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Contos-->31. O BLOQUEIO MENTAL -- 05/05/2002 - 07:02 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Renato era filho de pais espíritas. Chegou em época de idade avançada da mãe e recebeu o nome por ter o casal perdido outro rebento há tempos atrás, com cinco anos, vítima de atropelamento. Após mal feita laqueação das trompas, a mãe concebeu a nova criança, quando não mais lhe parecia ser possível procriar. Desejar, desejava muito substituir a suave criaturinha perdida. Lamentar, lamentou muito o ter consentido na operação obstrutora. Chorar, chorou muito a deliberação infeliz. Agradecer, agradeceu demais a dádiva do céu.

Cercou-se de imensos cuidados a tardia gestação, orientada pelo facultativo da família com desvelado carinho. Aos quarenta e oito anos de idade, a gravidez era de alto risco. Os cônjuges, entretanto, fiéis à crença espírita, cônscios da benevolência do Pai em possibilitar ajuda etérea de máxima precisão, tendo obrado em favor do próximo muito mais que em proveito pessoal, principalmente quando quedaram sós à partida de seu querido Rogério, sabiam que o filho bem amado estava sendo devolvido ao antigo seio familiar.

Ensejaram-se várias consultas ao plano da espiritualidade, mas deixaram-nas passar, considerando inúteis quaisquer informações, que somente confirmariam o que já lhes constituía uma convicção. À noite, de regresso do árduo trabalho que empreendia, Rafael acariciava a esposa e fazia grandiosos projetos para recepcionar e educar o novo pimpolho.

O parto foi demorado e sofrido. A equipe médica desdobrou-se para evitar sufocamento sangüíneo, à vista das condições adversas em que se encontrava o feto, mas conseguiu, através de operação cesariana, retirar a criança com vida e saudável. Todos os órgãos estavam perfeitos e o choro encheu a sala de partos de reconfortante esperança.

Mas sério problema viria instalar-se em breves dias. A criança não reagia normalmente aos estímulos exteriores e, com três meses de idade, pôde detectar-se, de modo insofismável, que portava sério bloqueio mental.

Os pais ficaram desesperados, pois Renato fora o nome escolhido e agora verificavam que aquela criatura não poderia ser o mesmo esperto Rogério que lhes enchera cinco anos de alegrias.

Passou-lhes o desejo de chamá-lo de Rogério e até de Renato. Por muito tempo, era a criança, o menino, ele, este outro, com que chamavam um ao outro a atenção para o filho.

A bem da verdade, as luzes espíritas afrouxaram bastante diante da falência das expectativas, mas a comoção inicial cedeu, quando, em busca de auxílio especializado, foram visitar certa instituição hospitalar que cuidava só de casos de deficientes mentais. A organização era constituída em bases do socorrismo fraterno espírita, de modo que permitido lhes foi visitar todas as dependências. Ali ficaram impressionados com os mais graves distúrbios mentais que as criaturas humanas podem apresentar. Para cada criança ou jovem adolescente que lá se encontrava, viam-se vários atendentes e pessoal de apoio administrativo. Os gastos da instituição eram elevadíssimos e, não fora o voluntariado de inúmeros pais, seria impossível mantê-la em funcionamento.

Ao saberem que a expectativa de vida de muitos internos era de, no máximo, dezoito a vinte anos, aí realmente temeram pelo futuro do filho. A informação lhes fora fornecida pelo doutor encarregado da seção de frenologia, de modo que pretenderam confirmá-la com seu médico particular, o qual, sentia muito, mas cumpria o dever de dizer que era aquela a perspectiva de sobrevida de Renato.

Rafael, único que ainda freqüentava o círculo de amizades espíritas, já que a esposa não saía de perto do filho em seu necessário desvelo, uma vez que, se não lhe fornecesse adequada alimentação, era capaz de sufocar-se dados os percalços motores, pretendeu saber dos guias do centro o que deveria fazer para propiciar ao filho os cuidados apropriados de caráter moral e espiritual, para que viesse a progredir na vida. Queria, ainda, informações precisas a respeito das razões por que estavam os pais sendo castigados e o que teria feito aquele espírito para merecer tamanha desdita.

O guia não se fez de rogado e teceu amplas considerações a respeito do amor e da atenção que devem proporcionar os pais aos filhos, especialmente se estão em situação de inferioridade cármica. Aconselhou muita prudência espiritual quanto à imaginação a respeito das causas de semelhante problema e mais não disse que pudesse estabelecer qualquer indício que levasse à solução dos mistérios. Recomendou muita prece e elogiou o desvelo e a atenção da mãe, bem como a dedicação e a aceitação da provação pelo pai.

Rafael não ficou satisfeito com as respostas obtidas, mas calou a ansiedade no fundo do coração, para ver se conseguiria fazer jus ao merecimento de semelhante prova.

Os anos passaram e os trabalhos foram ampliando-se para o casal, à medida que o filho crescia. Freqüentavam com o petiz a supra-referida casa de assistência e muito se surpreendiam cada vez que uma nova criança débil era abandonada pelos pais que, insensíveis à dor dos pequenos, viam nessas criaturas trambolhos que se lhes atavam aos pés.

Os especialistas desdobravam-se para salvar a vida àqueles que se apresentavam com deficiências físicas, mas pouco podiam acrescentar ao tônus intelectual dos que sobreviviam. O que melhor efeito produzia em seu ânimo era a carinhosa assistência dos atendentes, funcionários ou voluntários, que os estimulavam a reagir diante das circunstâncias especialmente criadas para sua possibilidade de educação.

Quando a debilidade era passível de ser contornada socialmente, reuniam-se grupos para pequenas tarefas, de modo que a convivência, rigorosamente controlada pelos instrutores, surtia algum efeito. Muitos casos, porém, deviam ser tratados isoladamente, sempre com a presença dos pais ou dos tutores que se apresentavam espontaneamente para tais tarefas.

O bloqueio mental de nosso Renatinho era dos mais graves. Embora fosse desejo dos pais vê-lo na companhia dos demais, impossível era fazê-lo compreender o mínimo direito de qualquer ser humano. Agressivo ao extremo, alheava-se da realidade por longos períodos, quando corria o risco, inclusive, de exaurir-se por inanição, uma vez que era incapaz de alimentar-se ou de manifestar o desejo de comer ou beber. Não era um vegetal humano porque respirava e se agitava. Quando as crises amainavam, punha-se a debater-se, momentos em que não poucas vezes chegou a ferir-se com seriedade. A todos os achaques, os pais respondiam com infinita paciência e profundo amor. Por certo, viam naquela criança a contrapartida do muito de afeição que o Rogério lhes havia propiciado.

Nesse labutar, esquecida de si mesma, auxiliada, embora, por toda a família, exausta e alquebrada, aos sessenta e oito anos de idade, D. Carlota viu seu filho dar adeus à vida, em lacrimosa tarde de inverno.

Quando se aprestava para reiniciar o contacto efetivo com o mundo, chegou a vez do marido.

Mal deixara o luto protocolar, súbito mal-estar cortou-lhe os fiapos de relacionamento com a carne e pôde ir reunir-se à família do outro lado.

Que bela surpresa a aguardava! Reconheceu de pronto o seu Rogerinho, o Renatinho e o Rafael, os três congraçados em plena felicidade. D. Carlota sorriu, estendeu-lhes os braços e abraçou-os em ternura inefável. Após a efusão do reencontro, saudável e feliz, quis conversar com o Rogério a respeito de seus feitos no plano espiritual. Este não titubeou em referir-se aos projetos socorristas que estabelecera para proteger o irmão dos males que freqüentemente o assaltavam, ao mesmo tempo que insuflava na alma da mãe os suaves ensinos de Jesus a respeito do amor e da caridade.

D. Carlota interrogou, então, o marido a respeito do que havia conseguido obter sobre o Renato, não atinando que poderia dirigir-se diretamente a ele. Renato não se atreveu a interromper a mãe e aguardou, serenamente, a manifestação do pai, cuja reação primeira havia sido idêntica. Rafael, de pronto, percebeu o que se passava na mente da esposa e, sorrindo, amavelmente lhe solicitou que se endereçasse diretamente ao filho.

Alvoroçada, D. Carlota hesitou em olhar nos olhos do filho, mas percebeu que ainda carregava consigo alguns preconceitos de caráter meramente material. Intentou ajoelhar-se para pedir perdão, mas encontrou dois fortes braços que a ampararam e suaves lábios que lhe imprimiram na testa longo e enternecido beijo de agradecimento e afeto. Duas grossas lágrimas vieram juntar-se às que lhe escorriam pela face e os dois seres se integraram em amplexo do mais acendrado amor. Nesse enlace, tudo se esclareceu de imediato e D. Carlota pôde compenetrar-se de todo o drama que envolvera aquele doloroso encarne.

Hoje o grupo moureja na Terra, ainda no plano espiritual, dando cabal assistência àquela mesma instituição hospitalar que os agasalhou um dia.

Se você, bom amigo, passar por perto de alguma dessas casas e não se sentir encorajado a oferecer-lhe o calor de seu afeto ou a força de seu trabalho, ao menos faça pequena oração, que, talvez, os seus fluidos possam ser empregados no serviço de socorrismo ali presente.

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