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Contos-->39. A HORA DA CONVERSÃO -- 12/05/2002 - 06:19 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Anastácio era fiel seguidor do evangelho do Cristo. Persistia em sua crença inabalável, ouvia a palavra do pastor na igreja, orava com fervor, pedindo a graça de ver os filhos fortes e saudáveis, a esposa alegre e disposta, os parentes prósperos, a cidade feliz. Para si, nunca pedia nada, não porque se esquecesse mas porque lhe bastava ver as súplicas atendidas.

A vida seguiu nesse diapasão durante os últimos trinta anos. Já idoso, resolveu adotar uma criança, pois os filhos não lhe davam netos e a lembrança dos oito pimpolhos que lhe alegraram a vida enchia-o de saudades. Com a anuência da esposa e de todos os descendentes, ajudou pobre mãe solteira que não tinha meios para criar o rebento, fruto de seus amores juvenis.

Anastácio era homem prático e clarividente, portanto, sabia que, chegada a hora, deveria partir, deixando o pequenino com a educação incompleta. De qualquer forma, combinou com o juiz que, desde logo, incluiria cláusula no contrato de adoção através da qual delegava à família que concordasse em prosseguir a educação do jovem amplos recursos, para que se desse seqüência à assistência devida.

O que Anastácio não sabia é que sua longevidade e da esposa estava determinada para mantê-los por mais trinta anos, de modo que a previdência não iria concretizar-se.

Passados os primeiros dez anos, o jovem Augusto sentia-se, na presença do velho, como diante de avô. Fazia e desfazia do atarantado e apalermado senhor, que tudo lhe proporcionava do bom e do melhor. A escola era a mais cara. As roupas, as mais modernas. O carro com chofer, o mais luxuoso e assim por diante. Augusto cresceu num paraíso, mas sua contextura moral não lhe propiciava condições de bendizer a família de empréstimo. Sabia-se adotado desde cedo e revoltava-se pelo fato de o pai adotivo não ter dado condições à mãe para criá-lo como deveria, uma vez que tudo lhe era possível no campo da matéria. Ignorava que fora por determinação da progenitora que fora entregue às mãos do venerando senhor. Desejava ela prosseguir em vida de total liberdade, o que não ocorreria na casa do protetor do filho. Às escondidas, de resto, abocanhava o que podia dos velhos, sem ligar a mínima para o filho, que sabia estar sendo bem tratado, melhor que qualquer educação que ela mesma pudesse oferecer.

Augusto cresceu estouvado e tonto. Pouco apaniguado pela natureza quanto à inteligência, não se desenvolveu na escola, encerrando as atividades na mísera terceira série do curso primário. Assistido pelos melhores psicólogos, pôde revelar o quanto necessitava de ajuda no terreno da aprendizagem. No entanto, para os malfeitos era exímio. Não foram poucos os serviçais que desistiram do emprego por influenciação sua, por conservarem-se íntegros e não aceitarem subornos para as aventuras do pequeno. Nessa vida turbulenta, manteve-se até os dezesseis anos, quando desencarnou, vítima de poderosa dose de cocaína.

Os pais do infeliz sucumbiram à dor da perda e se sentiram com a consciência pesada por terem logrado livrar-se dos distúrbios e da vida alucinada que a provecta idade não conseguia acompanhar. Desfizeram-se em lágrimas no enterro, tendo, inclusive, localizado a mãe para, em nome de Deus, rogarem-lhe que os perdoasse, por não terem sido suficientemente enérgicos na formação moral do filho. Esta, já passada em anos e acomodada na vida, não deu a mesma importância que os velhos ao fato e estranhou muito até que se sentissem tão culpados. Intentou tirar-lhes algum dinheiro, o que facilmente conseguiu, e desapareceu de vez de sua vida.

Na igreja, como de hábito, Anastácio, após o enterro, elevou o pensamento aos céus e pediu clemência pelos sentimentos tão desencontrados de que estava possuído. Em casa, conversou longamente com a esposa a respeito de crianças e acharam conveniente, antes que lhes desse a febre de novamente se aventurarem, procurar ajuda especializada para aconselhamento. Naquele meio tempo, tinham-lhes nascido três netos, de modo que a febre estaria muito diminuída, mesmo porque, aos setenta e sete anos de idade, a euforia para com os petizes estava bem atenuada.

A primeira pessoa ouvida foi o próprio pastor, que, sabendo dos problemas causados por Augusto, lhes recomendou que se interessassem pela creche da instituição, dedicando algumas horas por dia à assistência voluntária aos menores.

A idéia foi bem recebida, mas julgaram melhor procurar um advogado para conhecer-lhe a opinião a respeito dos trâmites legais para que, se fosse possível, pudessem adotar alguém com a idade do finado. Este percebeu o intuito de sossegar a consciência, mas, amigo da família, preferiu dissuadi-los da intenção, primeiro, porque seria muito difícil de encontrar alguém com hábitos saudáveis para colocá-lo dentro do lar; segundo, porque o juizado faria sérias restrições em relação à idade.

Entristeceram-se com esta opinião, mas sentiram-se mais reconfortados. Adotariam a tese da visitação à creche, embora corressem o risco de se engraçarem por algum pequeno abandonado.

Na primeira visita à instituição, o médico encarregado da assistência aos pequenos fez com que preenchessem extensa ficha de informações, para conhecer o perfil sócio-psicológico do casal. Ao deparar-se com suas atuais condições morais e psíquicas, opôs obstáculo intransponível para que pudessem exercer de imediato qualquer atividade de assistência. Precisariam, antes, espairecer o espírito, suplantar a dor da perda e curar-se da frustração ocasionada pelo fracasso da adoção. Recomendou-lhes longa viagem de repouso, principalmente a lugares bem tranqüilos, onde pudessem confraternizar-se com pessoas da mesma idade e experiência. Conversassem muito, se divertissem e, principalmente, meditassem a respeito da vida e do que lhes havia ocorrido. Não se precipitassem em novos relacionamentos afetivos, que poderiam vir a ser altamente perniciosos para o restabelecimento de sua melhor condição mental e emocional.

Sem que os velhos soubessem, o médico entrou em contacto com o pastor e ambos resolveram convocar reunião com a família para expor minuciosamente aos filhos o que se passava, de sorte que se pudesse propiciar ao casal de velhos assistência adequada e apoio revigorador. De fato, os filhos acorreram ao chamado dos amigos, todos desde há muito fiéis e assíduos aos cultos da seita. Elucidados os principais pontos de preocupação, admitiram os filhos que a sobrecarga advinda da morte do jovem havia abalado as estruturas espirituais dos pais, de modo que concordavam em dar continuidade ao plano de afastar os velhos dos locais em que tudo fazia com que se lembrassem daquele que tantos transtornos lhes havia causado.

Reunidos em festiva comemoração, por ocasião do aniversário de casamento dos pais, notou-se que os semblantes de ambos demonstravam espessa nuvem de tristeza, no pai bem mais carregada que na mãe. As providências deveriam ser tomadas rápido e, naquela tarde, foram compradas passagens para longa viagem de recreio. O filho mais novo, apesar de diversos compromissos comerciais, prontificou-se a acompanhar os pais até a estância onde passariam os primeiros meses, para avaliar dos recursos e do conforto que lhes poderiam ser oferecidos.

E assim se fez. Chegados a belo hotel, no meio de imensa mata, acordaram os três que era aquele o local ideal para se refazerem dos distúrbios morais por que haviam passado. O filho, tranqüilo por perceber que a clientela era formada por inúmeros casais de mesma idade, voltou para casa, deixando as devidas recomendações ao gerente para que diariamente o mantivesse informado das condições dos pais.

Assim, assistidos pela esplêndida equipe médica do local e vigiados a distância pelo corpo de segurança do hotel, podiam os velhos considerar-se perfeitamente em paz para os efeitos desejados.

Naquele aconchego requintado, em que os gastos não se mediam, puderam desfrutar de pacata e repousante estadia. Ao entardecer, hora do espairecimento, reuniam-se os hóspedes no imenso salão para jogos e demais atividades congregantes. Puderam, assim, travar relações de amizade com diversas pessoas, tendo ficado sabendo dos dramas que cada um trazia consigo. Crentes de que seu sofrimento fosse de grande envergadura, aos poucos foram percebendo que as pessoas ali portavam tragédias bem maiores. Parecia até que aquele era ponto de encontro dos infelizes do mundo. Devagar, foram abrindo-se para os demais e puderam narrar os acontecimentos que os haviam envolvido durante os últimos dezesseis anos.



Pode parecer que a narrativa venha estendendo-se monótona, como é monótona a vida das pessoas idosas. No entanto, a pura verdade é que precisávamos reunir as pessoas em torno do sofrimento, para que cada personagem pudesse avaliar e demonstrar o resultado de suas observações aos demais, em torno dos problemas que a vida proporciona a cada um.

Desligamo-nos agora da contextura dramática e enviamos o caro leitor à idéia que lhe insuflamos na mente ao definirmos o título (A Hora da Conversão). Poderia você, caro amigo, imaginar como se daria a conversão dos velhos, principalmente de Anastácio, ao espiritismo? Seria crível se, por influência de algum novel amigo, fossem até certa casa espírita, onde receberiam mensagem do filho desaparecido, de modo a se configurar a necessidade da nova crença? Teriam espiritistas convictos possibilidade argumentativa capaz de influenciar os velhos intelectos e sentimentos a se sentirem mais confortados dentro da doutrina de Kardec? Poderia imaginar a faculdade de eles mesmos irem arrazoando a respeito da vida, de forma a concluir que a justiça de Deus deveria ser melhor compreendida?



Pois bem, algo muito poderoso fez com que ali se sentissem tão bem que nunca mais desejaram sair de lá. Para diminuírem os gastos, adquiriram modesta vivenda no local, conseguiram o concurso de diversos empregados e passaram o final dos dias em alegre convivência com os hóspedes que entravam e saíam, mas que sempre retornavam para as frutuosas amizades que se estabeleceram. O casal passou a ser uma espécie de anfitrião moral e sua assistência espiritual aos que para lá se dirigiam, na necessidade de refúgio para restabelecimento físico e mental, era de suma importância para o tratamento.

Amigos dos médicos que por lá passaram naqueles anos de suave caminhar na vida, tinham palavras de conforto para todos. Nunca leram O Livro dos Espíritos, nunca foram a sessão alguma de doutrinação e desobsessão, nunca viram ninguém receber ou incorporar mediunicamente os espíritos, nunca atentaram para a verdade da real vida após a morte, mas elevaram o evangelho de Jesus às últimas conseqüências, doando integralmente de si para os outros.

Converteram-se, sim, em cristãos autênticos e, hoje, decorridos vinte anos do trespasse, ainda seus nomes são lembrados no hotel, como o doce casal que sabia erigir no amor as bases da vida. Existem lá duas salas contíguas com as placas dos nomes dos velhinhos, homenagem póstuma comovida que toda a comunidade fez questão de prestar, Anastácio e Amélia, um ao lado do outro, como ainda hoje no etéreo, a facultar aos filhos e netos assistência espiritual contínua. Empenham-se agora em fazer com que Augusto volte à Terra como neto daquela que lhe dera a luz, mas muito terão de fazer para superar-lhe as resistências. Quem sabe consigam, principalmente porque têm a oferecer a sua nunca negada assistência.

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