Usina de Letras
Usina de Letras
152 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62186 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50587)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Cronicas PALMARENSES -- 09/02/2002 - 10:28 (LUIZ ALBERTO MACHADO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cronicas PALMARENSES

Uma das amizades que mais prezo em Palmares, é a do Tininho, ou seja, professor Joventino Melo Filho. Cabra dos bons. Casado com Santa até hoje, verdeira santa que segurou o casamento e as presepadas dele. Ele quando não tinha de quem caçoar, mangava dela:
- Essa Santa é os pés da doida, ainda bem que é abstêmia; se bebesse, vóte, o inferno estaria bem reproduzido na terra.
Nada disso. Ela mesma já foi minha vizinha e aguentou minhas peraltices brabas de menino levado. Ele, sim, que gostava de soltar lorota frouxa de num saber quando falava sério ou de chacota. Era de oito a oitenta mesmo. O pior era que a gente não sabia em qual extremo ele se encontrava, confundindo todo mundo. Mas, largar pinóia mesmo era do Eduardo Priquitinho, outro amigo nosso, esse ele descacava na maior. Tivesse hora de folga, lá ia ele encher o saco do dileto amigo. E quando não havia de quem tirar um sarro, descia a ripa nele mesmo. Era.
Anos atrás, todo sábado de manhã, hora da feira, a gente, eu e Afonso Paulo, nos encontrávamos na casa dele gastando saliva e jogando conversa fora. Inclusive, vale dizer, que foi o Afonso Paulo quem me ensinou a ter bom gosto. Nem eu havia chegado aos dez anos, Afonso acenava: - Vem cá! -, lá ia para a casa dele que ficava uma rua por trás da minha, ouvindo a 9.ª Sinfonia de Beethoven, na mais então recente interpretação do maestro Herbert Von Karajan. Era. Quando não era Schönberg, Stravinski, Villa-Lobos, Debussy, Mozart. Foi ele quem me apresentou o Jazz, o Free-Jazz e o Rock Progressivo. Não só isso, menino recém-chegado na adolescência, ele me entregava para ler James Joyce, Guimarães Rosa, Jorge Luiz Borges e muitos outros, como se eu fosse um adulto feito ele. Ambos amigos de infància do meu pai e, consequentemente, amigos meus desde nascença.
Pois bem, foi Tininho quem me deu o "Informe de Brodie", do Borges, uma tradução do conterràneo escritor Hermilo Borba Filho, para ler. Depois Osman Lins, José Condé, Ariano Suassuna. Isso ainda eu um rapazote que não tirado ainda a catinga do mijo.
Depois, quando ainda estou começando no ginasial, no primeiro dia de aula descubro que ele será meu professor de Matemática. Gente, por incrível que pareça, foi com quem aprendi e desaprendi a matéria. Aprendi a ler Newton, Galileu, Einstein, mas perdi a completa noção dos números. Sempre fui péssimo em Matemática. E ele misturava Literatura com Matemática com uma facilidade de Bertrand Russel, sabia envolver Gabriel Garcia Marquez no meio da aula para explicar determinadas probabilidades que eu sequer supunha houvesse possibilidade de relação.
Havia, ainda, uma outra peculiaridade de Tininho que comprovava o seu abuso pelas extremidades: tanto ouvia o supra-sumo do bom gosto, como curtia a mais rasteira das breguices. Era. Tanto fazia a gente estar ouvindo Maria Callas ou Frederika Von Stade ou Joyce Andres, como ele chegar de repente passar para Mílton Nascimento ou a roer com Agnaldo Timóteo ou zombar ao som do Velho Faceta. Verdade, gente! Certa feita ouvíamos "Carmem", de Bizet e, depois disso, se enfiar na gaiatice do Reginaldo Rossi. Saía com a maior facilidade de uma audição da "Dança das Cabeças", do Gismonti para um disco com as canções mais tocadas no rádio daquele órgão do Lafayete. Lembram? E ainda saía enaltecendo a habilidade do tocador, explicando os arranjos, o desenvolvimento interpretativo da partitura, a habilidade de virtuose e tome ocultidões jamais empregáveis em tais circunstàncias. Isso só parava quando eu e o Afonso insistíamos para ir tomar uma cervejinha num boteco qualquer e conversar miolo de pote. A conversa da gente sempre girava em torno de Literatura ou Filosofia com a mesma altivez que ele mostrava os gostos musicais. Tanto fazia estar falando de Sartre, Kirkegaard, Merleau-Ponty, como de Ascenso Ferreira, João Cabral de Melo Neto, ou Zé da Luz, Patativa de Assaré ou Luiz Gonzaga. Nesse redemoínho tomávamos umas e outras e lá para as tantas recolhíamos nosso corpo meio que embriagado em nossas residências.
Disso tudo, muitas teria para contar dessa nossa amizade, tendo uma que não posso me furtar de contar. Um sábado desse da vida, estávamos eu e Tininho em Recife, acompanhados pelas distintas esposas e inaugurando o fusca que ele havia ganho na rifa do Bispo. Saímos anchos para comprar algumas coisas, mais propriamente discos e livros, enquanto as mulheres queriam roupas, sapatos, aquelas coisas de mulher de se pregar nas vitrines. Não havia concordància entre nós porque quando queríamos entrar numa livraria, as mulheres queriam entrar numa loja de sapatos. Desencontrávamos e tornávamos a nos encontrar das esposas, horas depois de haver batido todo bairro do centro de Recife. Finalmente resolvemos almoçar e os gostos continuaram em conflito. Até que depois do almoço, Tininho achou de aprontar. Chamou Santa e sugeriu um passeio de trem. Só que de Recife para Jaboatão. Pois bem, acertamos que as mulheres iriam no trem e a gente, o mesmo percurso, só que de carro. O encontro seria na estação de Jaboatão. Pois bem, Tininho chegou na estação de Recife e deu dinheiro para Santa fazer o passeio, com uma recomendação.
- Olhe, Santa, estou dando esse dinheiro, olhe que é muito, não tenho trocado, viu, isso aí é uma nota nova, vale o meu salário, viu? Você paga as passagens e pede o troco ao cobrador.
Assim foi, foram as duas pegar o trem e a gente se viu livre delas, podendo conversar nossas doidices mais a vontade. E seguimos para Jaboatão. Lá chegando, nada do trem aparecer. Atrasou-se algumas horas e a gente lá até aproveitando o atraso. Não sem demonstrar Tininho certo ar de preocupação porque aquele trem nunca atrasava e ele sabia disso porque trabalhara num sei quantos anos lá e todo dia pegava essa condução. Pois bem, conversamos, tomamos uma cerveja, duas, tres, nada das mulheres. Quase quatro horas depois, num trajeto que não dá mais que uma hora no máximo, o trem chega no maior bafafá. Era Santa brigando com o cobrador pelo troco que não havia, vez que Tininho havia dado o dinheiro certinho da conta das duas. Eu não havia percebido essa munganga dele para cima dela, só sei que o negócio enfeiou e terminou na maior gargalhada.
- Santa, minha filha, você num distingue mais dinheiro não, é minha véia?
- Você que é cachorro, disse que o dinheiro era novo e que valia o seu salário. Daí o trem só saía de lá quando o cobrador me desse o troco.
Bronca feia. Tivemos que intervir para solucionar o caso. Santa, ao saber da tramóia, saiu abufelada com a aprontação dele, calada e invocada a viagem toda de volta. Eu quase que apanho também, sabem. Eu não sei como foi que ele contornou em casa, era jeitoso, e Santa, uma santa.
Ainda, dias atrás, estava eu a passeio por lá, tomando umas e outras de virar a noite num bar na companhia do poeta Wilmar António Carvalho, quando resolvemos, dia amanhecendo, encerrar a cachaçada e eu me recolher no hotel. Quando vou pagar a conta, está lá, Alexandre, o filho mais novo de Tininho. Alexandre não me deixa seguir para o hotel e, compulsoriamente, me leva no seu carro até a casa do pai. Fazia anos que não nos víamos mais. Chegando lá, eu nem sabia que hora era aquela, sei que o dia acabara de amanhecer, e o filho aos berros chamando pelo Tininho. O genitor abre o portão me dá um abraço e me convida a conhecer a sua discoteca, as suas novas leituras, ligando o som às cinco horas da manhã para que eu visse as novas aquisições musicais. Colocou logo um cd do Hermeto Paschoal para me mostrar. A Santa desce meia arrepiada de raiva, por ser cinco da manhã e não era hora de ouvir música barulhenta, e quando me vê, me dá um abraço e vai fazer café da manhã prá gente. Eu engrolando a língua, ainda conseguia balbuciar a emoção de reencontrá-los. Saí de lá mais de meio dia, trocando as pernas. E feliz. Hoje mando um beijo para os dois. Saravá, irmãos, um beijo no coração de vocês.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui