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Contos-->O vagabundo do Roberto -- 06/05/2002 - 21:15 (Marcelo Rodrigues de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O vagabundo do Roberto
Marcelo Rodrigues de Lima


6:00 da manhã.
Roberto acorda com o som do despertador de corda, no lado da sua cabeceira. Sua mulher não havia acordado com o barulho.
Levantou-se e foi ao banheiro. Lavou o rosto e se olhou no espelho. Podia lembrar claramente da discussão que tivera com a mulher na noite anterior. Trabalho. Era sempre esse o problema.
Ele estava desempregado há um bom tempo. Vivia de trabalhos pequenos. Carpintaria. Sua esposa dizia que as coisas não podiam continuar assim. Devia arrumar um emprego fixo.
“Vagabundo”,ela dissera a ele. Repetiu entre os dentes para si mesmo: “Vagabundo”. “Talvez eu seja isso, um vagabundo.....bundo”, pensou.
Voltou para o quarto, se arrumou e saiu de casa sem tomar café. A mulher, que ele notou estar acordada, não disse nada e nem se mexeu.

6:30 da mesma vida.
Estava caminhando para o ponto de ônibus. Muitas pessoas já estavam acordadas e faziam o mesmo percurso que ele.
O ponto estava cheio, como sempre. Involuntariamente ia se formando uma fila, por ordem de chegada e que ninguém respeitava.
Roberto teve que esperar um bom tempo para que viesse uma condução que pudesse entrar.
Dentro do ônibus, em pé, podia ouvir as conversas dos outros. Nada de novo; futebol, novela, Casa dos Artistas.
“Somos gado”, pensou. Mas não sabia explicar porque pensou nisto.
As pessoas se amotinavam cada vez mais. Muitas riam daquele aperto e achavam graça dos encostões que eram obrigadas a dar.
Quando o ônibus chegou no ponto final, todos desceram apressados e sem ordem, o que fez com muitos reclamassem da falta de educação. O próprio Roberto preferiu esperar que a grande maioria descesse primeiro.

7:45 no centro da cidade.
Foi a agência de emprego de sempre. Mas teve que esperar até às 9:00, horário que elas começam a funcionar.

9:25 na fila que já tinha mais de cem metros e que começava a fazer caracol para não atrapalhar as outras pessoas que passavam.
A bicha, como dizia seu amigo que gostava de contar piada de português, começou a andar, mas sabia que ia ouvir a secretária dizer que era necessário preencher uma ficha e aguardar um possível telefonema.
Desta vez foi como se ela dissesse para ele: “Sua mulher tem razão, seu vagabundo. Preenche isso aqui e vai para casa. Vê se não passa num boteco antes disto. O próximo. Vagabundo”.
Indignado com o próprio pensamento, disse para a mulher: “Eu preenchi a mesma ficha há dois dias atrás. Não dá para ver se tem emprego”? “Não senhor. Primeiro tem que preencher a ficha, depois nós vemos isso....mas é por telefone que informamos”.
Esperou cerca de trinta minutos para sentar-se e por fim, escrever seus dados naquela folha. Trinta minutos em uma sala para cinqüenta pessoas, mas com mais de cem.

10:15 ainda no centro das atenções de ninguém.
Roberto achou melhor ir para outros lugares. Ver outras agências.
Passeava entre camelôs. Gritavam as promoções de roupas e CDs. Explicavam as maravilhas do novo abridor de latas que também ralava cenoura.
Colocou-se na fila de outra agência. Na sua frente havia duas garotas que não paravam de conversar. Deviam estar ou muito felizes ou eram má educadas, pois falavam para que todos ouvissem. “Quer saber? Vou acabar com ele. Não tem sido aquilo tudo para mim”, disse a primeira entre risos. “Está certa. Ele até parece aquele o Lucas da novela. Não sabe o que faz da vida”. “É verdade, mas se ao menos ele fosse bonito que nem ele”, completou. As duas riam.
“Riem do que?”, pensou Roberto. Não entendia como é que podiam rir em uma fila de emprego. Mas logo atrás dele, três rapazes começaram a se mostrar para as meninas. Uma delas disse que iria ficar solteira mesmo.
Também começaram a mostrar os dentes. Falavam alto, para chamar a atenção.
Logo eram uma rodinha e Roberto passou na frente delas sem que ninguém notasse.
Ao lado da fila, poder ver as principais manchetes do dia, na banca de jornais: “Romário vai para a seleção? Felipão divulga hoje lista de convocados”. “Que técnico burro”, disse um dos rapazes que estava atrás dele.

11:35 finalmente é atendido.
“O senhor está procurando emprego do que”, perguntou a secretária. “Carpintaria”, respondeu. Ela deu uma olhada em suas fichas e disse: “Não temos nada em carpintaria. O senhor sabe fazer alguma outra coisa”? Roberto achou estranho aquela atenção toda e respondeu: “Sei fazer de tudo um pouco”, sorriu amarelo. Ficou com uma ponta de esperança. Estava aceitando qualquer coisa. “Devia ter vindo aqui primeiro”, pensou. “Preenche isso aqui. Mas infelizmente não temos vagas hoje. Carpintaria é um ramo muito específico. Quando aparece uma vaga, é logo ocupada”.
Impotente e “vagabundo”, fez o que ela pediu e foi embora. E deu muita sorte, porque já era quase hora do almoço e já não iam mais atender ninguém.

12:15 no boteco Florisbela, ainda no centro.
“Uma coxinha, por favor”, pediu. “E para beber”, perguntou o balconista. Ia pedir uma coca, mas preferiu cerveja. “A latinha não, a garrafa”.
Não tinha mais para onde ir. Emprego de verdade só dava para ver até a hora do almoço. Depois disso era ficar de bobo naquele lugar.
“Um grande boi de carga, bobo e vagabundo. Isso é que sou”. Disse no segundo copo que começou a descer macio. “E quem não é, companheiro”, perguntou um homem que estava ao seu lado, comendo um x-salada e tomando um suco de máquina.
“Mas que droga”, pensou Roberto. Uma coisa era ele se dar um sermão, outra completamente diferente era alguém ficar fazendo discursos moralistas, e ainda no meio do único prazer que teria no dia: a cerveja. Aquele homem começou a lembrar a sua mulher. “É mesmo”, respondeu apenas.
Não conversaram mais. No final das contas, aquele senhor que pediu para repetir o suco vagabundo, estava com a cabeça tão confusa quanto à dele.

12:55 estava na rua, novamente.
Andava olhando vitrines. Estava a caminho do terminal de ônibus. O sol estava quente, o suficiente para fazer os olhos lacrimejarem.
Sua camisa social listrada de feira já estava fora da calça que ganhara de presente da mulher, no natal anterior. “Presente para procurar emprego”, pensou naquela noite.
Ouviu um disparo e olhou para trás. Viu um monte de gente correndo em sua direção com sacolas e tudo o que podiam trazer embaixo dos braços. Não teve tempo de sair da frente, nem de correr. Foi derrubado no chão e pisoteado. A única coisa que fez foi proteger o rosto.
Não teve noção de quanto tempo ficou deitado no chão. Pareceu uma eternidade. Levantou-se sozinho e foi sentar-se num canto da calçada. Passou a mão pelo rosto e via que sangrava na boca. Limpou com o braço.
Foi surpreendido por uma voz: “O senhor não pode ficar sentado aqui”. Era o gerente da loja onde ele estava sentado. Roberto olhou para o chão, balançou a cabeça e levantou-se. Viu alguns policiais passando correndo. Estavam armados. “Tem que levar esses ambulantes para a cadeia mesmo”, disse o gerente para alguns vendedores que saíram para ver a policia. “Bando de vagabundos”, completou.
Roberto escutou aquilo e pensou que aquela palavra estava perseguindo ele. Passou a camisa de qualquer jeito dentro da calça e tornou andar. Tinha sido atropelado pelos camelôs que fugiam da polícia com toda a mercadoria que puderam carregar.

13:30 de volta ao Florisbela.
“Uma cerveja”. Desta vez bebeu devagar. Bebia e passava a mão na ferida que lhe fizeram na boca. Tinha todo tempo do mundo para ficar ali.
Bebeu sua cerveja e finalmente foi para o ponto. Sabia que ia esperar muito.

14:10 a condução chega.
Conseguiu sentar-se e foi dormindo para casa. Acordava a cada lombada e percebia que as pessoas não falavam tanto como as que pegaram o ônibus na parte da manhã. Talvez não tivessem muitas razões para falar ou sorrir àquela hora da tarde.
Desceu no seu ponto e foi andando devagar.

15:30 na rua onde mora.
Perto da sua casa tinha um campinho de futebol onde a molecada ficava o dia inteiro jogando bola. Ele percebeu que o jogo hoje era sério. As crianças gritavam mais do que de costume e os times estavam divididos de maneira certa, diferente dos outros dias.
O sol já estava fraco e resolveu sentar para ver o jogo. Não tinha nada o que fazer em casa.
Roberto teve a impressão de que as coisas se passavam mais devagar naquela hora. Tudo era calmo. Até a briga dos meninos por causa de um pênalti não dado parecia suave.
Lembrou das pessoas que lhe pisaram. Lembrou das duas secretárias. Fez uma mágica; tirou o som das pessoas correndo e as vozes daquelas mulheres. Queria vê-los nus de seus atos. Fechou os olhos colocou a imagem destas pessoas com o som dos meninos gritando. “Vai na bola”. “Vai você, eu sou atacante”. “Você é um filho da puta. Olha o cara aí, sozinho”.
A grama misturada com aquela terra vermelha começou a parecer mais confortável. Ajeitou o corpo e deitou-se. Ficou olhando para o céu e as nuvens que encobriam o sol já fraco. Tão fraco como havia sido seu dia.

18:00 descobre que dormiu.
Ele levanta a cabeça e vê que o campinho está vazio. Senta-se. A boca ainda lhe dói. Ainda bem que não havia perdido nenhum dente.
Os poucos postes que funcionavam, indicavam o caminho para casa. Não estava muito longe. Morava na única casa da rua que ainda não tinha grade. O vizinho havia pedido a garagem de terra emprestada para guardar a Kombi. Nem que quisesse colocar uma grade agora. O carro, além de ocupar toda a garagem, pegava metade da calçada.
Entrou em casa e sentiu um cheiro de feijão. A mulher estava preparando a comida. “Como foi”, perguntou a esposa. “Como sempre”, respondeu o marido. “Vagabundo. Ninguém mandou casar com um vagabundo”, pensou.
A mulher reparou no machucado, mas não perguntou nada. Roberto não quis tocar no assunto, não naquela hora. Mas uma coisa que ela reparou, não pode deixar de comentar: “Sua roupa está suja”, esperando resposta. “Estava vendo os meninos jogarem bola”. Ela abaixou a cabeça e com um sorriso irônico foi para o fogão.

20:00 é o fim.
Estavam assistindo televisão. Jornal Nacional, um pedaço da Casa dos Artistas, novela das oito, Tela Quente. Dormir. A mulher foi para o quarto primeiro. O marido ficou procurando alguma coisa interessante para ver.
Roberto desligou o aparelho e foi para a cama. Como não tinha o hábito de ler, deitou-se olhando para o teto. A mulher já estava dormindo. Pensou no seu dia de maneira superficial. Não queria nada atrapalhando seu sono, já que teria de acordar muito cedo no outro dia. Ia procurar emprego.
Finalmente fechou os olhos e começou a dormir. E com um sono de adulto, com seus tormentos, sonhou que teria um dia diferente, melhor do que esse último. Descobriria, logo que acordasse, que nada iria mudar.







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