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Artigos-->Leitura de A selva, de Ferreira de Castro -- 14/12/2006 - 06:31 (ALZENIR M. A. RABELO MENDES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O NEO – REALISMO EM A SELVA, DE FERREIRA DE CASTRO

Maria Alzenir Alves Rabelo Mendes

Maria Marlenilza Marinho Farias

Maria José Cunha

(Letras – UFAC)



O romance A selva, de Ferreira de Castro, publicado em Portugal em 1930, é um documento com trato estético sobre a vida dos seringueiros na floresta amazônica, presenciada pelo autor que, na condição de “exilado”, foi “aprisionado” na selva para a extração do látex, durante o período de 1910 a 1914, quando o primeiro grande ciclo da borracha entrava em crise.

O escritor migra para o Brasil em 1910, aos doze anos, mais precisamente para a região Norte, Estado do Pará, e confina-se no seringal Paraíso de onde consegue sair em 1919, tendo vivenciado de perto as agruras da vida de seringueiro no extrativismo gumífero já em decadência. A borracha, uma das grandes fontes de riqueza que o país dispunha na época, era o produto gerador de divisas e propulsor da indústria moderna, nacional e internacional.

Em 1919, tendo enfim conseguido sair do seringal Paraíso, Ferreira de Castro volta a Portugal. Naquele momento, o Brasil vivencia, ainda que forçosamente, as mudanças ocasionadas pelo fim do velho regime escravocata, que tinha em suas finalidades atender às reivindicações econômico-sociais da nova classe que surgia: a classe do operariado fabril e rural. O escritor conheceu de perto as principais reivindicações dos brasileiros e delas participou, dando apoio através de sua atividade como jornalista em Belém do Pará.

Em 1930, da experiência vivida no Brasil, principalmente na Amazônia, escreve: Emigrantes e, posteriormente, A selva, este último é um documentário cativante que, segundo o crítico Massaud Moisés, é considerado o melhor dos romances de aventura que contribui como reafirmação dos laços entre brasileiros e portugueses.

Em Belém, Ferreira de Castro, a mando de um tio, também português e dono de casa de aviamento, seguiu para o seringal Paraíso, às margens do Madeira, junto com uma das muitas levas de nordestinos que também iam para os seringais em busca de sobrevivência. Quatro anos depois, regressa à Belém e traz consigo experiências suficientes para mais tarde transformá-las em matéria para sua literatura de cunho social. Após sair do seringal, trabalha ainda por cinco anos em Belém, colabora em vários jornais, além de exercer atividades não gratificantes, como por exemplo, colar cartazes e fazer serviços braçais em barcos, e no final do dia, dormir no chão de uma barraca. Quando consegue se estabelecer na imprensa, publica artigos abordando a problemática social em torno dos “excluídos”.

Quinze anos depois, já em Portugal, publica A selva, obra de maior relevância na categoria de literatura de denúncia em favor dos oprimidos que, nesta obra, são representados pelos seringueiros subjugados pela selva Amazônica e pela ambição dos seringalistas e donos de casas aviadoras.

Adepto dos postulados do Neo-Realismo - movimento renovador, literário e social do século XX - Ferreira de Castro, assim como seus contemporâneos, busca as melhores lições e experiências do Realismo, reage contra a literatura individualista e subjetiva. Procura então o objetivismo realista e o documentário humano, tendo como ponto de partida o materialismo histórico e dialético.

O Neo-realismo é a revalorização do Realismo que ocorre a partir de 1930, tomando impulso devido à crise econômica e a resistência democrática ao sistema opressor e especulativo que se instaura. Na Literatura Portuguesa, Ferreira de Castro antecipa-se à estética Neo-Realista, sendo, portanto, o precursor de uma tendência que se instala somente em 1940. Mesmo não tendo maturação estética, o romance A selva alcançou grande público, tal como a corrente ideológica em que se fundamentou, o Marxismo.

Nessa corrente, cuja visão dos homens é mais completa e integrada, a identificação do escritor com as forças transformadoras do mundo e com as lutas de classes era inevitável. A injustiça social e a exploração do homem pelo homem, a atenção especial para com as camadas mais humildes de uma sociedade composta de sofredores e oprimidos, mobilizam os escritores a assumirem uma posição diferenciadora em relação à Literatura, concebida, agora, como um instrumento de ação e de reforma das estruturas sociais injustas. Acreditam, os escritores, na função revolucionária e redentora da Arte, e condenam a função dada à Literatura de “Arte-pela-Arte”.

Ao publicar A selva, Ferreira de Castro lança para o mundo a odisséia dos desbravadores anônimos na floresta amazônica, que se entregavam de corpo e alma à extração do látex, visando o alcance, através do trabalho, da libertação de uma existência miserável.

Alberto, o personagem central, é um exilado de Portugal, por contrariar os interesses republicanos que então ascendiam em seu país, ao encontrar-se na floresta, diferencia-se notavelmente dos "brabos", os nordestinos que, atraídos pela borracha, ali se encontravam. Nas brenhas de floresta Amazônica, vive por quatro anos com os nordestinos que lá já se encontravam no trabalho de produção da borracha. Sujeito às imposições do meio físico, social e do sexo, Alberto sofre alterações no seu comportamento e em sua maneira de encarar os fatos, "já não julgava por bem seus assomos de altivez e seu orgulho..." (p. 174).

Ao embarcar no convés do navio "Justo Chermant" de Belém ao seringal Paraíso, ele ainda se conservava tal como veio de Portugal: engravatado, vaidoso e de sentindo superior aos outros. Mas ao contato com a miséria a bordo, onde animais eram conduzidos e abatidos no lugar em que dormiam humanos (p. 69) começa a sofrer mudanças em seu comportamento. A princípio, essa mudança é observada quando ele aceita a comida que lhe fora oferecida e que ele não aceitara. Posteriormente, quando ele se sujeita às ordens dos patrões, fato que ele, logo no início da obra, negava-se a fazer (p. 73).

Alberto perpassa por toda a narrativa como "sui generis" naquele ambiente selvagem em condições desumanas. No entanto, adquire a experiência que lhe proporciona outras concepções sobre a vida, alterando-lhe, até mesmo, os valores morais.

No decorrer do tempo, Alberto chega a praticar o ato que ele repugnara e condenara em seu colega de estrada, ao vê-lo praticar sexo com animal. "Não quis acreditar..." Firmino explicou-lhe que ali não havia mulher e que "seu Alberto irá um dia laçar vaca ou égua..." (p.131).

Passado algum tempo, via-se ele, nas mesmas condições de seus companheiros. Inflamado pelo desejo "palpou as cordas... escolheu... fundiu-se na noite morna e cúmplice." (p. 236).

Depois de quatro anos, embrenhado na selva, Alberto consegue juntar algum dinheiro com a ajuda financeira que sua mãe envia de Portugal, e embarca de volta a Belém, levando consigo as dolorosas lembranças dos fatos vividos por ele e seus companheiros no interior das matas, longe de quaisquer rumores de civilização. Leva a experiência do temor sentido na iminência do confronto desigual com feras como: onças, cobras, queixadas e outras comuns na Amazônia. Ali, vê de perto a mortes dos amigos por febre, ou pela mão vingativa dos selvagens; ainda os casos de assassinatos nas rixas entre seringueiros. Ao sair, leva também a lembrança de um amor irrealizável: a paixão secreta pela única mulher de trato civilizado com quem teve contato no seringal: a esposa do gerente, habitante das margens do Paraíso.

No espaço da selva, que é também o espaço do romance, o cenário é composto pelos rios e igarapés da Amazônia, mapeada pelos seringais e suas “colocações”(lugar onde mora o seringueiro), e traçada pelas “estradas de corte” (trilho por onde o seringueiro colhe o látex).

Nesse espaço, as relações sociais consistem nas formas de isolamento do seringueiro que, após adentrar a floresta, mantém contato, apenas, com o companheiro de “corte” (caso o patrão determine a presença de um parceiro), com o "mateiro” (fiscal que corrige as estradas) e com os "camboieiros" (homens encarregados de conduzirem os animais com os aviamentos). As reuniões entre seringueiros se dão em momentos raros e especiais, na casa de algum deles, geralmente a horas de distância da sua moradia, para, à luz de lampião a querosene, dançarem ao som de instrumentos artesanais e rústicos ou de uma velha sanfona. Sendo este o único lazer do qual podiam usufruir.

A natureza, nesse contexto, apresenta-se como implacável algoz dos homens, suscitando obstáculos, como que "impiedosa, dava aos homens constante exemplo de desumanidade". (p.145). Envolta em um ar de mistério, temor e fascinação, a natureza exerce domínio soberano na vida dos seres que nela penetram, transformando-os em seus prisioneiros. Até mesmo os animais são citados em tais condições. O narrador fala de peixes em igapós como em “cárceres” (p. 138). Mas o grande drama é vivido pelo homem que "tinha a sensação de encontrar num cárcere sem pena fixada, sem dia marcado para a abertura da porta". (p.170)

Em A selva, as relações de trabalho obedecem a uma hierarquia que é reforçada para assegurar a permanência de um sistema de dominação dos seringalistas e donos de casas aviadoras sobre os seringueiros que, colocados em última escala, garantem o produto que propicia o equilíbrio financeiro do país e a riqueza dos patrões: a borracha.

O drama dos seringueiros explorados e aviltados, permeia toda a narrativa, evidenciando-se verossimilhança com os desafios impostos pelas condições sociais e naturais, ou seja, o autor denuncia, através da experiência por ele vivida a realidade do homem subjugado pelos poderosos, e condicionado às forças da natureza, revelando, assim, uma visão Determinista da vida.

Os grupos sociais oprimidos nas suas origens, em A selva permanecem tais como seus antepassados: o nordestino, vítima da fome, e o negro recém-alforriado, não diferem em sua condição de seres submissos. E embora o período da narrativa corresponda a aproximadamente duas décadas após a abolição da escravatura, os seringueiros ainda recebiam castigos físicos no tronco semelhante aos escravos. Tal atitude é exemplificada por meio do capataz do seringal Paraíso:"Alexandrino bateu bateu, esta noite com um peixe-boi nos homens... os homens estavam amarrados e não podiam se defender..." (p. 276).

Percebe-se também, o tratamento diferenciado que é dispensado aos que têm saber escolarizado. Seu Guerreiro, o Guarda-livros, é apresentado como alguém superior "todos os seringueiros à sua passagem... se descobriam respeitosamente". O próprio Alberto, mesmo não sendo brasileiro, e tendo recebido humilhações por causa disto, é beneficiado por ter instrução. Ao ascender para o posto de caixeiro, passa a ganhar mais e a trabalhar menos, enquanto seus companheiros de "corte" permanecem em regime de semi-escravidão no seio da floresta que exerce na obra a função de antagonista.

O caráter denunciativo da obra manifesta-se em vários momentos, começando pelo modo como eram conduzidos, para a Amazônia, os futuros seringueiros, à semelhança das gaiolas que faziam o tráfego negreiro, onde humanos eram "engaiolados" juntamente com os animais para o abate.

Em seguida, os maus tratos verbais "Você é um sem vergonha" (p.113), indicando o pouco respeito dos seringalistas para com aqueles que trabalhavam para o enriquecimento deles.

Em maioria, os homens recrutados para a extração do látex eram nordetinos que se deslocavam de sua terra por causa da seca. E não encontrando emprego nas fábricas de engenho, nas regiões açucareiras, submetiam-se às "torturas da selva".

Acostumados a obedecer as ordens dos “coronéis-do-sertão”, tais homens ajustavam-se logo às novas ordens, nem ao menos questionavam as condições que lhes eram impostas antes mesmo de começarem a trabalhar na produção da borracha. Além de pagarem os utensílios para o trabalho, pagavam a passagem e a comissão do sujeito que os recrutava. E caso alguém tentasse fugir seria punido fisicamente e submetido a humilhações e maus tratos físicos a mando dos seringalistas.

A exploração atroz, praticada contra o seringueiro, era o resultado final de uma cadeia que começava nas grandes exportadoras, que exploravam as casas aviadoras, estas últimas, aos seringalistas, que por sua vez criavam meios de fazer com que os seringueiros sanassem a dívida contraída por eles junto a seus fornecedores, ainda deixassem margem de lucros. Desse modo, o seringueiro tornava-se prisioneiro do sistema, tal qual os animais “aprisionados” na selva, na visão do narrador.

Embora a literatura não objetive fazer registro histórico, em muitos casos o tem feito. Pela força do tino literário do autor/narrador/personagem, Ferreira de Castro consegue verbalizar o drama sofrido, não somente por ele enquanto sujeito histórico e personagem da obra, também por todos os que fugindo da miséria, deixam-se subjugar por grupos inescrupulosos que, às custas do penar alheio, usufruem de poderio econômico, prestígio social e político. Ferreira de Castro consegue transpor para sua obra o drama daqueles que, sem voz que se pronunciasse em sua defesa, consentem calados com a exploração, sob a força da opressão física e psicológica, às quais de modo quase sobrenatural, a natureza se alia aos exploradores.



5. Referências Bibliografias

CASTRO, José Maria Ferreira de. A Selva. São Paulo Ed. Verbo Ltda. 1972.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 26ª ed. Cultrix. São Paulo 1994.

SOBRINHO, Pedro Vicente Costa. Capital e Trabalho na Amazônia Ocidental. Ed. Cortez. São Paulo 1992.



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