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Artigos-->QUEM GANHOU , QUEM PERDEU -- 31/10/2006 - 13:37 (Janete Santos) |
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Recepassando mail:
Quem ganha e quem perde, em primeiro lugar, são os candidatos. Lula x
Alckmin: além dos números, quem ganhou, quem perdeu?
Flávio Aguiar
Dizia minha sábia avó que o importante não é vencer, é sair ganhando.
Exemplo: aquele nadador africano que demorou vários minutos para cumprir os
100 metros rasos na piscina, na última Olimpíada, chegou em último lugar, mas
foi aplaudido de pé. Ou seja, saiu ganhando. Ninguém se
lembra mais de quem ganhou a maratona na Olimpíada: mas nosso corredor
brasileiro, que foi atropelado pelo maluco irlandês, também foi
aplaudido de pé no estádio, ganhou a medalha de bronze e mais uma de
“mérito esportivo”: saiu ganhando, tornou-se inesquecível.
Se a escritora Gertrude Stein fosse comentarista política, ela diria que
“um Lula é um Lula é um Lula”. Porque ele não se limitou a ganhar as
eleições: ele de fato saiu ganhando. A eleição, no primeiro turno, foi
das mais chochas que já houve na história recente, embora o resultado
fosse cotado entre os mais importantes da história do país e do
continente latino-americano.
A passagem para o segundo turno despertou a “fera política” que Lula, no
campo tático, sempre soube ser. Lula espremeu Alckmin, emparedou-o,
acabou com seus argumentos, deixou-o rodando em torno de si mesmo em
busca de um eixo. Nos quatro debates que as televisões transmitiram,
vimos um Lula enfrentando quatro Alckmins: o bravo, o manso, o
semi-bravo ou semi-manso e no último o já derrotado e nas cordas.
Não se tratou apenas de um confronto psicológico. Lula destruiu o
“ethos” da candidatura Alckmin. Ele se viu obrigado a trair seu ideário,
e foi chamado a atenção por seus próprios aliados. Não sei se foi o
próprio Lula, ou alguém de sua campanha, quem teve a idéia de lançar
sobre Alckmin a pecha de privatista. Mas isso foi definitivo. No auê
laudatório criado pela mídia conservadora em torno das privatizações,
louvando-as como o que de melhor fora feito na economia brasileira
durante o governo FHC, escapou o dado, que só agora veio à tona, de que
70% da população as reprovavam.
Alckmin teve de jurar que não privatizaria aquilo que FHC tentou
privatizar: a mítica Petrobrás. Pôs-se a fazer demonstrações
anti-privatistas, a tal ponto que seus aliados na política e na mídia
passaram a cobrá-lo, pedindo que defendesse o conceito de privatização.
Alckmin sucumbiu às suas próprias contradições e a uma certa tacanhice
de seus argumentos. Foi fatal para ele ter anunciado que venderia o
avião presidencial: aquilo que deveria ser uma suposta “prova de
sobriedade” transformou-se numa espécie de bravata que comprovava a
fúria privatista.
Se Lula for de fato um estrategista (mas sobre isto pairam dúvidas), ele
perceberá que não só derrotou as patranhas de seus adversários e da
imprensa conservadora, que durante dois anos tentaram derruba-lo, numa
das campanhas mais patéticas e autoritárias que já se viu na história
brasileira, mas conseguiu criar um novo patamar político para o século XXI.
Esta eleição se torna a mais importante do Brasil desde a de 1950. 56
anos atrás o novo proletariado emergente elegeu Vargas e seu programa
nacionalista, derrotando os liberais que tinham apeado o ditador do
Palácio do Catete. Embora Vargas fosse derrubado e se suicidasse em
1954, seu curto governo, capitalizando o que tinha semeado antes, abriu
o caminho para a participação das forças populares no cenário político,
e criou as bases da matriz energética sob controle do Estado que agora
empurra – junto com as políticas sociais – Lula para diante.
Lula conseguiu ocupar todo o espaço político, neutralizando a aversão
que os rentistas tinham e ainda têm por ele, mantendo consigo largos
setores dos trabalhadores organizados, atraindo as bases empobrecidas no
Nordeste que tradicionalmente eram massa de manobra do PFL, e
convencendo parte considerável do eleitorado de classe média de que isso
pode ser melhor para todo mundo. Esse terremoto foi tão grande que,
apesar de seus próprios esforços em contrário, essa nova situação
destronou a dinastia dos Sarney no Maranhão, além de abalar de uma vez
por todas o carlismo na Bahia e a longa predominância do PSDB no Pará.
Essa é a principal razão do ódio que se sente em muitos eleitores
anti-Lula, que tiveram de optar por um candidato cuja campanha não os
satisfazia, e assistir o refestelo do seu adversário. Essa ocupação do
espaço político também ajuda a entender o despeito de muitos que, pela
esquerda, optaram pelo voto nulo. Estes últimos se alijaram o debate
político que de fato acabou havendo no segundo turno, entre uma proposta
melhor estruturada quanto à função do Estado na vida brasileira e outra
completamente desestruturante desse mesmo Estado e desestruturada enquanto
proposta.
Além de perder a eleição, Alckmin sai de fato perdendo na eleição. Seu
bordão de “choque de eficiência” se esboroou, ele vai ter de disputar
espaço com um Fernando Henrique que está ávido por salvar seu espólio da
derrocada histórica que está enfrentando, um José Serra ávido por entrar numa
pauta desenvolvimentista, e um Aécio Neves ávido por ampliação de espaço,
ainda que com um recorte ideológico menos nítido do que FHC ou do que o
governador eleito de S. Paulo.
A questão maior agora é se Lula será um ator à altura do cenário que
ele, talvez instintivamente, ajudou a criar com sua sagacidade no
segundo turno.
Amanhã: esquerda x direita, quem ganhou, quem perdeu, o que ganhou, o
que perdeu.
Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior.
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