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Cronicas-->Tem gente -- 13/02/2002 - 09:30 (Renato Rossi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tem gente. Arrisco dizer esta seja uma das frases mais pronunciadas, seguida de perto pelo não menos tradicional "Já vai". A cena é clássica, alguém vem correndo, tenta entrar no banheiro e dá de cara com a porta. Testa o trinco e vê que está trancada por dentro. Embora em geral se chame o local de banheiro, a insistência e a pressa raramente são para tomar banho. O assunto é outro. Na realidade, é mais que uma frase é um verdadeiro apelo ao bom senso. A pessoa diz "tem gente", mas na realidade quer dizer "espera ai que eu cheguei primeiro", ou "me deixe em paz aqui com meus atos e pensamentos". Mais os atos. A frase é uma defesa tímida da privacidade, do direito natural de ali estar, seja qual for o motivo.

Do ponto de vista de quem está fora, necessitado de um alívio, não há "já vai" que sirva de consolo. Quem está lá dentro é um chato que se demora, que acha que o banheiro é para seu uso exclusivo, alguém muito desagradável e, sobretudo, egoísta.

Insensível, é incapaz de entender o que se passa do outro lado da porta. Alguém numa situação destas não pode imaginar o que alguém, do outro lado, pode estar passando. Note-se que a assertiva é reversível e se aplica a ambos os lados.

Do lado de dentro, seja lá o que esteja fazendo, o alguém que trancou a porta, tem momentos de pànico, achando que o recinto será invadido e, portanto, corre o risco de ser pego, como se diz, com as calças na mão. Na maioria das vezes, não se trata de uma figura de linguagem. Ao contrário, realidade, nua e crua. Mais nua.

Naturalmente, mesmo que o alguém que está dentro esteja apenas acomodando a fralda da camisa dentro das calças, recompondo o figurino, por mais legítima que seja a situação, ninguém gosta de ter o espaço invadido. Muito menos por algum tarado que deseja fazer porcaria e que tem tamanha pressa a ponto até de arrebentar a porta. Talvez seja mesmo capaz de forçar a entrada de modo que convém ponderar a hipótese e, antes de qualquer coisa, subir as calças, baixar as saias, correr zíperes, aspergir um Bom Ar. Nunca se sabe o que alguém pode fazer em desespero.

Ainda do lado de dentro, surge então a dúvida: gritar "tem gente" ou ficar em silêncio esperando que o alguém de fora procure outro espaço para resolver seu problema? Completar com um "já vai", dando esperança ao alguém de fora? Contestar logo no primeiro toque ou aguardar e, só após uma certa insistência, revelar-se? Dúvidas. É claro que o alguém de fora sabe que há alguém lá dentro, mas ao menos em princípio, não sabe quem é o alguém de dentro, até que se revele.

Sendo necessário, antes de sair não esqueça do Bom Ar e preserve sua imagem. Me refiro ao providencial spray deixado nos banheiros de bem, capaz de dar um certo conserto ao que se tenha feito. Como em tudo, há vantagens e desvantagens. Se de um lado o Bom Ar conserta ou disfarça os efeitos negativos de sua ação, de outro, serve de prova de que ele foi necessário. Prova que a guerra foi violenta. Quem quer que entre em seguida há de reconhecer que ali se travou uma guerra legítima, que o banheiro é o foro apropriado para a questão, mas mesmo assim, é sempre ruim entrar no cenário logo em seguida, quando os feridos mal tenham saído de cena. Constatar o Bom Ar é sempre desagradável. Na realidade o spray em questão deveria chamar-se Melhor Ar ou Menos Ruim, pois bom mesmo ele não é.

Por último, quando o alguém de dentro se recompõe e resolve sair, tem ainda que suportar o cruzamento. Quando abre a porta, defronta-se com o olhar de quem está querendo entrar. Olhar muito significativo, algo entre o tormento, a revolta, a acusação, mas que também revela um certo alívio íntimo e alguma gratidão.


Escrita em 30.08.2001
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