Jamais se alinhou aos prepotentes, orgulhosos ou ricos. “Pedir, só nas últimas, meu filho.” Se alguém lhe oferecesse algo, aceitava, ficando eternamente grata. Operosa, seu trabalho modesto rendia pouco. Obtinha alguns tostões e resolvia pequenos problemas financeiros de casa. No mais, o velho que se incumbisse do seu dever. Jamais capitulou. Era teimosa como o filho se mostraria mais tarde, por isto correta sempre, em tudo. Não mentir nem furtar, não faltar aos compromissos, não levar para casa nada que não fosse seu, mesmo que encontrado nas ruas, estradas e caminhos, eis os ensinamentos que os filhos aprenderam de cor e salteado e, graças a Deus, conservaram.

Agora, o menino Chico sabe porque é teimoso. E persistente. Se isto é algo que se possa herdar dos genitores, teve essa herança. Agora, já sabe porque persegue a verdade como uma paixão, à qual juntou a arte. Herança e educação, sangue, suor e carinho de D. Josefa Maria de Sousa, foi o que lhe deu forças para tanto. Que Deus a tenha.















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