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Textos_Jurídicos-->DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR - arts. 298 a 302 -- 28/07/2008 - 11:23 (Alexandre José de Barros Leal Saraiva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1
DO DESACATO E DA DESOBEDIÊNCIA


1.1. DESACATO A SUPERIOR

Art. 298. Desacatar superior, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, ou procurando deprimir-lhe a autoridade:
Pena – reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Parágrafo único – A pena é agravada se o superior é oficial-general ou comandante da unidade a que pertencer o agente.
Vide: art. 97 do Código Penal da Armada, art. 225 do Código Penal Militar de 1944 e art. 331 do Código Penal Brasileiro.

1.1.1. Conceito.

O desacato a superior é, no CPM de 1969, o tipo inaugural do Título que dispõe sobre os crimes contrários à Administração Militar, consistindo na ofensa lançada contra a dignidade, o decoro ou a autoridade do superior hierárquico.
Trata-se de delito subsidiário, isto é, o agente só responderá por ele quando sua conduta não se subsumir em tipo penal de maior gravidade.
Foi no século XIX, com o Código Francês de 1810, que o desacato, lato sensu, passou a ser considerado crime autônomo, deixando de servir como circunstância qualificadora da injúria.
Na seara do crime militar a conduta é incriminada desde o Código da Armada (1891), sendo certo que, na sistemática atual, o legislador distinguiu o desacato praticado contra superior daquele irrogado em desfavor de outros militares que não possuam tal qualidade em relação ao sujeito ativo (art. 299).
Há de se destacar, por oportuno, que existe uma tênue diferença entre dignidade e decoro. A dignidade é empregada como indicativa das qualidades morais (honestidade, bravura, correção etc.). O decoro, por sua vez, refere-se ao valor social de um indivíduo (vigor físico, capacidade laborativa etc.).
A autoridade conferida ao militar decorre da lei e é, por conseguinte, irrenunciável e indisponível, sendo especialmente tutelada pelo ordenamento jurídico, a começar pela Constituição Federal, que em seu artigo 142 dispõe: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer deles, da lei e da ordem”.

1.1.2. Objetividade jurídica.

Para o fiel cumprimento de suas missões constitucionais as Forças Armadas não podem relegar a segundo plano os princípios basilares da hierarquia e da disciplina.1
Ademais, o militar, na qualidade de agente dos interesses públicos, é um instrumento da soberana vontade de atuação do Estado, o que faz com que a norma jurídica lhe resguarde, além da incolumidade pessoal, o desempenho normal, a dignidade e o prestígio das funções exercidas na Administração2.
O bem jurídico tutelado pela norma em exame, portanto, é a regular atividade administrativa militar3, violada em face de uma conduta deprimente da hierarquia, que se faz representar pela ordenação da autoridade militar em níveis diferenciados, dentro da estrutura das Forças Armadas.

1.1.3. Sujeitos.

Sujeito ativo é, necessariamente, um militar de condição hierárquica inferior àquele contra quem são lançadas as ofensas depressivas da função militar superior.
Sujeito passivo do delito é a Administração Militar, não admitindo a lei que os fundamentos institucionais das Forças Armadas sejam violados por meio de ofensas irrogadas por um militar contra seu superior.
O superior ofendido é sujeito passivo secundário do delito. Entende-se por superior o militar que ocupa posto ou graduação em nível mais elevado ou aquele que, em virtude da função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação4.

1.1.4. Conduta.

O núcleo da ação infere-se do verbo desacatar, que significa ofender, desprestigiar, menoscabar, causar vexame ou humilhação à dignidade, ao decoro ou à autoridade do superior hierárquico.
Ensina Hungria que o desacato é “a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, etc. Uma expressão grosseira, ainda que não contumeliosa, proferida em altos brados ou de modo a provocar escândalo, bastará para que se identifique o desacato”5.
Não é mister, contudo, que o superior sinta-se ofendido, bastando que insultuosa seja a conduta do subordinado. Por outro lado, não constituirá delito quando os atos praticados não forem potencialmente atentatórios à Administração Militar, nos moldes do exemplo ofertado pelo inspirado e douto professor Magalhães Noronha, verbis6: “Convém, entretanto, ponderar que ele (funcionário) não há de ser um alfenim, com sensibilidade à flor da pele que, à menor contrariedade oposta, se sinta ofendido. Tal é próprio das criaturas que, sem exata noção de suas funções, se empolgam pelo cargo, lembrando o caso daquele agente de polícia que, sofrendo inadvertido pisão de uma pessoa, a prendeu por ter ela pisado ... o pé da lei”7.
Verifica-se o crime não só quando o superior se encontra no exercício de suas funções (in officio), senão também quando não o está mas o desacato é praticado propter officium.
De igual sorte, não é necessário que o delito seja praticado dentro do quartel ou em área sujeita à Administração Castrense, até porque, de acordo com o Estatuto dos Militares, a disciplina e a hierarquia devem ser mantidas em todas as circunstâncias da vida, entre militares da ativa, da reserva ou reformados8.
Indispensável, porém, à caracterização do desacato é a presença do superior por ocasião da ofensa9, circunstância que é pressuposto do fato e condição necessária ao aperfeiçoamento do crime10. Contudo, não é imprescindível que o insulto seja realizado facie ad faciem.
Portanto, não há desacato na ofensa realizada pela imprensa11, por petição12, por meio de documento13, por via telefônica14, por parte ou ofício etc.
Igualmente não existirá crime nas críticas generalizadas contra a Instituição Militar, pois para a consumação do delito é mister que a ofensa seja dirigida ao superior hierárquico.
A publicidade do ultraje não constitui o tipo penal, que se integraliza mesmo quando a ofensa seja irrogada sem a presença de outras pessoas, além do superior atacado em sua dignidade, decoro ou autoridade.
Por último, em que pese a autoridade daqueles que entendem que o desacato é crime essencialmente comissivo, colocamo-nos dentre os que defendem a possibilidade de conformação do delito por meio de omissão, cerrando fileiras com Ramagém Badaró, verbis: “o desacato pode realizar-se até por inação do militar agente do fato, desde que esta conduta tenha por escopo atingir a dignidade do superior hierárquico ou de deprimir a autoridade militar”15.

1.1.5. Consumação e tentativa.

Consuma-se o delito no momento e local onde foram proferidas as palavras ultrajantes ou praticados os atos ofensivos, pouco importando, como visto, que o superior sinta-se ofendido, pois o que está recebendo a especial tutela da lei penal é o prestígio do cargo militar.
A tentativa é possível16, salvo quando se tratar de crime unissubsistente, como se dá, por exemplo, com o desacato mediante ofensa verbal ao superior. Porém, se a conduta for cindível ou reparável, admite-se o conatus (tentativa de jogar dejetos no superior ou tentativa de agressão etc.).

1.1.6. Elemento subjetivo.

O elemento subjetivo do desacato é a intenção ultrajante, isto é, o propósito de ofender a dignidade e o decoro ou depreciar a autoridade do superior hierárquico.
Em assim sendo, “se o agente, ao proferir uma palavra malsoante, apenas dá mostra de vivacidade de temperamento ou simples falta de educação, não se pode reconhecer o dolo específico do crime”17.
Por outro lado, é mister que o agente saiba que está se dirigindo a um superior, condição elementar do tipo. A ignorância ou o erro sobre essa circunstância exclui, na sistemática do Código Penal Militar (art. 36), a culpabilidade18.
Questão que merece abordagem em face das divergências doutrinárias e jurisprudenciais que a envolvem diz respeito ao estado de ânimo do agente. A nosso ver o fato da desonra ser praticada durante uma discussão, ou no instante em que o agente encontrava-se colerizado ou nervoso não é suficiente para descaracterizar o ilícito, até mesmo porque “nenhum indivíduo normal dirige ofensa a outrem sem que de alguma forma se encontre contrariado em seus interesses”19. Necessário, contudo, é que fiquem demonstradas a consciência e a vontade de desacatar.
Igualmente controvertida é a questão da embriaguez do agente. Entendemos, apoiados por Damásio20, que não é qualquer estado de ebriez que exclui o dolo específico do desacato. Isto só ocorrerá quando a intoxicação alcoólica for de tal monta que afaste a capacidade intelecto-volitiva do agente.

1.1.7. Desacato agravado.

Determina o parágrafo único que a pena será agravada quando o desacato for praticado contra oficial general ou comandante da unidade a que pertencer o agente.
Equipara-se ao comandante as demais autoridades militares com função de direção21.
Entendeu o legislador em casos tais, e com acerto, que a violação à ordem administrativa castrense é de maior intensidade tendo em vista que os oficiais generais e os comandantes de unidade exercem o munus de comando e de gestão em níveis de destacado relevo.

1.1. 8. Concurso de crimes.

Quando o ultraje integrante do desacato constituir, por si só, tipo penal mais grave aplica-se a regra do concurso de delitos. Assim, por exemplo, praticado o desacato mediante violência da qual resulta lesão leve, o agente responderá somente pelo crime contra a Administração Militar que absorverá o delito contra a integridade física22. No entanto, se da violência advém lesão corporal grave, o sujeito ativo será responsabilizado pelos dois crimes em concurso (art. 79).
Outro aspecto que merece realce pertine às situações em que na mesma conduta do subalterno vários militares superiores são ofendidos. Nestes casos, mesmo sendo vários os militares ultrajados o crime é único, pois, na verdade, trata-se de infração contra a Administração e não em desfavor da honra pessoal dos superiores. Porém, existirá delito continuado quando o agente, em condutas sucessivas, desacata vários superiores23.

1.1.9. Jurisprudência.

Desacato a superior e embriaguez voluntária – TJMMG: “A embriaguez voluntária não elide o crime de desacato. Somente a fortuita ou oriunda de força maior isenta de pena. A ação dolosa e ultrajante, praticada por militar contra superior hierárquico, ofendendo-lhe o decoro e a dignidade é punida, a título de desacato a superior” (apelação nº 2.053).
Desacato a superior e injúria – STM: “A injúria praticada com a finalidade de deprimir ou rebaixar a autoridade do ofendido, tipifica o delito de desacato” (AC nº 0445220).
Desacato a superior e resistência – TJMMG: “A oposição a execução de ato legal mediante ameaça ou violência e a ofensa à dignidade do superior configuram os crimes de resistência e desacato, não os descaracterizando a alegação de lapso eventual de consciência” (apelação nº 2.027).
Desacato a superior. Estado de embriaguez – TJMMG: “Frase sem prova circunstancial de carga ofensiva, dita por militar em estado de embriaguez, logo após ser acordado ‘com muito esforço’, não entendida no momento como razão para a prisão em flagrante, não configura crime de desacato” (apelação nº 1948).
Desacato e concurso de crimes – TACRIMSP: “No desacato, se o sujeito, com uma só conduta, ofende diversos funcionários, há um só crime, e não concurso formal” (BMJ 92/5).
Desacato e desrespeito a superior – STM: “O desrespeito a superior é um delito subsidiário em relação ao desacato. Palavras desrespeitosas, respostas desatenciosas quando proferidas com o visível propósito de ofender à dignidade ou o decoro ou deprimir a autoridade hierárquica, deixa de constituir o crime de desrespeito a superior, em razão da regra de subsidiariedade, para configurar o delito de desacato” (AC nº0446672).
Desacato. Meios executórios – TAMG: “ A ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos etc.” (RT 409/427).
Desacato. Riso – STF: “ O riso pode encerrar escárnio, zombaria, mofa, capazes de desprestigiar, menosprezar ou humilhar a autoridade” (RHC – Rel. Cordeiro Guerra – DJU 17.9.1976, p. 8.051).
Ofensa à Administração Militar – STM: “Para fiel cumprimento de suas missões constitucionais não podem as Forças Armadas relegar a segundo plano os princípios basilares da hierarquia e da disciplina. Qualquer ato lesivo que abale esses princípios afeta diretamente a Administração Militar. Ofensas verbais irrogadas por subordinado objetivando deprimir a autoridade do superior, afetando-lhe a dignidade e o decoro, viola o princípio legal estatuído no art. 298 do CPM” (AC nº 0438645).
Pedido de desculpas. Delito caracterizado – TACRIMSP: “No desacato, o objeto jurídico em primeiro lugar tutelado pela lei é a pública administração. Assim, o primeiro sujeito passivo da infração é o Estado e tão-só, secundariamente, o seu servidor. Daí decorre que perfeitamente configurado o desacato, tornam-se penalmente inanes eventuais pedidos de desculpas entre os protagonistas da cena” (RJD 4/83).
Pessoa nervosa – TACRIMSP: “O fato de ser o agente uma pessoa nervosa não descaracteriza o desacato, pois essa condição não dá ao cidadão o direito de ofender impunemente funcionário público no exercício de sua função. A admitir tal comportamento estaria instalada a balbúrdia na conceituação do crime, pois nenhum indivíduo normal dirige ofensa a outrem sem que de alguma forma se encontre contrariado em seus interesses” (RJD 7/91).


1.2. DESCATO A MILITAR

Art. 299. Desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em razão dela:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime.
Vide: art. 226 do Código Penal Militar de 1944 e art. 331 do Código Penal Brasileiro.

1.2.1. Conceito.

Dando continuidade à tutela da Administração Militar, resguardando seu corpo funcional, prevê a lei o delito de desacato, que muito se aproxima do crimes previstos nos artigos 298 e 300 (desacato a superior e desacato a funcionário), tendo como característica própria o fato de que o ultraje seja irrogado contra militar no exercício de sua função ou em razão dela.
Trata-se de delito subsidiário, respondendo o agente pelo tipo em exame, a não ser que a conduta constitua crime mais grave.
Regra geral, as observações aduzidas no item anterior são pertinentes ao presente estudo, enfatizando-se que no delito de desacato a superior a condição de prevalência hierárquica é elementar do tipo, aspecto que o distingue do crime de desacato a militar, ilícito sob enfoque.
De qualquer sorte, como firmado alhures, a autoridade conferida ao militar decorre da lei, em essência irrenunciável e indisponível, sendo certo que qualquer conduta que a viole atinge, em verdade, o interesse social no regular funcionamento da Administração.

1.2.2. Objetividade jurídica.

O bem jurídico protegido pela norma é a normalidade da gestão pública, a tranqüilidade, o bom andamento, a incolumidade, a probidade e o prestígio da Administração Militar.
Decorre a proteção legal da necessidade de “se tutelar o indispensável acatamento à autoridade, um ratione obsequium ao poder público, que é a garantia da ordem pública, do equilíbrio das atividades coexistentes”24.

1.2.3. Sujeitos.

No direito penal comum controversa é a questão concernente ao sujeito ativo do delito de desacato, até porque, no código penal brasileiro a infração está prevista no capítulo “DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL”.
Por consegüinte, dividem-se as opiniões sobre a possibilidade de que o agente do delito seja um funcionário público.
Ora, como pretende José da Silva Loureiro Neto25, importando o dissídio para a seara do delito militar, devemos analisar se o agente pode vir a ser outro militar, um funcionário civil de repartição militar ou haverá de ser necessariamente um civil estranho ao serviço público (extraneus).
Ponto fulcral para a resolução da quaestio reside na identificação da objetividade jurídica do delito, objeto de nosso estudo no item 1.2.2., qual seja a normalidade funcional e o prestígio da Administração Militar, não se compreendendo, portanto, “como possa haver lesão jurídica apenas quando a conduta é praticada por particular”26.
Ramagem Badaró, por sua vez, adverte que o agente do desacato pode ser um militar hierarquicamente superior ao que foi ultrajado27.
Com efeito, “o superior que ofende o inferior, ofende, como qualquer outra pessoa, a administração, não podendo ele sobrepor-se a esta”28.
Indiscutivelmente, não pode ser sujeito ativo do crime o militar subalterno àquele contra quem foram lançadas as ofensas, tendo em vista a figura específica de desacato a superior.
Somos, portanto, da opinião que o sujeito ativo do crime de desacato a militar poderá ser um civil, funcionário público ou não, ou um militar, salvo quando este for hierarquicamente subordinado ao militar ofendido29.
Porém, em nosso entendimento, há possibilidade de que mesmo o militar subalterno seja sujeito ativo do crime em estudo. Trata-se da hipótese em que o agente desconhece a qualidade de superior do ultrajado ou quando a ofensa é praticada em repulsa a agressão, oportunidades em que o superior despe-se, por mandamento expresso da lei, desta qualidade, operando-se a desclassificação do crime de desacato a superior para desacato a militar30.
Sujeito passivo do delito é a Administração Militar. Secundariamente, também como sujeito passivo, aparece o militar ultrajado em sua honra profissional.
Entende-se por militar “qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às Forças Armadas, para nelas servir de posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar”31.

1.2.4. Conduta.

Como anotado linhas atrás, desacatar significa ofender, desprestigiar, menoscabar, causar vexame ou humilhação, desta feita, atingindo a dignidade, a respeitabilidade, o decoro, a decência, a honra e o pudonor do militar no exercício de suas funções ou em razão dela32, podendo consistir em “palavras, gritos, gestos, vias de fato, ameaças, agressão física com lesão corporal ou qualquer outro ato que signifique irreverência, menosprezo ou desprestígio”33.
Também aqui não se faz necessário que o militar sinta-se realmente ofendido com o ultraje recebido, sendo mister, contudo, que a conduta seja praticada em sua presença.
Não constituem o delito a censura ponderada ou a crítica sincera, ainda que veementes34.
De acordo com o texto legal, a conduta pode ser realizada contra o militar no exercício da função de natureza militar ou em razão dela.
No primeiro caso, o militar é ultrajado durante o desempenho de suas atribuições de ofício, pouco importando o local em que se encontre.
Na segunda modalidade, o militar não é ofendido no desenrolar de suas funções, bastando que a motivação do ultraje relacione-se com o seu exercício (propter officium).
Merece destaque a lúcida e preciosa lição de Célio Lobão, verbis: “Entende-se como função de natureza militar a atividade própria do integrante da instituição militarizada, conferida por lei, decreto, regulamento, portaria, instrução, ordem escrita e verbal de autoridade militar competente. Outros serviços dos quais o militar é incumbido não se ajustam ao conceito de função de natureza militar, por exemplo, os de limpeza das dependências do estabelecimento militar, a aquisição de gêneros alimentícios, o preparo de refeições, etc”35.
No mais, pertinentes são as considerações realizadas no item 1.1.4., às quais remetemos o leitor.

1.2.5. Consumação e tentativa.

Delito formal, o desacato a militar consuma-se no momento e no local em que foi praticado o ultraje.
A tentativa, em que pesem as respeitáveis opiniões em contrário, segundo entendemos, é admissível quando a conduta for cindível ou reparável, como por exemplo na hipótese do agente pretender, durante uma formatura ou solenidade, atingir o decoro do militar presente, com faixas portadoras de dizeres ultrajantes relacionados com o exercício da função militar, e é impedido pela segurança.

1.2.6. Elemento subjetivo.

O elemento subjetivo do delito é a intenção consciente de ofender, subestimar, depreciar o militar, sendo o ultraje destinado a desprestigiar a função de natureza militar, isto porque quando a ofensa reveste-se de cunho estritamente pessoal, não haverá, obviamente, crime contra a Administração Militar.
Com efeito, não subsiste o desacato se não estiver presente a intenção de ofender ou desprestigiar a própria Administração Militar36.
Portanto, é necessário que o agente saiba que está se dirigindo a um militar, condição elementar do tipo. A ignorância ou o erro sobre essa circunstância, exclui, na sistemática do Código Penal Militar (art. 36), a culpabilidade.
Novamente, em face das semelhanças entre o desacato a militar e o desacato a superior, remetemos o leitor ao comentário precedente, quando tratamos do estado de ânimo do agente e da ebriez (item nº 1.1.6.).

1.2.7. Concurso de crimes.

Aplicando-se o princípio da consunção, restam absorvidos pelo desacato a militar os demais delitos de menor gravidade objetiva que o integram. Porém se coexistir infração mais gravosa, lesão corporal grave por exemplo, haverá concurso de crimes (art. 79).
Se, na mesma conduta vários militares são ofendidos o crime permanece único, tendo em vista tratar-se de infração contra a Administração Militar. No entanto, haverá delito continuado quando o agente, em condutas sucessivas, desacata diversos militares.

1.2.8. Jurisprudência.

Absorção pelo desacato – STF: “O delito de desacato absorve o de injúria, por ser este elemento constitutivo e conceitual daquele” (RTJ 106/494). TAMG: “Se o agente desacata, desobedece e ameaça funcionário, só responde pelo delito mais grave que é o desacato, ficando os outros absorvidos (RT 536/378). TACRIMSP: “O desacato absorve a lesão corporal leve, praticada em desdobramento às ofensas morais (JUTACRIMSP 71/364).
Agente que, abordado por policiais, abaixa as calças – TACRIMSP: “Caracteriza o delito de desacato a conduta do agente que, após ter sido abordado por policiais, abaixa cinicamente as calças em público, chamando os mesmos para revistá-lo em tom jocoso, demonstrando efetivo intuito de menosprezo, pretendendo constrangê-los e ridicularizá-los frente aos populares que presenciam o ato” (RJDTACRIM 23/139).
Desacato a militar. Caracterização – STM: “Exsurgindo dos autos que os apelantes se houveram com grosseira falta de acatamento ao negarem, até mesmo, a declinar os seus nomes e a fornecer a identificação solicitada pelo oficial de dia, injuriando-o e difamando-o com as expressões – ‘vá logo para o rancho porque você é descartável e deve aproveitar enquanto não é licenciado’; bem como caluniando-o, proferindo gritos agudos; desprestigiando-o, dando-lhe peitadas e chamando-o para brigar, mantêm-se o decreto judicial que subsumiu suas condutas na norma abstrata do artigo 299 do CPM” (AC nº 0448284).
Desacato a militar. Não caracterizado. Ausência de dolo específico – STM: “Não tipificam o delito de desacato expressões que não chegam a ofender a dignidade ou o decoro ou deprimir a autoridade a quem são dirigidas” (AC nº 0445102). “Não se configura o crime capitulado no artigo 299 do CPM, quando o elemento subjetivo da ação delitiva, o dolo, não se faz presente. A mera disputa pela posse de um balão não autoriza um decreto condenatório” (AC nº 0459332). “Inocorrência. Dolo não configurado na espécie, haja vista a falta de propósito deliberado de afrontar o militar dentro de suas funções ou em razão delas” (AC nº 0462368).
Desacato e injúria – TACRIMSP: “O desacato só se tipifica na presença da vítima; a injúria pode ser feita na ausência desta. No desacato o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o funcionário; na injúria a tutela se estende à honra pessoal, subjetiva do funcionário” (RT 640/320).
Gestos injuriosos. Desacato caracterizado – TJDF: “Desacato caracterizado na atitude do presidiário, na via pública, ao dirigir gestos obscenos aos componentes de viatura policial. Gestos definidos pelo parceiro como consistentes em atirar beijinhos” (APR nº 9397).



1.3. DESACATO A ASSEMELHADO OU FUNCIONÁRIO

Art. 300. Desacatar assemelhado ou funcionário civil no exercício de função de natureza militar ou em razão dela, em local sujeito à administração militar:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime.
Vide: art. 226 do Código Penal Militar de 1944 e art. 331 do Código Penal Brasileiro.

1.3.1. Conceito.

Novamente a lei penal castrense elege como criminosa a conduta ultrajante aos agentes públicos encarregados da gestão administrativa militar. Neste artigo 330, o desacato recai sobre funcionário civil ou assemelhado, desde que a ofensa ocorra em lugar sujeito à Administração Militar.
Entende-se por local sujeito à Administração Militar a área física, imóvel ou não37, que integra o patrimônio das Instituições Militares ou que, mesmo momentaneamente38, esteja legalmente submetida à gestão das Forças Armadas.
Diga-se, contudo, que o interior dos Próprios Nacionais Residenciais (PNR) ocupados não é considerado, para efeito de aplicação da lei penal militar, como local sujeito à Administração Militar39.
De mais a mais, lembramos o leitor para a pertinência, in genere, das observações já realizadas nas abordagens precedentes.

1.3.2. Objetividade jurídica.

A norma, como as demais até agora analisadas, tem como objetividade jurídica a normalidade da gestão pública, a tranqüilidade, o bom andamento, a incolumidade e o prestígio da Administração castrense.

1.3.3. Sujeitos.

Sujeito ativo é o particular ou o militar que ultraja o funcionário civil no exercício de suas funções ou em razão dela, exigindo a norma que a função seja de natureza militar.
Discute-se a possibilidade do agente poder ser outro funcionário civil, questão que, particularidades à parte, já foi posta e analisada no item 1.2.3. deste capítulo, sendo certo que o dissídio que se apresenta no direito penal comum justifica-se pela classificação do delito de desacato dentre aqueles praticados por particular contra a Administração Pública.
Em sede de crime militar, há de prosperar o entendimento de que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito.
Sujeito passivo da incriminação é a Administração Militar. Secundariamente, também como sujeito passivo, aparece o funcionário civil40. Neste passo, cumpre destacar que, apesar da previsão legal, não mais existe a figura do assemelhado, que, segundo o artigo 21 do CPM seria o “servidor, efetivo ou não, dos Ministérios da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento”.
Ora, em verdade, os servidores civis do Ministério da Defesa (Marinha, Exército e Aeronáutica) submetem-se aos ditames do Regime Jurídico Único e não às leis ou regulamentos militares, não obstante desempenhem seus munus em Organizações das Forças Armadas41.

1.3.4. Conduta.

As linhas doutrinárias básicas sobre a conduta característica do delito de desacato já foram traçadas nas análises anteriores, às quais remetemos o leitor.
Em particular, no entanto, são necessárias algumas considerações.
Inicialmente, de acordo com o texto legal, o crime há de ser praticado em área sujeita à Administração Militar, não obstante relacione-se o ultraje com as funções exercidas pelo funcionário na gestão pública castrense.
Portanto, em decorrência do elemento normativo do tipo, se a ofensa for praticada em local não sujeito à Administração Militar o ilícito em estudo não se aperfeiçoa, subsistindo, no entanto, o crime de desacato previsto no artigo 331 do código penal brasileiro.
Em que pese a clareza da lei, entendemos que seria mais adequado que a norma exigisse tão-somente que a ofensa fosse praticada contra funcionário civil no exercício da função militar ou em razão dela, o que conferiria maior elastério à tutela dos interesses da Administração Militar, sem destoar da especialidade do direito penal castrense.
Ademais, pouco razoável nos parece que para a configuração do delito de desacato contra militar, basta que o mesmo seja ultrajado em razão de suas funções independentemente do local em que se encontre, enquanto que ao funcionário civil não é conferido idêntico tratamento, como se este não fosse igualmente revestido de autoridade administrativa e, também, não representasse a Administração Castrense.

1.3.5. Consumação e tentativa.

O momento consumativo do crime é aquele em que foi praticado o ultraje ao funcionário.
A tentativa, segundo nosso entendimento, é possível quando a conduta for cindível ou reparável.

1.3.7. Elemento subjetivo.

O dolo é a intenção consciente de ofender, agredir, depreciar o funcionário civil, sendo o ultraje destinado a desprestigiar a função pública desempenhada na Administração Militar.
Recomendamos a leitura dos comentários sobre o elemento subjetivo dos crimes de desacato a superior e desacato a militar.

1.3.8. Concurso de crimes.

O desacato absorve, pelo princípio da consunção, os delitos de menor gravidade objetiva que o integram. Porém, se existir, concomitantemente, infração mais grave, haverá concurso de crimes.

1.3.9. Jurisprudência.

Desacato e resistência – TJSP: “ O gesto do acusado de arrebatar, amassar e atirar no solo auto de infração que estava sendo lavrado contra si não configura o delito de resistência, por faltar-lhe a oposição à execução de ato legal mediante violência ou grave ameaça não funcionário que o executava, mas sim, o delito de desacato” (RT 550/303).
Desacato. Duplicidade de sujeitos passivos – TACRIMSP: “O crime de desacato possui dois sujeitos passivos, um principal que é o Estado, e um secundário, que é o funcionário ofendido, sendo possível, portanto, a admissão deste como Assistente de Acusação” (RJDTACRIM 34/112).
Espécies de ofensas no desacato – TACRIMSP: “Há para o desacato toda uma escala, toda uma gama a percorrer, que vai da simples intenção de não tomar conhecimento da presença do funcionário, da ironia brutal, do sarcasmo, até o doesto, a injúria, o achincalhe mais brutal” (RT 380/285).
Meras críticas ao funcionário. Desacato não caracterizado – TACRIMSP: “Opinião crítica sobre a atuação de servidor público, ainda que exaltado quem a manifesta, e sem adjetivação ofensiva não configura desacato” (RT 695/334).



1.4. DESOBEDIÊNCIA

Art. 301. Desobedecer a ordem legal de autoridade militar:
Pena – detenção, até seis meses.
Vide: art. 227 do Código Penal Militar de 1944 e art. 330 do Código Penal Brasileiro.

1.4.1. Conceito.

A desobediência é a recusa consciente e pacífica de acatamento à ordem emanada de autoridade militar. O agente limita-se a não agir de acordo com a determinação recebida, ferindo, destarte, a normalidade da gestão administrativa.
Diferencia-se da resistência e da recusa de obediência (insubordinação), isto porque na primeira (onde há o emprego de ameaça ou violência ao executor da ordem) e na insubordinação, a tutela da lei penal é diversa: a autoridade e a disciplina militares.

1.4.2. Objetividade jurídica.

A objetividade jurídica do delito de desobediência é o prestígio e a dignidade da Administração Militar, cujas ordens emanadas por intermédio de seus agentes devem ser acatadas e cumpridas.
De se destacar que os atos da Administração gozam das presunções de legitimidade e veracidade, além do que são imperativos e auto-executórios42.

1.4.3. SUJEITOS.

Sujeito ativo do crime é aquele que desobedece a ordem, podendo ser um civil ou mesmo um militar. Portanto, um motorista civil que desobedece à determinação emanada de um militar para encostar seu veículo por ocasião de um PCTran.43, comete, em tese, o delito. De igual sorte, o soldado que pacificamente se recusa a entrar em forma para o rancho44, pratica o ilícito em apreço.
É possível a configuração da co-autoria na desobediência45.
Por oportuno, discordamos e, portanto, apresentamos nossa posição acompanhada das escusas de estilo, da opinião do ilustre Ramagem Badaró no sentido de que a desobediência é crime de relação de função, isto é, pressupõe uma subordinação hierárquica funcional entre o sujeito ativo e o passivo46. Ora, como visto, qualquer indivíduo pode ser agente do delito, prescindido-se, por conseqüência, de qualquer vínculo funcional com referência à autoridade expedidora da ordem.
Sujeito passivo da incriminação é, em primeiro lugar, a Administração Militar, titular da normalidade e regularidade da gestão pública e, em especial, do princípio da autoridade47.
Em segundo plano, aparece como ofendido a autoridade militar que expediu a ordem desprestigiada pelo agente. Por autoridade militar deve-se entender os integrantes das Forças Armadas48 no exercício de suas funções próprias. Assim, desde o soldado e a sentinela até o General, todos devem exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhes couberem em decorrência dos cargos que ocupam49.

1.4.4. Conduta.

A ação material é representada pelo verbo desobedecer, que eqüivale a desatender, não acatar, descumprir a ordem dada.
O delito pode ser praticado por ação ou por omissão, a depender do conteúdo da determinação.
Assim, por exemplo, se a ordem impõe uma conduta positiva (apresentação de carteira de identificação militar), o crime se verifica com a abstenção do mandamento.
Ao contrário, se a ordem é no sentido de que o agente deixe de agir (não continuar trafegando com o veículo enquanto o soldado balizador interrompe o trânsito para permitir a passagem da coluna de marcha, p. ex.), caracteriza o ilícito a conduta positiva ao revés da ordem.
Não há crime, porém, quando a ordem desobedecida não for revestida de legalidade, quer do ponto de vista formal (falta de competência funcional da autoridade), quer do ponto de vista material, como se dá, por exemplo, com a situação em que o motorista se recusa a cumprir a exigência da autoridade militar de que lhe peça desculpas por ter violado uma regra de tráfego50.
Não se deve, contudo, confundir ilegalidade do ato de ofício com a possível injustiça da ordem. Estando o ato regular em sua forma e encontrando respaldo em preceito legal, aperfeiçoam-se os requisitos de sua idoneidade, concretizando as presunções características dos atos administrativos. Neste sentido, a observação de Paulo José da Costa Jr. : “Embora legal, poderá a ordem ser injusta. Legalidade e justiça exprimem conceitos independentes e diversos”51.
Por outro lado, o descumprimento deve recair sobre uma ordem, inexistindo infração quando não é acatado um simples pedido da autoridade militar.
É indispensável, para a conformação do crime, que a ordem seja transmitida diretamente ao desobediente, o que pode ser feito de diversas maneiras (sinalização, por escrito, verbalmente etc). No entanto, se a ordem não for claramente repassada ao agente ou se este dela não tiver conhecimento perfeito, o delito não se aperfeiçoará.
Faz-se mister, também, que a ordem seja individualizada52 e dirigida a pessoa que tenha o dever jurídico de obedecê-la53.
Não exige a lei a presença da autoridade militar que expediu a ordem, bastando que reste comprovada a ciência do agente e sua desobediência54.
Acentua Mirabete, com supedâneo na jurisprudência, que a ordem deve ser expressa, real e atual, não podendo ser presumida em nenhum caso55.
Se a recalcitrância à ordem se revestir de violência ou ameaça, o delito é o de resistência (art. 177).

1.4.5. Consumação e tentativa.

Podendo a desobediência consistir em comportamento positivo ou omissivo, consuma-se o delito no instante e no local da ação ou abstenção indevidas. Nesta última hipótese, via de regra, a consumação do crime é naturalmente condicionada ao decurso do prazo estipulado pela autoridade para o cumprimento da ordem. Não havendo prazo marcado, considera-se um lapso temporal que seja juridicamente relevante, capaz de indicar com segurança a ocorrência da infração56.
Quanto ao conatus é possível em se tratando da modalidade comissiva: por circunstâncias alheias à sua vontade o agente não consegue efetivamente desobedecer ao que lhe foi determinado pela autoridade militar.
Em sendo a conduta omissiva (delito omissivo próprio), não se admite, de forma alguma, a tentativa: ou o agente praticou o ato no prazo, nada havendo a punir, ou, escoado aquele, estará consumado o delito57.

1.4.6. Elemento subjetivo.

O elemento subjetivo é o dolo (consciência e vontade) genérico de não atender a ordem legal, sabendo-a emanada da autoridade militar.
Desta forma, não constitui crime de desobediência a conduta de marinheiro estrangeiro, desconhecedor da língua portuguesa, que, por falta de entendimento, desobedece determinação verbal de integrante de patrulha naval58.
O erro plenamente justificado quanto à qualidade do militar que dá a ordem, exclui a culpabilidade (art. 36). Porém, a simples dúvida a respeito, caracteriza o dolo eventual.
De igual sorte necessário é que o agente tenha consciência de sua obrigação em cumprir a ordem dada. Se, eventualmente, por erro escusável, o agente supõe lícito o fato, em face de errada compreensão da lei, a pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave (art. 35).
Questão interessante pertine ao estado de ebriez do agente. A simples perturbação alcoólica que não elimina a capacidade intelecto-volitiva do desobediente, não é apta a afastar a responsabilidade penal59.

1.4.7. Concurso de crimes.

O concurso de crimes é perfeitamente possível, como também a continuidade delitiva.
Porém, inexiste crime se a norma extrapenal, civil ou administrativa, já comina uma sanção para a desobediência sem ressalvar sua cumulação com a imposta pelo artigo em comento. Assim, por exemplo, o motorista que se recusa a retirar seu automóvel do local de estacionamento proibido, conduta que configura infração ao Código de Trânsito, não comete o delito de desobediência60. Já, de modo diverso, a testemunha que regularmente notificada deixa de comparecer a inquirição, além da sanção processual prevista no artigo 219 do Código de Processo Penal comum (multa), responde, também, pela desobediência61.

1.4.8. Jurisprudência.

Desconhecimento da qualidade de quem dá a ordem – TACRIMSP: “Não há falar em desobediência se o agente deixa de atender à ordem de autoridade que se omite quanto à apresentação de suas credenciais. O admissível estado de ignorância da qualidade de quem dá a ordem afasta a intenção inequívoca de desobedecer, tipificadora do delito” (JUTACRIM 24/284).
Desobediência e conduta punida com sanção administrativa ou civil – TACRIMSP: “Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se dita lei ressalvar, expressamente, a cumulativa aplicação do art. 330 do CP” (RT 409/317).
Desobediência e resistência – STM: “No crime tipificado no art. 163 do CPM, o bem jurídico tutelado é a autoridade ou disciplina militar. E, no crime de desobediência, o bem jurídico tutelado é a Administração Militar. No primeiro caso, é a quebra da hierarquia. No segundo, é a não execução de um ato, portanto uma ofensa à Administração Militar” (acórdão nº 0475249). TACRIMSP: “A resistência encerra a desobediência, enquanto esta representa resistência passiva, ou, quando comissiva, desacompanhada de força física ou coação moral” (Juricrim-Franceschini 1/624).
Desobediência. Caracterização – STM: “Pratica crime de desobediência, o comandante de barco pesqueiro estrangeiro que deixa de atender ordem de ‘parar as máquinas’ e dá motivo a perseguição por parte de navio de guerra nacional” (acórdão nº 0444386).
Desobediência. Descaracterização – TACRIMSP: “Não desobedece quem, por se achar preso e algemado, se recusa a ser identificado, não se podendo reconhecer intuito doloso em sua omissão” (RT 441/420). “O elemento subjetivo do delito é a vontade de consciente de não obedecer, não se configurando o crime se o agente não teve a intenção de obstar a ação de funcionário, da autoridade ou de seu representante” (acórdão 301.457).
Desobediência. Dever de subordinação. Inexigibilidade – STM: “O crime praticado, no caso sub examen, foi de desobediência, inserido entre as figuras penais dos crimes contra a administração militar. Não há dúvida de que a sentinela, no desempenho de sua missão, é uma autoridade militar que age, segundo as circunstâncias, no interesse da segurança da Administração Militar. ‘In casu’, sendo o sujeito ativo um civil, não há qualquer dever de subordinação, ainda que momentâneo, à sentinela” (acórdão nº 0438720).
Desobediência. Embriaguez – TJMMG: “Policial Militar, com o vício de ingerir bebida alcoólica e, sob seu efeito, desobedece ordens de seu superior, comete o crime de desobediência, mesmo porque embriaguez deste tipo não é fruto de caso fortuito ou força maior, sendo, ao contrário, na vida militar, ato reprovável, que depõe contra a postura militar” (apelação nº 1.947). TACRIMSP: “A embriaguez que na desobediência pode afastar o genérico dolo da infração é a que elimina a capacidade intelecto-volitiva do agente, revelando-se em atitudes inconseqüentes ou irracionais, e não simples perturbação alcoólica que não chega a infirmar-lhe a consciência de suas atitudes” (RT 413/269).
Desobediência. Falta de entendimento da ordem. Inexistência do delito – STM: “Apurado que a ordem foi verbal, e descumprida por tripulante estrangeiro, desconhecedor da língua portuguesa e sem a qualidade legal de patrão do barco, o fato descrito na denúncia não constitui infração penal” (acórdão nº 0448187). “Recurso do MPM visando a reforma de sentença absolutória. Condutor de automóvel particular ultrapassando comboio militar em desacordo com a sinalização manual feita por oficial-motociclista. Via de trânsito intenso e rápido. Perseguição empreendida pelo motociclista-militar por suspeita de veículo roubado. Comprovado que o motorista civil não percebeu a sinalização manual feita pelo militar, surpreendendo-se quando foi interceptado. Negado provimento ao recurso” (acórdão nº 0467513).
Legalidade da ordem – STJ: “O crime de desobediência reclama que a ordem seja legal. Acrescente-se: legalidade substancial, legalidade formal e autoridade competente. Além disso, inexistirá delito havendo impossibilidade material de cumprimento da ordem” (RSTJ 28/178).
Recusa a assinar depoimento em inquérito ou processo – TACRIMSP: “ Deixar de assinar o interrogatório era um legítimo direito do acusado. Tal recusa não caracteriza o delito de desobediência” (JUTACRIM 75/403).

1.5. INGRESSO CLANDESTINO

Art. 302. Penetrar em fortaleza, quartel, estabelecimento militar, navio, aeronave, hangar ou em outro lugar sujeito à administração militar, por onde seja defeso ou não haja passagem regular, ou iludindo a vigilância da sentinela ou do vigia:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Vide: art. 13 dos Artigos de Guerra, art. 98, § 2º do Código Penal da Armada de 1891 e art. 228 do Código Penal Militar de 1944.

1.5.1. Conceito.

A fim de desempenhar suas missões institucionais, dentre as quais a garantia da integridade territorial e a manutenção da soberania brasileira, as Forças Armadas necessitam de locais apropriados ao desenvolvimento de suas atividades típicas, tais como: realização de acampamentos, exercícios de tiro, adestramento da tropa, atividades de logística e de manutenção, academias de formação, atividades de desenvolvimento de doutrinas e estratégias etc.
Portanto, por destinação legal, recebem da União imóveis nos quais são edificadas as instalações peculiares da atividade militar.
Traço característico dessas áreas é a preocupação com sua inviolabilidade, haja vista que nelas se encontram os equipamentos, os efetivos, os meios e os recursos indispensáveis à utilização da força militar, o que se dá, via de regra, em situações extremadas.
Portanto, a entrada de pessoas em instalações militares deve obedecer a rígidos e eficazes mecanismos de controle por parte da Administração.
Com efeito, quer se atente para os aspectos pertinentes à segurança do Estado, quer se aponte para a crescente audácia de grupos armados que invadem ou ingressam sub-repticiamente em estabelecimentos militares no afã de subtrair armamento bélico e depois empregá-lo no tráfico de drogas ou em ações criminosas violentas, não resta dúvida de que, em quaisquer dos casos, a Administração Militar sofre uma violação extremamente grave, seja porque tais condutas lhe deprimem a eficácia, lhe abalam a autoridade ou porque mitigam a confiança da sociedade nas Instituições.
Por conseguinte, o legislador de 1969 deu continuidade à tutela penal da indevassabilidade das instalações militares, da mesma forma que outrora o fizeram o CPM de 1944, o Código da Armada de 1891 e, também, os Artigos de Guerra do Conde De Lippe.
No mais, trata-se de delito subsidiário, podendo a violação da integridade física da instalação militar constituir delito mais grave, v. g., penetração com o fim de espionagem (art. 146).

1.5.2. Objetividade jurídica.

O bem jurídico protegido é a inviolabilidade e o recato das instalações militares, “em face do interesse de que o acesso aos locais sob a administração militar enumerados no artigo realizem-se pelas passagens permitidas, com a observância das normas que regulem a admissão de militar ou de civil nesses locais”62.
De se ver que o interesse da Administração possui aspecto multifacetário, como lucidamente demonstrado pelo nobre Subprocurador-geral da Justiça Militar, Dr. Nelson Luiz Arruda Senra, verbis: “o ingresso clandestino é um crime que fere a Administração Militar e põe a risco, potencialmente ou efetivamente, a segurança interna das organizações militares, arriscando a própria vida o invasor, o qual fica à mercê da reação das sentinelas militares”63.

1.5.3. Sujeitos.

Agente do delito pode ser tanto o militar quanto o civil. Sujeito passivo é a Administração Militar.

1.5.4. Conduta.

A ação incriminada consiste na penetração ilícita em fortaleza, quartel, estabelecimento militar, navio, aeronave, hangar ou em outro lugar sujeito à Administração Militar.
Penetrar é transpor os limites externos que garantem o recato da instalação militar. De acordo com a lei, considera-se criminosa a penetração quando o agente:
1)ingressa no estabelecimento por onde seja defeso, isto é, proibido. Cite-se como exemplo a entrada de civil em quartel, fora do expediente, pelo portão da garagem, aproveitando-se da saída de uma viatura, quando é obrigatória a passagem no corpo da guarda, para fins de identificação e cadastramento do visitante;
2)entra por local onde não haja passagem regular: o agente atravessa cercas, salta o muro etc.
3)penetra por local permitido, porém depois de iludir sentinela ou vigia: o agente utiliza-se do engodo, do ardil, ludibriando o militar responsável pela guarda da entrada, como, por exemplo, na situação em que faz crer que está devidamente autorizado por superior hierárquico a entrar em determinado recinto da instalação.
Destaque-se que o delito de ingresso clandestino não acontece somente em relação aos limites interno e externo da instalação militar. Perfaz o delito, v. g., a conduta de soldado do Exército que, para satisfazer sua curiosidade, penetra sem autorização em área do quartel restrita aos militares detentores da especialização em guerra química, biológica e nuclear.
Por outro lado, o tipo não prevê como modalidade delituosa a permanência ilegal, o que de certa forma pode levar a situações sui generes, como por exemplo: em uma visitação pública a uma nau de guerra, determinada pessoa entra legalmente na embarcação, vindo posteriormente a se esconder com o fim de permanecer à bordo. Neste caso não há como incriminar o agente pela prática de ingresso clandestino, uma vez que a entrada no navio64 foi lícita.

1.5.5. Consumação e tentativa.

Consuma-se o crime no instante em que o agente penetra no interior do local sob a administração militar, sendo necessário que o seu corpo inteiro ingresse na instalação.
Segundo entendemos, o ingresso clandestino admite a forma tentada, quando, por circunstâncias alheias à vontade do agente, a entrada ilegal não se consuma, como ocorre quando o indivíduo, ao tentar ultrapassar a cerca do aquartelamento, acaba preso nos arames65.
No entanto, forçoso admitir que a orientação predominante é no sentido de que o ingresso clandestino é infração de mera conduta, sendo, destarte, impossível a tentativa66.

1.5.6. Elemento subjetivo.

É a consciência e vontade de ingressar clandestinamente nas instalações militares.
Em que pese o entendimento esposado pelo Egrégio Superior Tribunal Militar de que o delito exige dolo específico67, temos que “satisfaz a conduta típica o ato de penetrar, puro e simples, sem perquirir os motivos determinantes da conduta do agente”68, isto porque “o crime de ingresso clandestino, no seu typus, não contém requisito subjetivo, não exigindo motivação especial no penetrar clandestinamente, e não contendo resultado naturalístico (teológico), que pudesse dar abrigo a qualquer outra subjetividade”69.

1.5.7.Jurisprudência.

Ingresso clandestino. Configuração – STM: “Para a configuração desse crime, instantâneo e formal, exige a lei não somente que o local seja sujeito à Administração Militar, mas também que tal local seja proibido ao trânsito em geral, e que, ainda, não haja passagem regular. Isso significa que tal local tem de estar bem sinalizado, e devidamente cercado e isolado, de modo a não deixar dúvidas a ninguém” (AC nº 0446036).
Ingresso clandestino. Consciência da clandestinidade – STM: “Indispensável à tipificação do delito de ingresso clandestino o dolo específico relativo à clandestinidade da ação intentada.” (AC nº 0448160).
Ingresso clandestino. Dolo específico – STM: “Dolo específico (indispensabilidade para o aperfeiçoamento do delito). Agente não conhecedor da especialização da propriedade, sua destinação ou administração castrense. Área desprovida de identificação ou advertência. Infração descaracterizada” (AC nº 0453865).
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