De: Glorinha
Para: Janete Santos
Assunto:A privataria pegou pesado em São Paulo
A privataria pegou pesado em São Paulo
Elio Gaspari
Lula exagera, mas não mente quando vincula Geraldo Alckmin à
privataria que torrou R$ 200 bilhões do tesouro da Viúva entre 1995 e
2002. Dois lances recentes, ocorridos em São Paulo com o patrimônio
da índia Bartira, indicam que os privatas se aninharam na
ekipekonômica que o candidato do PSDB deixou na administração do
Estado. Uma, a privatização de 20% do banco Nossa Caixa, foi
cancelada há duas semanas, na boca da pequena área, pelo governador
Claudio Lembo.
Destinava-se a recolher R$ 1 bilhão no mercado para calafetar contas
públicas. A outra aconteceu há quatro meses, com a venda de um pedaço
da Cesp. Anomalias típicas da má gestão: queimar propriedades para
cobrir buracos. Nas palavras de Noel Rosa: Vendeste o carro para
comprar gasolina .
Nos dois episódios, ocorreram fenômenos paranormais durante o
processo de privatização. Em geral, quando uma empresa lança ações no
mercado, elas sobem. Foi o que aconteceu com a TAM. Com a Cesp e a
Nossa Caixa, caíram. No dia em que se anunciou a venda do lote da
Cesp, elas estavam a R$ 24,11. Quando os papéis chegaram ao mercado,
valiam R$ 16,20. Um tombo de 32%. Com a Nossa Caixa, valiam R$ 47,36
no anúncio e, no dia em que Lembo salvou o gol, estavam a R$ 43,10,
uma desvalorização de 14%.
Ação sobem, ações caem e a vida segue. Se a Cesp e a Nossa Caixa não
encontravam quem pagasse mais pelos seus papéis, problema delas. O
patrimônio de Bartira perdeu peso num período em que as casas
Bradesco, Itaú e Unibanco valorizaram-se 3%. Novamente, é o jogo
jogado.
Nas duas iniciativas do governo de São Paulo, deu-se um fenômeno
adicional. Depois do anúncio da operação, houve uma enorme demanda de
aluguel de ações da Cesp e da Nossa Caixa. É o tal do mercado a
descoberto, no qual um operador aposta na queda do valor de uma ação.
Coisa assim: aluga-se um papel cotado a R$ 100,00 por 90 dias,
pagando uma taxa de 5% ao ano. Vende-se a ação a R$ 100,00, coloca-se
o dinheiro em outro negócio (juros de 14% ao ano do Copom, por
exemplo) e espera-se. Se ao fim do contrato a ação estiver a R$ 90,00
ganha-se 10% sobre o investimento. Dinheirinho fácil.
Feito o anúncio das duas privatizações, ocorreu um surto de febre
locatária de ações da Cesp e da Nossa Caixa.
Quando não se falava no negócio, o mercado tinha 718 mil ações da
Cesp alugadas. Quando a transação foi concluída, as ações alugadas
eram 3,7 milhões, um aumento de mais de 400%. A mesma coisa aconteceu
com a Nossa Caixa. No dia do anúncio, as ações alugadas eram 400 mil.
Quando Lembo suspendeu a operação, havia na praça 1,7 milhão de
papéis alugados.
O mercado financeiro é muito mais complexo e menos demoníaco do que
parece ao ser observado pelo retrovisor. Mesmo assim, se alguém teve
a inspiração divina de alugar ações confiando e colaborando na queda
do valor dos papéis da Cesp e da Nossa Caixa, fez um bom negócio.
Admitindo-se que uma pessoa tenha apostado R$ 10 milhões em cada
privataria e tenha lucrado apenas a metade do que lhe foi
proporcionado pela queda das ações, faturou R$ 1,6 milhão com a Cesp.
No caso da Nossa Caixa, se as ações fossem ao mercado na cotação do
dia em que Lembo acabou com o jogo, a desvalorização teria rendido
uns R$ 500 mil. O feliz locatário teria ganhado R$ 2,1 milhão sem uma
gota de suor ou um ceitil de seu patrimônio. Só com uma idéia, e uma
fé.
Nos dois casos, quando a transação chegou ao fim, a febre locatária
baixou e o número de ações das duas empresas no mercado a descoberto
voltou ao normal. Os locatários das ações da Nossa Caixa micaram,
pois nos dias seguintes ao cancelamento da operação o papel subiu
17%.
Passada a febre locatária, as ações subiram de volta ao patamar em
que estavam.
Na privataria paulista, ocorreu uma mistura de oportunismo (vender o
patrimônio para calafetar contas públicas), astúcia (torrar um pedaço
de um banco no lusco-fusco do fim de governo) e onipotência (achar
que ninguém estava prestando atenção). Pelo menos na Nossa Caixa,
Bartira deve gratidão a Lembo. |