MATÉRIA - REVISTA EXAME - Por Max Gehringer
Por Admin (em 25/8/2006 às 14:32:36, em Geral, visualizado 87 vezes)
Vi um anúncio de emprego. A vaga era de Gestor de Atendimento Interno, nome
que agora se dá à seção de serviços gerais. E a empresa contratante exigia
que os eventuais interessados possuíssem - sem contar a formação superior
-
liderança, criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática,
fluência em inglês e, não bastasse tudo isso, ainda fossem "hands on".
Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía
mesmo essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro: R$ 800 reais.
Ou seja, um pitico. A abundância de candidatos está permitindo que as
empresas levantem, cada vez mais, a altura da barra que o postulante
terá de saltar para ser admitido. E muitos, de fato, saltam. E se empolgam.
E aí vêm as agruras da superqualificação. Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão bem preparados quanto
ela, Fabiana conseguisse ser admitida como gestora de atendimento interno. E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges, gerente da contabilidade.
- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.
- In a hurry!
- Saúde, Fabiana!
- Não, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho fluência em inglês.
Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em
inglês se aqui só se fala português?
- E eu sei lá! Dá para você tirar logo as cópias?
- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque tenho profundos
conhecimentos de informática.
- Não, não. Cópias normais mesmo.
- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu
já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das cópias que tiramos.
- Fabiana, desse jeito não vai dar!
- E eu não sei?! Preciso urgentemente de uma auxiliar.
- Como assim?
- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero
isso um desperdício do meu potencial energético.
- Olha, neste momento, eu só preciso das três có...
- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...
- Futuro? Que futuro?
- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda
não aconteceu nada.
- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!
- Sei. Mas o senhor é hands on?
- Hã?
- Hands on. Mão na massa.
- Claro que sou!
- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu fui contratada.
Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções.
Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não têm as qualificações requeridas. E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.
Em uma empresa em que trabalhei, caímos numa armadilha. Admitimos
um montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível que um visitante desavisado que chegasse de repente confundiria nossa
salinha do café com o auditório da Fundação Alfred Nobel. Até que um
dia um
grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas fábricas.
E, no meio da estrada, a van da empresa pifou. O jeito era confiar no especialista,
o Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha noções de informática e possuía energia e criatividade.
Sem mencionar que estava fazendo pós-graduação. Só que não sabia nem abrir o capô.
Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o
manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta.
Para horror de todos, ele falava "nóis vai, nós quer" e coisas do gênero.
Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar.
Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida.
Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as empresas modernas torcem o nariz, uma espécie de pitico contemporâneo: aquele que é capaz de resolver,
mas não de impressionar.
Realmente, fiquei penalisada com o nosso presidente:
que qualificações ele apresentará em seu currículo?
Num país, em que se exige o Ensino Médio completo, numa selação para gari, será que o presidente se sairia bem no exame? claro que não!
Se ele nem tem o fundamental. Dizem... Pois, da vida dele,
eu só sei o que leio na imprensa. Mas, como a imprensa é taxada, por ele mesmo, de incompetente e traiçoeira.
Vamos que o homem tenha até o doutorado em Harvard, né? E seja poligrota (sic!)... Cala-te, boca!
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