Meu nome é Geraldo!
Fui fazer minha habitual caminhada no final da tarde,
a passos largos e rápidos, sem parar nem nos semáforos,
para não interromper a atividade aeróbica (conselho médico),
e passei por um homem de estatura pequena, franzino, vestindo
bermudas e camiseta surradas, um pouco amareladas pelo tempo,
descalço, com um cigarrinho no canto da boca...
Apesar de meus passos rápidos, chamou-me a atenção,
pois lhe faltava a perna direita, amputada à altura do joelho,
e andava, ou melhor, pulava, com dificuldade, se apoiando
em uma bengala muito menor do que deveria ser.
para se equilibrar melhor.
Continuei minha caminhada,
mas aquilo permaneceu em minha mente.
Como é que alguém, a quem lhe falta uma perna,
poderia andar se apoiando apenas em uma bengala?
Caminhei por mais ou menos duas horas e, nesse dia,
não sei bem por que, resolvi não fazer minha
caminhada no local de sempre,
mais apropriado para exercícios físicos.
Como a cidade encontrava-se ainda um pouco deserta,
por ser período de férias, decidi por caminhar pelo
centro da cidade, seguindo pelas imediações da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,
da qual sou vizinha e, por esse fato, cruzei com o
personagem desta história, pois ele estava saindo
pelo portão do Hospital.
Continuei em minha trajetória e, à medida
que o tempo foi passando, procurei
esquecer-me do fato, concentrando-me
apenas em meus exercícios físicos.
Na volta do percurso feito, procurei
retornar pelo mesmo caminho e, surpresa,
encontrei-me novamente com ele, agora parado
à porta de uma lanchonete, cigarrinho no canto da boca,
parado, como se estivesse pensando...
Talvez em sua situação ou, quem sabe,
teria ido à Santa Casa, que atende milhares
de indigentes diariamente e, não conseguindo
o que almejava, ficou ali a analisar sua situação.
Parei, entrei no bar, pedi uma água,
para restaurar minhas energias,
aproximei-me dele ali, calado, estático,
sem dizer nada e sem nada pedir a ninguém!
-Boa noite, amigo! Como é seu nome?
- Meu nome é Geraldo.
-Aceita um cafezinho, Geraldo?
-“Nossa Sinhora”... parece que a “sinhora”
“adivinhô qui eu to doidim, doidim...
prá tomá um café”!
Chamei-o para entrar no bar, pedi um café.
-Puro ou com leite?
-“Pretim, sinhora.!”
-Você quer comer algo?
-“Num sinhora, brigado. Num tô cum fome não...”
E ficou ali, apreciando gole por gole, bem devagar,
como se fosse a primeira (ou última) refeição de sua vida!
Seu semblante era alegre, de pessoa do Bem.
Faltava-lhe alguns dentes e deveria ter mais ou menos 30 anos.
Tomou todo o café que lhe ofereci, como se estivesse sorvendo
uma taça de Champanhe da melhor qualidade,
Agradeceu-me, com um sorriso e já ia embora.
quando eu lhe disse:
-Geraldo, vejo que você está andando
com muita dificuldade, pulando,
somente com uma bengala, um pouco pequena
para a sua estatura...
- “É sim, sinhora... pirdi a perna num acidente,
fui atropelado há trêis mêis atráis e, agora
eu tinha ido na Santa Casa pra pegá umas muleta,
qui eles “dá” prá gente quando nóis é operado,
mais já vim aqui umas treis veis e eles tão
sem as muleta pra dá, purquê muita gente qui pega,
num devorve” depois e aí nóis qui pricisa fica sem”!
Ele disse-me isso, mas sem revolta, sem pieguice.
Apenas relatava os fatos reais...
E, já estava indo embora, quando me lembrei:
- Meu Deus! Eu tenho as muletas em casa,
as quais foram emprestadas pelo Hospital, quando
meu marido caiu,fraturando o fêmur,
há dois anos atrás e elas continuavam em
um canto da casa, lá no quartinho da bagunça...
Eu também não as havia devolvido!
Esquecimento? Falta de priorizar algo
tão importante para tanta gente?
Ou, então, prefiro pensar que elas ficaram ali,
esperando por ele!
-Geraldo, tenho um par de muletas em casa,
que deveria ter devolvido ao Hospital,
mas sou uma das pessoas que não fizeram isso.
Quer que eu as traga para você?
Sua fisionomia era de quem não acreditava
no que estava ouvindo...
-“Mais” Deus do Céu!... quero sim, “sinhora”!
Foi Deus quem “pôis” a “sinhora” no meu caminho!
- Então, espere por mim aqui, que vou em casa buscá-las.
- A “sinhora qué qui vô ino atráis”,
pra “num ficá” longe “dimais prá trazê” pra mim?
-Não é preciso... moro aqui, nesta rua mesmo,
na terceira quadra. Vou e volto em um minuto!
E lá fui eu, correndo ainda mais do que em minha caminhada,
Entrei em casa, ansiosa, peguei o par de muletas, limpei-as,
pois já estavam bem empoeiradas, pelos dois anos
de abandono e desuso, em canto do quartinho.
Que vergonha eu senti!!!
Voltei quase correndo, com as muletas nas mãos,
e vi que o Geraldo havia acompanhado meus passos,
mesmo rápidos, e ele, pulando em uma perna só,
E estava me esperando na esquina.
-Me “discurpe, sinhora, mais eu resorvi vim atráis,
pra sinhora não pricisá andá muito!”
Paramos na esquina, ajustamos s muletas para sua estatura,
pois estavam muito altas para ele e, então,
ele olhou-me nos olhos e perguntou:
-“Cumo a sinhora se chama”?
- Emilia, respondi.
-Dona “Imilia, posso pegá na sua mão prá agradecê”?
- Claro que sim, Geraldo!
E, estendendo a mão, já com as muletas embaixo
dos braços, segurou a minha com firmeza, fitou-me
os olhos, com um ar de alegria no olhar e disse-me:
-“Brigado, dona Imilia! É cumo eu falei...”
Deus “pôis a sinhora hoje no meu caminho, pra me ajudá”!
“Qui Ele proteja sempre a sinhora, qui nunca deixa faltá nada”!
E depois, seguiu seu caminho, não mais pulando, mas andando!
Andando a passos largos, como se também estivesse fazendo
uma caminhada programada para sua saúde!
O que senti em meu coração, em meu íntimo,
até agora não defini muito bem.
Foi um misto de satisfação, de gratidão por ele
ter surgido em meu caminho, justamente depois
de alguns aborrecimentos havidos, que, nessa hora,
percebi o quanto aqueles ocorridos,
dias antes, não tinham a menor importância!
Talvez por excesso de orgulho, baixa estima,
falta de humildade em reconhecer o quanto
somos egoístas, dando uma dimensão
muito maior a fatos corriqueiros
em nossas vidas, providas de tudo,
quando um Geraldo não tinha nem
um par de muletas para que pudesse andar,
e não pular! E... quantos “Geraldos” existem!...
Mas... sabem o que mais me emocionou?
Não foi o fato de ter feito um ato de Caridade,
de poder ajudar alguém que necessitava,
naquele momento, justamente de algo que eu possuía,
que nem me pertencia e estava inativo em casa.
De como, quando uma força maior determina,
as coisas acontecem e se encaixam,
perfeitamente, como o côncavo e o convexo!
Pelo contrário. Eu é quem fiquei grata a Deus,
por haver colocado essa pessoa em meu caminho!
Mas... o que mais me impressionou mesmo,
foi o semblante sempre alegre do Geraldo!
Seu sorriso, faltando dentes, pulando como um Saci
e, saindo dali, com as muletas ajustadas embaixo
dos braços, ainda segurando a bengala curta
em uma das mãos que, provavelmente,
passaria para alguém que estivesse necessitando!
E... o sorriso estampado em seu rosto,
era de alguém que havia recebido uma Ferrari conversível,
acelerado e saído voando a 200 km por hora!
Porém, naquele momento, a única coisa de que ele
necessitava... era um par de muletas!
Era a sua Ferrari conversível!!!
Milla Pereira
Meu nome é Geraldo!
Fui fazer minha habitual caminhada no final da tarde,
a passos largos e rápidos, sem parar nem nos semáforos,
para não interromper a atividade aeróbica (conselho médico),
e passei por um homem de estatura pequena, franzino, vestindo
bermudas e camiseta surradas, um pouco amareladas pelo tempo,
descalço, com um cigarrinho no canto da boca...
Apesar de meus passos rápidos, chamou-me a atenção,
pois lhe faltava a perna direita, amputada à altura do joelho,
e andava, ou melhor, pulava, com dificuldade, se apoiando
em uma bengala muito menor do que deveria ser.
para se equilibrar melhor.
Continuei minha caminhada,
mas aquilo permaneceu em minha mente.
Como é que alguém, a quem lhe falta uma perna,
poderia andar se apoiando apenas em uma bengala?
Caminhei por mais ou menos duas horas e, nesse dia,
não sei bem por que, resolvi não fazer minha
caminhada no local de sempre,
mais apropriado para exercícios físicos.
Como a cidade encontrava-se ainda um pouco deserta,
por ser período de férias, decidi por caminhar pelo
centro da cidade, seguindo pelas imediações da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,
da qual sou vizinha e, por esse fato, cruzei com o
personagem desta história, pois ele estava saindo
pelo portão do Hospital.
Continuei em minha trajetória e, à medida
que o tempo foi passando, procurei
esquecer-me do fato, concentrando-me
apenas em meus exercícios físicos.
Na volta do percurso feito, procurei
retornar pelo mesmo caminho e, surpresa,
encontrei-me novamente com ele, agora parado
à porta de uma lanchonete, cigarrinho no canto da boca,
parado, como se estivesse pensando...
Talvez em sua situação ou, quem sabe,
teria ido à Santa Casa, que atende milhares
de indigentes diariamente e, não conseguindo
o que almejava, ficou ali a analisar sua situação.
Parei, entrei no bar, pedi uma água,
para restaurar minhas energias,
aproximei-me dele ali, calado, estático,
sem dizer nada e sem nada pedir a ninguém!
-Boa noite, amigo! Como é seu nome?
- Meu nome é Geraldo.
-Aceita um cafezinho, Geraldo?
-“Nossa Sinhora”... parece que a “sinhora”
“adivinhô qui eu to doidim, doidim...
prá tomá um café”!
Chamei-o para entrar no bar, pedi um café.
-Puro ou com leite?
-“Pretim, sinhora.!”
-Você quer comer algo?
-“Num sinhora, brigado. Num tô cum fome não...”
E ficou ali, apreciando gole por gole, bem devagar,
como se fosse a primeira (ou última) refeição de sua vida!
Seu semblante era alegre, de pessoa do Bem.
Faltava-lhe alguns dentes e deveria ter mais ou menos 30 anos.
Tomou todo o café que lhe ofereci, como se estivesse sorvendo
uma taça de Champanhe da melhor qualidade,
Agradeceu-me, com um sorriso e já ia embora.
quando eu lhe disse:
-Geraldo, vejo que você está andando
com muita dificuldade, pulando,
somente com uma bengala, um pouco pequena
para a sua estatura...
- “É sim, sinhora... pirdi a perna num acidente,
fui atropelado há trêis mêis atráis e, agora
eu tinha ido na Santa Casa pra pegá umas muleta,
qui eles “dá” prá gente quando nóis é operado,
mais já vim aqui umas treis veis e eles tão
sem as muleta pra dá, purquê muita gente qui pega,
num devorve” depois e aí nóis qui pricisa fica sem”!
Ele disse-me isso, mas sem revolta, sem pieguice.
Apenas relatava os fatos reais...
E, já estava indo embora, quando me lembrei:
- Meu Deus! Eu tenho as muletas em casa,
as quais foram emprestadas pelo Hospital, quando
meu marido caiu,fraturando o fêmur,
há dois anos atrás e elas continuavam em
um canto da casa, lá no quartinho da bagunça...
Eu também não as havia devolvido!
Esquecimento? Falta de priorizar algo
tão importante para tanta gente?
Ou, então, prefiro pensar que elas ficaram ali,
esperando por ele!
-Geraldo, tenho um par de muletas em casa,
que deveria ter devolvido ao Hospital,
mas sou uma das pessoas que não fizeram isso.
Quer que eu as traga para você?
Sua fisionomia era de quem não acreditava
no que estava ouvindo...
-“Mais” Deus do Céu!... quero sim, “sinhora”!
Foi Deus quem “pôis” a “sinhora” no meu caminho!
- Então, espere por mim aqui, que vou em casa buscá-las.
- A “sinhora qué qui vô ino atráis”,
pra “num ficá” longe “dimais prá trazê” pra mim?
-Não é preciso... moro aqui, nesta rua mesmo,
na terceira quadra. Vou e volto em um minuto!
E lá fui eu, correndo ainda mais do que em minha caminhada,
Entrei em casa, ansiosa, peguei o par de muletas, limpei-as,
pois já estavam bem empoeiradas, pelos dois anos
de abandono e desuso, em canto do quartinho.
Que vergonha eu senti!!!
Voltei quase correndo, com as muletas nas mãos,
e vi que o Geraldo havia acompanhado meus passos,
mesmo rápidos, e ele, pulando em uma perna só,
E estava me esperando na esquina.
-Me “discurpe, sinhora, mais eu resorvi vim atráis,
pra sinhora não pricisá andá muito!”
Paramos na esquina, ajustamos s muletas para sua estatura,
pois estavam muito altas para ele e, então,
ele olhou-me nos olhos e perguntou:
-“Cumo a sinhora se chama”?
- Emilia, respondi.
-Dona “Imilia, posso pegá na sua mão prá agradecê”?
- Claro que sim, Geraldo!
E, estendendo a mão, já com as muletas embaixo
dos braços, segurou a minha com firmeza, fitou-me
os olhos, com um ar de alegria no olhar e disse-me:
-“Brigado, dona Imilia! É cumo eu falei...”
Deus “pôis a sinhora hoje no meu caminho, pra me ajudá”!
“Qui Ele proteja sempre a sinhora, qui nunca deixa faltá nada”!
E depois, seguiu seu caminho, não mais pulando, mas andando!
Andando a passos largos, como se também estivesse fazendo
uma caminhada programada para sua saúde!
O que senti em meu coração, em meu íntimo,
até agora não defini muito bem.
Foi um misto de satisfação, de gratidão por ele
ter surgido em meu caminho, justamente depois
de alguns aborrecimentos havidos, que, nessa hora,
percebi o quanto aqueles ocorridos,
dias antes, não tinham a menor importância!
Talvez por excesso de orgulho, baixa estima,
falta de humildade em reconhecer o quanto
somos egoístas, dando uma dimensão
muito maior a fatos corriqueiros
em nossas vidas, providas de tudo,
quando um Geraldo não tinha nem
um par de muletas para que pudesse andar,
e não pular! E... quantos “Geraldos” existem!...
Mas... sabem o que mais me emocionou?
Não foi o fato de ter feito um ato de Caridade,
de poder ajudar alguém que necessitava,
naquele momento, justamente de algo que eu possuía,
que nem me pertencia e estava inativo em casa.
De como, quando uma força maior determina,
as coisas acontecem e se encaixam,
perfeitamente, como o côncavo e o convexo!
Pelo contrário. Eu é quem fiquei grata a Deus,
por haver colocado essa pessoa em meu caminho!
Mas... o que mais me impressionou mesmo,
foi o semblante sempre alegre do Geraldo!
Seu sorriso, faltando dentes, pulando como um Saci
e, saindo dali, com as muletas ajustadas embaixo
dos braços, ainda segurando a bengala curta
em uma das mãos que, provavelmente,
passaria para alguém que estivesse necessitando!
E... o sorriso estampado em seu rosto,
era de alguém que havia recebido uma Ferrari conversível,
acelerado e saído voando a 200 km por hora!
Porém, naquele momento, a única coisa de que ele
necessitava... era um par de muletas!
Era a sua Ferrari conversível!!!
Milla Pereira
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