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Contos-->A História de An@ - Livro -- 04/05/2002 - 00:48 (Luís André) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



1


Sinceramente eu acho que nunca fui bom nessa coisa que chamamos de relacionamento. Posso até ter me saído bem com algumas mulheres, mas sempre tive o problema de gostar da pessoa errada e da pessoa errada gostar de mim.
Tive um relacionamento acho que duradouro e que resultou em dois filhos lindos e um final inesperado e que precisou de muita cabeça no lugar de minha parte para que coisas desagradáveis não viessem a acontecer. Vamos dizer que fui casado, pois o casamento em si nunca foi celebrado, ou seja, morei com esta mulher durante um dos melhores períodos de minha vida e por conseqüência o dela também.
Hoje aos trinta anos posso dizer que já atingi quase todos os degraus do relacionamento (exceto o noivado) e que já tive todos os tipos de azares com as mulheres.
Até então tudo pode ser, quem sabe, um pouco engraçado se for visto pelo meu ponto de vista, ou seja, depois que tudo passa sempre procuro ver o lado bom de e começo a satirizar em cima das coisas que me aconteceram.
Já passei por mulheres interessantes e intrigantes por loucas, burras, loiras, morenas, semi-orientais, inteligentes e até mesmo as mais liberais, mas o que mais me deixou marcado foi o fato de ter sido dono e escravo de uma mulher a qual nunca coloquei um dedo sequer sobre a pele. Se você estiver interessado em saber como tudo aconteceu, pode ficar certo de uma coisa, você nunca vai saber, pois nem eu mesmo sei, e mesmo se soubesse nunca iria relatar, pois poderia deixar muita gente chocada e indignada e mesmo assim, o pouco que sei daria pra se tornar um bom roteiro hollywodiano ou um livrinho daquelas da série Júlia o Bianca e essas coisinhas de bolso que a gente chama de ficção barata.
Tudo que você ler vai estar entremeado em realidade e ficção, pois eu tina que preencher essa história com a minha criatividade (que não é lá grande coisa) nas partes em que nada sei sobre a realidade desses fatos. Não sei se fui bem claro, mas posso assegurar que nomes e outras coisas serão alterados. Sei que muita coisa pode parecer piegas demais e outras nem tanto, mas pode ter certeza de uma coisa, isso que você vai ler de agora em diante foi, é e continuará sendo a história mais marcante de minha vida.
Posso começar falando do meu primeiro relacionamento marcante depois do casamento. Foi um relacionamento turbulento e confuso com a pessoa mais maquiavélica, interesseira e ardilosa que conheci. O único interesse que essa mulher (a qual nem quero colocar o nome nessa história) tinha por mim era o pouco dinheiro que eu recebia mensalmente, fora isso eu de nada a interessava. De minha parte existia o carinho, o respeito e a preocupação com uma mulher, que no começo do relacionamento achei linda, depois nem tanto e quando acabou eu não a achei merda nenhuma, nem gostosa podemos dizer assim, ela era.
Passado o choque de tê-la encontrado numa boate com outro cara durante uma noite de Sábado, pensando que ela estava visitando uma tia que estava doente não me deixou tão surpreso, tanto que até a cumprimentei de longe e depois disso nos falamos uma única vez ao telefone e mesmo assim num tom de muita indiferença de minha parte. Depois disso, nada demais com ninguém até aparecer uma a protagonista dessa história, seu nome: Vou ter que alterar pra Beatriz.
Assim vai se chamar essa paixão que cultivei durante meses depois de ter encontrado a peste numa danceteria com o outro.

2

Certo dia estava eu no meu trabalho. Nessa época trabalhava na rua numa equipe de cadastro de redes de telecomunicações. Meu trabalho não era um dos melhores possíveis. O que eu fazia? Vivia em caixas de telecomunicações subterrâneas. Em algumas delas você pode até acomodar uma família de quatro pessoas dentro e em outras muito mal cabe uma pessoa agachada. A temperatura gira em torno dos 45 ou 50 graus, sem falar que cada caixa é uma surpresa diferente, numas você pode encontrar muita água (que pode vir do lençol freático ou das chuvas), em outras, muita lama, que pode vir de qualquer lugar, e em outras simplesmente você pode não encontra nada. Quando o dia terminava, além de sujo e suado eu estava morto de cansado. Bom, mas vamos falar do que interessa.
Depois de uma sexta-feira daquelas que a gente tem vontade que o mundo acabe, Cheguei na empresa louco pra tomar um banho daqueles que se limpa até a alma. Tinha tido uma discussão ferrenha com o meu pai e não tava nem pensando em ir pra casa. Queria sumir no mundo. O pessoal da empresa que iria viajar à Natal já havia ido embora. Inclusive o Chefe. Só restou um Grande amigo Potiguar chamado Dantas. Conversei com ele e disse que não tava nem a fim de voltar pra casa, ele disse que se eu quisesse esfriar a cabeça poderia dormir lá na empresa e no outro dia eu iria embora. De pronto hesitei um pouco, mas depois topei ficar. Pedi a ele pra entrar na internet e bater um papo com o pessoal das salas. Ele disse que se eu quisesse poderia passar a noite toda na net, pois ele mesmo iria concluir um trabalho que estava fazendo e depois iria dormir.
Era tudo que eu precisava pra esfriar a cabeça. Um bom papo na net com algumas pessoas que eu conhecia e um monte que eu não conhecia. Um universo inteiro pra ser explorado. Ali bem pertinho e ao mesmo tempo longe. Tudo ao alcance dos meus dedos e próximo dos meus olhos.
Comecei a minha jornada após as 19 horas e um jantar improvisado. Depois de ter ligado pra minha casa e ter falado com a minha mãe e de ter dito que não iria voltar naquela noite, fiquei mais à vontade. Sentei na frente do computador e depois de verificar os meus e-mails, lá estava eu dentro de uma sala de bate-papo de Recife. Durante uma hora fiquei observei mais do que conversei, depois as coisas se inverteram, conversei mais que observei. Tanto que nem estava dando conta de quantas pessoas estava conversando. A noite foi passando. As horas se arrastando do modo que eu queria. Por volta das três da manhã entrou na sala que eu estava uma garota com o nick de Bia/33 Fiquei interessado em teclar com ela, pois sempre tive uma certa atração por mulheres mais velhas. Tive vontade de abordá-la, mas como estava conversando com muita gente, resolvi não ousar, pois queria que fosse uma conversa mais tranqüila. Mas não sei porque cargas d’água ela resolveu falar comigo. E de um modo bem discreto me mandou um “oi”. Retribuí e ela perguntou se eu estava ocupado. Respondi que um pouco, mas nada que me impediria de falar com ela. Ela então falou que iria desistir se não tivesse exclusividade. De início, pensei que se tratava de um amigo, ou alguém conhecido, que sabia quem eu era e que estava a fim de tirar um sarro de minha cara. Então lhe pedi que me deixasse ao menos me despedir das pessoas que estava conversando. Depois de me despedir de forma meio estranha ao pessoal, reservei o meu papo a ela. Então vieram as perguntas de praxe: Onde você está? O que faz da vida? Qual a sua idade? Como é você? E então a pergunta que todo mundo quer fazer a todo mundo na net: Tem namorado (a)? Depois de responder que não, ela me retribuiu com um “não acredito”, você estava paquerando tanto na sala”. Demorei a convencê-la do contrário. Até que provasse o contrário, passei uns dez minutos e mesmo assim até hoje sinto que não a convenci totalmente naquela noite. Passamos horas na rede e de vez em quando sempre aparecia alguém querendo interromper a nossa conversa. De madrugada a net torna-se interessante, pois aparecem as figura mais improváveis de se encontrar no nosso cotidiano. E os nicks são os mais absurdos, ou engraçados que você pode encontrar. Infelizmente nenhum deles pode ser citado aqui, pois de repente pode até ser o seu. Bom, mas pra ser exato o que realmente me chamou a atenção naquela noite foi a minha querida Beatriz. A sua abordagem, o modo como ela me tratou e exigiu de mim a atenção total foram os primeiros motivos pra que eu não quisesse mais que ela largasse aquele teclado e que a noite nunca acabasse. Depois de muito papear resolvi me entregar àquela loucura. Dei-lhe os meus telefones. Porém, não largamos a tela e continuamos. Ela mostrou-se interessada naquilo que a princípio se tornaria uma amizade-paquera e eu estava mais naquela de que finalmente consegui despertar a atenção de uma mulher mais velha que eu. Porém não tão velha. Em determinado momento ela me perguntou como eu estava e eu lhe respondi que agora estava com ela na linha e nada no mundo me preocupava tanto. Ela disse que iria desligar, pois estava com sono, já passavam das cinco da manhã e tinha um compromisso com o irmão por volta das dez da manhã. Pedi que ficasse e ela disse que se continuasse iria terminar se atrasando, mas que eu não me preocupasse, pois ela iria me telefonar quando pudesse e eu lhe perguntei quando. A sua resposta: “Mais breve do que você possa imaginar”. Despediu-se mandando um beijo e dizendo que havia adorado teclar comigo, pois eu havia melhorado bastante a sua noite e, com certeza, por minha causa o seu dia iria ser alegre. Ela saiu e eu continuei na net. Nesse dia eu estava realmente a fim de descarregar tudo, toda a minha tensão e o meu desânimo com as coisas que aconteciam na minha vida, na tela do computador. Cinco minutos depois ela me ligou. Disse que estava curiosa. Queria saber se eu realmente existia e queria saber como era a minha voz. Depois voltou a se despedir e eu a fiz demorar um pouco mais. Falei que a sua voz era bonita e que pela voz ela não aparentava ter a idade do nick. Perguntei se ela estava brincando, mas adiantei que pela voz ela parecia ser uma mulher muito bonita e delicada. Isso a deixou muda por alguns segundos, o que nos faz pensar na velha teoria de que, quem cala, consente. Ela, depois disso, disse que não iria mais poder ficar comigo na linha. Disse que iria tomar um banho e cair na cama. Lembrou-me mais uma vez do seu compromisso e disse que logo em breve voltaria a me ligar e dessa vez com mais calma. Perguntou quando eu voltaria a teclar e lhe respondi que não sabia, mas que ela sempre me procurasse antes de entrar na sala, pois o meu nick era sempre o mesmo. Ela disse que não mudaria mais o seu, pois só assim poderia ser identificada por mim, pois eu teclava com muita gente e isso poderia lhe tirar a exclusividade. Falei que as coisas nem sempre poderiam ser do jeito que ela queria que fossem. Disse-lhe que tinha os meus amigos de net e que não poderia abandoná-los assim de uma hora pra outra. Ela falou que na próxima vez que entrasse na sala e eu tivesse teclando com mais alguém ela iria embora. Então falei que assim não poderia ser e que se ela tivesse paciência eu poderia, no máximo, resumir a minha conversa a ela, mas mesmo assim depois de me despedir do resto do pessoal. Ela riu e disse que tudo bem. Afinal de contas ela não era nada minha mesmo. Eu ri e lancei a minha cartada mais alta: Por enquanto, não é? Mas quem sabe pode um dia ser tudo o que eu mais quis na vida? Ela voltou a ficar muda e disse: Olha, tenho realmente que desligar agora. Um beijão pra ti e te cuida guri.
Foi assim que conheci a mulher mais intrigante de minha vida e a que mais me deixou dependente de uma voz até hoje. Depois desse dia passei a dar muito mais valor a invenção do Graham Bell. Se bem que sempre fui um aficionado por telefone. Desde a época do inesquecível “Disque Amizade”. Passei horas pendurado no telefone durante as madrugadas com várias pessoas que conhecia nas noites. Com várias mulheres já conversei, até cheguei a conhecer algumas e com outras até tive algum tipo de envolvimento. Em geral, são pessoas que de uma forma ou de outra se sentem solitárias e que procuram na voz de um estranho um conforto e cumplicidade para sua solidão. Cheguei a passar horas com mulheres que nunca me deram o telefone, mas ligavam pra minha casa tarde da noite e diziam que estavam ligando pra conversar um pouco. Algumas bem mais objetivas queriam outros assuntos que você já deve imaginar do que se trata. Uma delas foi bastante objetiva e disse que só estava me ligando porque achou a minha voz sexy e que queria saber se eu seria capaz de fazê-la atingir o clímax por telefone. Essa chegou a me ligar duas vezes e nunca mais deu sinal de vida. Acho que eu não fui tão bem assim na segunda vez.



3

Bem, mas vamos voltar ao que interessa. Alguns dias depois a minha nova “Amiga” da net me encontrou novamente numa das salas de Bate-papo. Fiquei feliz em revê-la e dessa vez ela foi mais rígida ainda na questão da exclusividade. Chegou a ameaçar deixar a sala se eu não quisesse conversar com ela em particular. Dessa vez foi mais difícil me despedir do pessoal, na verdade nem deu tempo, pois eu estava conversando com uma amiga que mora nos EUA e tentei ficar conversando com as duas ao mesmo tempo, o que foi super difícil, a minha amiga no estrangeiro é muito rápida no teclado enquanto eu sou quase uma tartaruga, o que dificultou o meu papo com Bia. Depois de um bom jogo de cintura, a convenci me ligar novamente. Quando o telefone tocou, eu fiquei bem mais aliviado, pois dessa vez estava disposto a ver quais eram as intenções dela comigo. Travamos um duelo de insinuações com perguntas que muitas vezes ela desviava as respostas que deveria me dar. Sentindo quais eram as minhas intenções ela me perguntou.
- É impressão minha ou você está dando em cima de mim?
- Sinceramente eu não sei se deveria revelar. Mas posso lhe adiantar que quando comecei a teclar e falar com você ao telefone me sinto bem melhor.
- Guri, tu não sabe com quem tais se metendo. Não provoca. E presta atenção, pois tu és mais novo do que eu.
- Mas eu sempre tive uma fixação por mulheres mais velhas e, além do mais, você tem o sotaque mais lindo do mundo.
- Sabe o que eu acho mais interessante?
- Não.
- O teu Jeito.
- O que tem?
- Tu é muito solto. Sei lá. Debochado. Engraçado.
- Tais me chamando de palhaço?
- Não. Não é bem assim.
- E o que é?
- Embora tu tenha me dito que já é pai, que tem 29 anos... Tu sempre vai me parecer um garotão. Tu tem um jeito muito irreverente de falar. Parece que nada no mundo pode te abalar.
- Mas tem, sim...
- O quê?
- Muita coisa...
- Como?
- Não posso te dizer, pois posso ficar muito vulnerável...
- Garanto que eu não conto pra ninguém...
- Mas vai ficar sabendo...
- Mas me deixa saber, quem sabe eu possa te ajudar...
- Ninguém pode ajudar. São coisas que trago comigo há muito tempo e não adianta forçar, que eu não conto.
- Nossa. Quanto mistério...
- Se você for boazinha e se comportar pode ser que ganhe a minha confiança e quem sabe eu te conte um dia uma parte das coisas que podem me abalar.
- Tem alguma mulher por trás disso?
- Algumas que nem sempre foram tão boazinhas o quanto você pode ser.
- E quem te disse que eu sou boazinha?
- Ninguém. O que eu disse é que você pode vir a ser boazinha.
- Tu quer que eu seja boazinha contigo? Mas se o tempo todo que tu tecla comigo, fica brincando.
- Esse é o meu jeito
- É por isso que eu te chamo de meu garotão.
- Teu garotão???
- Pode ser...
- O que pode ser?
- Que tu venha a ser meu.
- Então...
- Então... Eu vou ter que desligar, pois tenho que ensinar a tarefa de minha filha. Já é tarde e ela tem que dormir.
- Mas e quanto ao garotão?
- Depois a gente conversa.
Passaram-se alguns dias até o nosso próximo contato, mas antes que isso caísse no esquecimento, mandei-lhe uma quase biografia, falando-lhe de fatos e fatores importantes na minha vida, juntamente com uma foto minha na comemoração do meu 28º aniversário .
Certa vez estava eu na net, numa dessas noites de quarta-feira em que não se faz quase nada de útil na vida e, de repente, ela entrou na sala que eu estava. Pediu que eu saísse, pois queria falar comigo. Então lhe expliquei que tinha sido terrível conectar e que se eu saísse seria pior ainda refazer a conexão sem ao menos ler os meus e-mails. Mas ela poderia ligar para o outro telefone da empresa que eu falaria com ela. O telefone tocou então ela no mais sensual tom de sua voz me perguntou como eu estava e como eu ia. E respondi que estava muito bem apesar do cansaço, mas que nada como uma noite de sono pra me deixar leve. Ela então me perguntou o que eu iria fazer. Respondi que iria pra casa. Ver a minha filha e dormir. Ela então me lançou a proposta.
- Quer jantar comigo?
E então o que eu faria? Estava sem um conto de Réis no bolso. Mas era uma oportunidade e tanto, pra que eu conhecesse aquela mulher que começava a me fascinar. Mas eu tinha que usar o bom censo. Como eu iria sair com uma Supervisora de uma grande rede de supermecados, que tinha um puta carro e não tinha nem o pau pra dar no gato? Deixar ela pagar a conta? Não! Em hipótese alguma. O que ela iria pensar de mim? Mas ela sabia que eu era um lascado... Não! De jeito nenhum! Como eu iria aceitar isso?
- Não posso!
- Por quê não?
- É... Que eu estou muito cansado e não seria uma companhia agradável hoje. E além do mais quero ver a minha filha. Tenho que ensinar a tarefa dela...
- Mas ainda táis aí na empresa e já são quase nove horas...
- Mas... Eu vou pra casa logo, logo.
-Tu táis me dando um fora?
- Não.
- Claro que tá...
-Entenda...
Como ela iria entender se a primeira vez que me convida pra sair, digo que vou pra casa dormir???
- Não é bem assim
- E como é então???
- É que hoje estou muito cansado. Que tal amanhã???
- Não. Ou hoje ou nem tão cedo. No dia que crio coragem para te convidar levo um fora. Desisto.
- Não desiste...
- Mas... Deixa pra lá depois eu te ligo...
Putz! Que azar! Tudo o que eu queria era que ela tomasse iniciativa e quando ela tomou, eu dei uma furada dessas. Mas o que podia fazer??? Ainda tentei contornar a situação, mas não deu. Dancei. A única coisa a mais que ela disse foi que me ligaria depois. Depois.... Quando?????
Por alguns dois ou três dias ela não deu sinal de vida. Mas logo que pode me telefonou e me perguntou se eu era louco, por ter me exposto daquela forma. Então lhe falei que o que eu fiz foi me expor pra uma pessoa que havia me chamado atenção e que fiz aquilo pra que ela soubesse um pouco de mim e que o resto só contaria pessoalmente. Ela me falou que achou a foto super engraçada. Então lhe propus que escrevesse algo sobre ela e me mandasse por e-mail. Então me disse que estaria viajando no outro dia e que assim que pudesse me escreveria, tentaria o mais rápido possível.
Mais alguns dias se passaram e eu já havia pensado na possibilidade dela ter resolvido me abolir completamente de sua agenda e que eu deveria esfriar o meu fogo. Depois de uma manhã trabalhando na rua, eu e uns colegas de trabalho resolvemos almoçar num barzinho perto da empresa que trabalhávamos. Depois do almoço ficamos conversando um pouco na empresa pra depois voltarmos pra a rua. Quando já estávamos de saída, o telefone tocou. Adivinhe quem era? Bingo! Se você respondeu que era ela, acertou. Ela estava um tanto quanto furiosa e disse que por vários dias tentou me localizar na empresa, mas que o telefone só vivia ocupado e que da vez que atenderam disseram que não existia ninguém trabalhando lá com aquele nome. Lá tive eu que lhe explicar que por aquele nome ninguém me conhecia e que o telefone não era atendido por que na empresa não tinha secretária e o pessoal só se encontrava por lá na parte da manhã ou na parte da tarde. Mas que ela deveria ter ligado para o meu celular, pois falaria comigo sem dúvida. Ela não estava muito amistosa e disse que havia tentado o celular, mas que ele só caia na caixa postal ou fora da área de cobertura. Pedi que me ligasse à noite, e ela disse que iria pensar no assunto. Disse que mais tarde me mandaria um e-mail me contando algumas coisas que eu precisaria saber sobre ela.
Não apostei muito na possibilidade de receber o seu telefonema à noite, mas qual não foi a minha surpresa quando ao chegar em casa o meu celular tocou e era ela novamente. Conversamos um pouco e ela me falou que estava falando do celular do seu advogado, que estava tratando do seu divórcio e que estava passando por uma fase muito difícil, pois o seu ex-marido queria lhe tirar a posse da filha e talvez ela fosse perdê-la.
Durante algumas vezes ainda conversamos bastante por telefone e ela foi se mostrando pra mim como uma pessoa com muitos problemas externos. Não como uma mulher complicada e sim como alguém que sofre a influência de problemas externos, como o problema da prisão do irmão, a não conformação com a morte do pai e constante insistência do ex-marido para voltar pra ela. Como se tudo isso ainda não bastasse havia essa possibilidade de a qualquer hora ela perder a guarda da filha. Isso fazia com que nos tornássemos mais próximos, pois ela sempre queria uma palavra de apoio e eu queria sempre que ela me ligasse. Estava gostando daquilo. Ela era mais velha!!! O meu fetiche... Quem sabe um dia a gente poderia se dar bem?
Um dia ela me ligou dizendo que estava chegando a hora. Seria no outro dia a fatídica audiência. O veredicto sairia no outro dia por volta das 11 horas da manhã. Conversamos mais alguns longos minutos no telefone. Sempre o mesmo número. O celular de seu advogado, nunca o telefone de sua casa. Ela confessou que mesmo se perdesse a guarda da filha ficaria muito grata pela força que eu tinha dado. Que eu tinha sido o seu ponto de equilíbrio durante todos esses dias em que ela se preparou pra essa audiência. Ela falou que depois que tudo isso tivesse sido resolvido ira querer comemorar comigo. Disse que iria me seqüestrar.
- O que tu prefere, praia ou campo?
- Não sei, afinal de contas quem é seqüestrado perde o direito total de escolha.
- Não sei se te carrego pra minha casa de campo ou minha casa de praia... O que tu acha?
- Não sei... Quem dirige é você... Eu não sei dirigir... Já te falei.
- Mas eu preciso de uma sugestão!
- Qualquer lugar, desde que eu esteja com você...
- ...
- Acho que estou realmente me apegando a você.
- Tu também tá sendo muito importante pra mim. Se tu soubesse o quanto.
- Por quê?
- Por que??? Tu me dá muita força quando eu preciso...
- Isso é obrigação de amigo...
- E tu é só o meu amigo?
- Bem. Até agora. Você não definiu a minha posição no seu coração...
- Digamos que tu esteja bem próximo de ser...
- De ser...
- Muito mais que um amigo.
- O quê, por exemplo?
- O que tu acha, guri?
- Sei lá...
- Guri. A única coisa que mais me afasta de ti é essa questão do meu ex.
- E a idade?
- Tu me ensinou que a idade não tem nada a ver... Eu não te vejo tão distante de mim assim. Tu sabe bem dosar essa questão da tua alegria. Tu é bem maduro quando precisa ser. É disso que eu estou precisando na minha vida. Alguém que possa me fazer rir um pouco.
- Tais me chamando de palhaço de novo?
- Não. Tô apenas te dizendo que tu tais sendo uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida
Frases como essas fizeram acreditar que finalmente eu era visto como alguém que poderia ser importante na vida de outra pessoa. Que alguém no mundo sentia-se bem em poder me ouvir e fazia questão de um dia estar realmente comigo sem interesses e teria uma certa preocupação em não me machucar. Alguém quem ficou surpresa quando eu falei que gostava de escrever para teatro e que um dia iria colocar uma peça que gosto muito em cartaz. Ela sempre me perguntava como estava o andamento desse meu projeto e quais eram os meus planos para esta peça. Sempre perguntava quando eu a iria deixar ler. Eu respondia que um dia quando estivéssemos juntos. Ela ria e dizia que este dia iria ser um dos mais marcantes de sua vida. O dia que estaria ao meu lado.
Foi assim que eu comecei a me apegar cada vez mais àquela gaúcha. Mas por quê é que a danada não me mandava uma foto sequer? Sei que ela tinha medo do ex., mas e daí? Eu não seria louco de colocar a foto dela nos jornais e nem divulgar na net que estava tendo um affair com aquela mulher. Sinceramente o que acontecia comigo era bom demais pra ser verdade.

4

E a notícia desse meu bem-estar chegou aos ouvidos dos meus amigos e as piadas começaram. Eles sempre foram pessoas que me colocaram pra cima, independente de qualquer situação em que eu me encontrasse. Para eles era uma faca de dois gumes, por um lado a mulher realmente era sensacional e o bem que ela me fazia era um fato mais que comprovado. Mas por outro lado eles achavam que essa mulher era muito feia e que com certeza quando eu a visse iria perder todo o encanto. Mas, eu continuava apostando no contrário. Tinha quase a certeza que aquela voz aveludada e melosa que eu ouvia ao telefone tinha que pertencer a uma mulher bonita. Não. Dessa vez tinha que ser coerente.
As outras experiências que tive com vozes e mulheres foram meio desastrosas. Nem sempre uma coisa tinha a ver com a outra. Mas um exemplo bem claro disso sou eu. Um cara realmente feio e com uma voz que já foi comentada como agradável. Mas vamos voltar ao que interessa.
Passados alguns dias, finalmente deixei de ser peão de rua e me tornei peão de computador. Não trabalhava mais externo e sim do jeito que sempre quis, de frente pro micro, sem calor, sem barulho, sem aquela movimentação da rua e sim com aquilo que sempre gostei de fazer: desenhar.
Numa noite de terça feira, eu havia preparado o espírito de Beatriz para o que iria acontecer e que eu queria uma resposta do veredicto. Ela me disse que no dia seguinte me ligaria assim que pudesse com a resposta e que eu rezasse bastante, pois estava sentindo que o páreo era duro e estava com muito medo de perder. Como combinado, no dia seguinte ela me ligou. Eufórica. Eram por volta das 15 horas quando eu ouvi sua voz ao telefone. Ela me disse que tinha ganhado a audiência e que a primeira pessoa extrafamília que sabia do resultado era eu. E ela me agradecia sem parar e isso me fazia muito bem. Falou ainda que estaria viajando no dia seguinte para fazer alguns trabalhos em algumas cidades do interior do estado e, que estaria de volta dentro de mais ou menos quinze dias, mas que quando voltasse me ligaria com certeza.
No outro dia enviei-lhe um cartão, mesmo sabendo que ela só iria vê-lo quando voltasse de viagem. Mas ela demorou a me responder e isso aumentou a minha angústia. Que diabos essa mulher tanto fazia que não podia ao menos me ligar? Já que não é em todo o lugar do interior do Brasil que se pode ter acesso à internet facilmente. Passaram-se longos dias até que ela me respondeu com um e-mail. E, logo em seguida, me ligou dizendo que estava morrendo de saudades e essas coisas todas que fazem quem está desacreditado de uma paixão voltar a acreditar em tudo. Passamos a nos corresponder mais constantemente e isso me deixava feliz. Eram e-mails e mais e-mails trocados. Horas de telefone. Eu ia trabalhar arrasado, pois os nossos horários eram os mais inconvenientes para os outros e os mais cômodos pra mim, nos falávamos tarde da noite e adentrávamos a madrugada. Como todo mundo precisa contar a alguém o motivo da minha felicidade sempre conversava bastante sobre essa nova descoberta amorosa com o meu amigo Sebastião. Ele adora ouvir e ficava sem saber por que cargas d’água aquela mulher não se apresentava pra mim. Pergunta para qual eu não tinha resposta.
Quando pensei que as coisas tinham engrenado e iam tomar prumo... Outra viagem, e agora uma bastante demorada. E foi dessa vez a que eu realmente não acreditei mais em sua volta. Desisti. Ela dessa vez caprichou. Sumiu literalmente do mapa. Foi quando numa de minhas tardes de travessuras na internet conheci Kika. Um doce de pessoa que me deixou encantado com a simplicidade e com a forma que se interessou por mim. Adorei logo de cara. No mesmo dia que nos conhecemos, passamos horas na net, trocamos telefones e fomos assim aos poucos nos afinando cada vez mais até que certo dia ela me contou que estava voltando para o seu ex namorado e que não seria muito conveniente se ele quisesse ligar para ela durante a noite e o seu telefone estivesse ocupado. Foi um jeito um tanto quanto educado de dizer “cai fora, cara”.
Como eu disse no começo dessa história, não tenho sorte mesmo. Os relacionamentos que acontecem na minha vida, geralmente, são unilaterais. É um sufoco encontrar alguém que goste ou se dedique a mim, da mesma forma que eu me entrego ou me dedico. E assim se foi mais uma esperança de ser feliz.
Certo dia estava eu, o Nascimento e o Sebastião, almoçando num bar próximo ao trabalho quando chegou a hora de ir embora. Enquanto eles pagavam o restante da conta, levantei-me e fui até a calçada. Do outro lado da rua estava parado um desses carros enormes e bonitos e dentro dele havia uma linda mulher, que parecia um tanto quanto nervosa. Ela olhava fixamente na minha direção, a princípio pensei que ela não me olhava, e sim apenas em minha direção. Porém, logo percebi que realmente ela me olhava fixamente. Pensei que havia alguma coisa errada comigo, mas depois de uma rápida verificação, vi que não estava com a roupa ou a boca sujas. Então, atravessei a rua pra ver se ela parava de olhar. Talvez fosse apenas um engano. E se ela tivesse acompanhada pelo noivo, marido ou namorado? Quando cheguei do outro lado da rua tive que passar por trás do seu carro, esses meus passos foram seguidos de perto por uma outra mulher que estava de bermuda, tênis e camiseta, que em seguida entrou no carro. Qual não foi a minha surpresa ao me virar para esperar os colegas e ver que a mulher que estava no carro ainda me olhava. Foram longos segundos, era como se o mundo se movesse em câmera lenta. Parecia que a terra estava parando para observar a nossa troca de olhares. Mas eu não me cansei de olhar pra ela. Por trás dos seus óculos escuros havia uma expressão de admiração e um certo pânico. Por alguns segundos nos encaramos fixamente. Tempo esse que parecia uma eternidade. Quando a sua amiga entrou no carro pude, mesmo à distância, ler os seus lábios:
- Ele me viu!
Quem seria ele? Quem seria aquele homem que estava sendo observado por aquela mulher tão linda de pele que exalava maciez. Um rosto delgado e delicado, perfeito. Um nariz que parecia ter sido colocado no lugar por um Michelangelo. Os cabelos longos e soltos.
O meu observar durou tanto tempo e chamou tanta atenção que os meus amigos chegaram e perguntaram o que eu estava olhando.
- Nada!
Mas, o mais interessante foi a sua saída. Ela parecia ter ficado bastante nervosa. Não conseguia tirar o carro do lugar, me olhava, olhava para o câmbio do carro, para frente e sempre, sempre voltava o seu olhar pra mim. Por fim conseguiu e saiu apressada. Dei as costas e fui embora. Voltei pra a minha vidinha de sempre, mas por alguns minutos fiquei com o pensamento fixo de que aquela mulher era a Kika. Quando cheguei em casa no final do dia liguei pra ela e perguntei o que havia feito naquele dia. Ela saiu relatando e eu perguntei se tinha passado pelas proximidades da empresa que eu trabalho e ela me respondeu que se um dia eu passasse por lá, com certeza me ligaria pra nos encontrarmos. Então quem porra era aquela mulher?

5

Passados alguns dias do meu aniversário, eu havia chegado em casa e estava realmente chateado com o fato de Beatriz nunca mais ter me ligado e nem ao menos ter me enviado um só cartão de aniversário. Que falta de consideração!!! Que descaso é esse??? E os sentimentos onde é que ficam???
De repente um toque do telefone, aquela voz macia e aquele sotaque lindo:
- Como é que foi a festa de aniversário?
Quase caí pra trás. Era ela novamente!!! Ela estava de volta!!! Quase não acreditei. Sentei e começamos um papo gostoso. Depois de quase vinte dias ela me agraciara novamente com a sua presença ao telefone. Perguntei por onde ela andara por todos esses dias que esteve sumida. Ela me respondeu que estava em Aracaju.
Mais uma vez ela viajara para resolver os problemas daqueles malditos supermercados. Que povo demente!!! Não sabiam resolver as coisas sós!!!. Disse-me que estava louca para voltar. Não agüentava mais aquele lugar. Queria saber como tinha sido a minha festa de aniversário e como eu me comportara depois. Falou-me ainda que a caminho, recebera uma ligação informando-lhe que alguém muito próximo a ela estava precisando da sua presença num hospital em Recife. Antes de qualquer coisa, ligou pra casa de sua mãe e certificou-se de que não tinha sido ninguém da família, o que não diminuiu a sua angústia. Ao chegar lá constatou que essa pessoa era uma grande amiga sua que tentara o suicídio cortando os pulsos por quê o marido a deixara. Na verdade ele a trocara por sua irmã, parecia até roteiro de Nelson Rodrigues. O pior de tudo não foi ter deixado-a e sim, ter levado todo os móveis da casa, além disso, ela estava endividada e sem emprego, pois ao casar ele exigiu que ela abandonasse toda e qualquer atividade. Ele a queria apenas em casa. Na minha opinião a felicidade maior desse casal foi a de não ter tido filhos. Mas passou.
Depois de uns dias organizando os seus horários, o nosso relacionamento tomou o rumo que eu esperei. Ela começou a me ligar todos os dias. Era isso que eu queria, atenção, só assim eu iria conquistar e enlouquecer aquela mulher. Se ela me desse atenção, as coisas iriam fluir muito bem. Estávamos ótimos, nos divertíamos bastante, confessávamos os nossos desejos e nos preocupávamos totalmente um com o outro. Certo dia ela me deu um susto. Desapareceu durante três dias. Não me deu sinal de vida. Pensei que tudo que me afastava dela, tinha começado novamente. Mas, de repente numa manhã de Sábado, ela me acordou para dizer que estava bem. Falou que, por conta de um temporal que caiu ela havia ficado ilhada numa cidade que não tinha sequer um orelhão. Durante esse período ela estava no Ceará. Numa dessas noites ela me confessou que estaria voltando e que, dessa vez quando voltasse não iria ter jeito, iria me encontrar. Lembro-me perfeitamente, na tarde do mesmo dia, ela me confessou que estava louca para desembarcar em Recife. Queria me ver a todo custo. Falou que iria me buscar em casa vestida com o seu uniforme de colegial e que me levaria para o primeiro motel que encontrasse. O uniforme de colegial fazia parte de uma fantasia sexual dela. Isso, segundo ela, aconteceria na terça-feira seguinte. Na madrugada do sábado para o domingo conversamos bastante e ela me falou que não tinha jeito, eu era o homem que ela havia procurado a vida toda. Falava o tempo todo que estava louca por mim. Nessa madrugada as nossas conversas foram mais picantes do que você possa imaginar. Num determinado momento de nossa conversa eu falei pra ela que teria que me barbear e ficar arrumadinho pra encontrar com minha namorada. Ela então falou:
- Posso te pedir uma coisa?
- Claro!
- Não te barbeia!
- Por quê?
- Por que eu nunca te vi barbudo.
- Mas na foto que eu te mandei eu estava barbudo.
- Mas eu nunca te vi barbudo...
- Como assim nunca me viu barbudo? Por acaso você já me viu alguma vez?
- ...
- Responde...
- Já .
- Quando?
- Uma vez...
- Onde?
- Perto do teu trabalho.
- Quando?
- Um dia...
- Que dia?
- Uma vez, eu estava no escritório esperando um caminhão da empresa que estava pra chegar com umas plantas que eu tinha que revisar. Mas, o caminhão quebrou e como eu tinha que revisar aquelas plantas com urgência fui ao encontro do caminhão e aproveitar para dar uma ajuda ao motorista, ver se ele iria precisar de alguma carona, coisas do tipo. Quando cheguei lá e estava conversando com ele tu passou com dois amigos seus de volta do almoço. E eu comentei com o motorista da empresa. Como a vida é irônica. Enquanto nós estamos aqui com uma senhora dor de cabeça por causa do carro quebrado aquele pessoal que vai atravessando a rua está tão despreocupado com a vida... Foi quando ele me disse que te conhecia. Que tu morava no mesmo bairro que ele.
- Como é o nome dele???
- Isso eu não posso falar...
- Certo Continue.
- Então eu falei pra ele que tu era amigo do meu irmão e que ele não sabia onde tu morava. Gostaria de te fazer uma surpresa e se ele poderia me levar até a tua casa. Ele falou que sim, então foi fácil.
- Você sabe onde eu moro?
- Claro que sei. Tua casa tem um muro alto com portões marrons de madeira...
- Você é louca...
- Sou sim louca por ti...
- E foi assim? Só isso? Nunca mais você me viu???
- Vi sim algumas vezes...
- Quando?
- Depois eu falo.
- Depois não. Depois eu quero que a gente fale pouco e beije muito...
- Certo. Bom. Uma vez eu te vi no Shopping mais próximo de tua casa. Fui com a minha amiga Adriana. te vi com tua filha... Vocês se amam. Dá pra ver de longe.
- E por que você não falou comigo???
- Tá louco? Eu morria de vergonha antes...
- E agora?
- Se eu te encontrar na rua agora eu te ataco e te dou um monte de beijos...
- Ta. Mas só foram essas duas vezes que você me viu?
- Não. Teve uma vez que eu te vi e foi quando eu me apaixonei definitivamente por você e pela pessoa que tu é.
- Quando foi isso?
- No aniversário do teu amigo. Em Olinda.
- Você estava lá?
- Estava. Bem pertinho de você.
- Lá fora ou dentro?
- Dentro.
- Você me viu cantando??? Meu Deus!!! Que vergonha!!!
- Eu te achei um cara muito querido. Os teus amigos te adoram. Tu consegue ser divertido o tempo todo. Tu brincou até com o garçom...
- E eu não te vi?
- Viu sim!
- E o que eu fiz???
- Tu me encarastes umas duas ou três vezes mas, como tu é um homem sensato e me viste na mesa com os meus amigos, então...
- É... Com certeza eu tive medo.
- Pois é. Mas foi desse dia em diante que passei a te gostar cada vez mais, pois tu é uma pessoa simples e os teus amigos não são interesseiros como são os amigos meus e as pessoas que eu conheci. Tu passa a imagem de alguém que gosta de verdade dos teus amigos e os teus amigos realmente parecem gostar de ti.
- Mas nós nos damos bem. Não é um jogo de interesses. È uma questão realmente do gostar do outro e ver o outro bem. Ver o outro feliz. Isso independente de qualquer coisa que o outro tenha ou possa vir a ter.
- Pois é nisso que eu me diferencio de ti. Os meus amigos de verdade são poucos e os restantes são interesseiros.
- Entendo.
- Mas o que eu mais gostei naquela noite foi ter visto uma coisa que me deixou mais encantada ainda.
- O quê?
- O teu sorriso.
A partir daí a conversa relaxou mais e eu me encantei mais ainda. Nos desnudamos ao telefone, ela me pediu para que a fizesse ter prazer naquele momento nem que fosse ao telefone.
Era impossível não se apaixonar. As pessoas que não dão muita importância a esse tipo de situação, no mínimo nunca passaram por ela. Essa coisa me arrebatou em um dos meus momentos mais fracos e veio trazendo uma mulher imperativa, forte e com um charme na voz capaz de seduzir até o mais duro dos marmanjos. O que era complementado pela descrição que ela fazia do seu corpo. Realmente quem não escorregasse nas suas curvas ou era boiola ou nem sei o quê...
Depois, em determinado momento estávamos falando das coisas que gostaríamos de fazer um com o outro no dia-a-dia e eu disse que uma das coisas que teria vontade de fazer com ela era dar uns amassos no cinema. Isso a deixou surpresa.
- Guri, quer dizer que tu namora no cinema também???
- Você nunca fez isso?
- Nunca!!! Morro de vergonha!!!
- Pois depois que estivermos juntos com certeza vamos fazer isso...
- Não sei...
- Tem que saber.
- Por falar em cinema um dia quero ir contigo.
- Ótimo.
- O que vamos ver?
-Não sei. Mas pode ficar certa que eu vou de saia.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Quero que tu me ensine a ser assim como você.
No Domingo nos falamos rapidamente ao telefone durante a tarde. Fui dormir cedo. Estava cansado de tantas noites e, além do mais, ela havia dito que não iria ligar naquela noite, pois queria deixar tudo pronto para viajar ainda na segunda-feira.


6

Na Segunda-feira cheguei eufórico no trabalho. Falei para o meu amigo “Sebastian” que no dia seguinte iria encontrar definitivamente com a gaúcha. Fomos almoçar e na volta ele comentou que eu estava parecendo um menino com a sua primeira namorada.
Mas acontece que a minha alegria durou pouco. Na Segunda ela não me ligou, nem na famosa terça-feira. Eu fui dormir as três da manhã esperando o toque do telefone. Só tive notícias dela na quinta-feira.
Quando estava indo para o trabalho alguém me ligou e deixou um recado na caixa-postal do celular “Precisamos conversar. Temos uma amiga em comum” a voz era a mesma que a dela, mas o sotaque era pernambucanês puro... Passei a mensagem umas quinze vezes. Na hora do almoço quando já estava de saída recebi uma outra ligação. Era Adriana a melhor amiga de Beatriz, passamos quarenta e cinco minutos no telefone.
A minha gaúcha havia tentado o suicídio. Cortara os pulsos entre o domingo e a segunda-feira. Foi levada às pressas para São Paulo. Estava em coma. O seu organismo estava muito debilitado por causa dos calmantes que vinha tomando nos últimos anos. Ela nunca me falou sobre isso. Entrei em desespero, mas tentei me controlar. Era como se o mundo de sonhos que planejamos estivesse acabando naquela hora. Fui para a casa em silêncio absoluto. Ao chegar liguei para o meu grande amigo Pereira. Um dos meus grandes amigos de fé. Ele sabia realmente de tudo o que eu sentia pela gaúcha. Nos encontramos numa lanchonete próxima a nossa casa e começamos a conversar sobre o que poderia ou não acontecer e por volta de uma hora da manhã fui para casa com a esperança de que tudo daria certo. Que nada de mal aconteceria à minha deusa loura.
Ledo engano. Na sexta-feira Adriana me ligou novamente afirmando que os médicos estavam perdendo as esperanças. O organismo de Beatriz poderia não agüentar. Houve uma grande perda de sangue.
Nesta tarde tive uma crise nervosa. Depois de conversar com Adriana ao telefone, parei e fiquei olhando a chuva que caía forte e juntava poças no pátio da empresa. Acendi um cigarro e fiquei por minutos pensando o que seria de mim se nunca mais ouvisse a voz da gaúcha novamente. Pensei em cada frase que ela me falou durante o nosso período de paquera virtual, do nosso lindo período de sonhos. Depois de muito pensar, decidi voltar para a sala de trabalho. Caminhei pela chuva até entrar no prédio, parecia que os pingos da chuva não me molhavam, não sentia a água bater no meu corpo. Só depois que abri a porta da sala de trabalho é que senti cada pingo congelando sobre a minha pele. Era como se fossem lâminas afiadíssimas a me cortar a num só momento e ao mesmo tempo. Respirei fundo, fechei a porta atrás de mim. Os meus amigos já sabiam mais ou menos o que se passava. Sebastião encarregou-se de contar-lhes. Caminhei até a minha mesa, sentei e coloque a mão sobre o mouse. Foi quando ouvi a voz baixinha e pausada de Clerinho, o grande Clerinho, a me perguntar se eu estava bem. Essa foi a deixa pra eu desatar num choro desesperado, descompassado e silencioso. Clerinho ainda me mandou largar o mouse, pois o cursor estava correndo solto pela tela e se por acaso eu fizesse um movimento involuntário como um clique no local errado poderia estragar o trabalho que tinha começado. Obedeci. Chorei como uma criança em pleno local de trabalho. Isso para mim era um absurdo. Tentei me controlar, mas foi quase impossível, os meus amigos foram bastante compreensíveis e respeitaram o meu momento de dor. Nesta tarde, ninguém brincou com ninguém, como era de costume. Ficaram em silêncio o restante do expediente. Fui para casa abatido.
Na Sexta feira à noite, Adriana me ligou pra dizer que foi diagnosticada a morte cerebral de Beatriz. No Sábado, as sete da manhã, iriam desligar os aparelhos. Era o fim. A minha Gaúcha havia morrido. O meu sonho de felicidade havia realmente acabado. No momento em que recebi esta ligação de Adriana estava no prédio do Senac. Estava num terraço do prédio. Ouvia calado as palavras de Adriana e prestava bastante atenção no seu tom de voz que ia ficando cada vez mais sombrio, ia se fazendo mais pesado até desatar num choro. Ela me pedia o tempo todo que perdoasse a sua amiga, o motivo que a tinha levado a esse ato de fraqueza, não era maior do que o amor que a gauchinha sentia por mim. A cada palavra que eu ouvia, sentia mais e mais um frio envolver o meu corpo. Era como se a mão da morte estivesse ali ao meu lado, fria e serena para me avisar que a gaúcha não existia mais. Tinha mais e mais vontade de chorar, mas era como se as lágrimas não quisessem brotar dos poços. As luzes da cidade embaçavam-se ao longe e os sons dos automóveis agora chegavam abafados aos meus ouvidos. Enquanto ela falava, eu pensava em cada parte do corpo da gaúcha que eu imaginara, nas suas mãos, pés e boca. Pensava na suavidade dos movimentos de seus braços, no balanço de suas ancas ao caminhar, pensava que tudo o que ela tinha de mais bonito e forte iria se levantar da cama daquele hospital e correr para junto de mim, me abraçar e dizer-me que ela estava viva e seria inteiramente minha quando eu quisesse. Depois dessa notícia entrei num ônibus a caminho de casa. Adriana me ligou novamente ainda me esclarecendo certos fatos que eu desconhecia sobre a minha Beatriz. Falou-me que ela era realmente louca por mim, que certa vez, estavam na casa de uma outra amiga, também muito próxima e depois de umas taças de vinho ela se trancou no quarto da dona da casa e me ligou. Após uns vinte minutos ela saiu. Por conta desse telefonema eu ganhei um apelido, Colírio. Não pela minha beleza (o que está longe de ser), mas porque todas as vezes que ela me ligava os seus olhos azuis ficavam ainda mais azuis e com um brilho que pareciam duas pedras de Águas Marinhas.
Fui para casa e liguei para o meu inseparável amigo Pereira que estava na casa da namorada. Comuniquei que estava acontecendo e pedi para que quando chegasse em casa me ligasse, pois precisava desabafar. Quando ele desligou o telefone, falou o que havia acontecido para a sua namorada. Beta ficou chocada e falou pra que ele não demorasse tanto. Foi o que ele fez, pouco menos de uma hora depois estava me ligando. Marquei novamente na lanchonete. Quando ele chegou lá eu já estava. Havia pedido um refrigerante e batatas fritas. Ele sentou-se com uma expressão de “o que será que eu falo?” mas, por se tratar de uma pessoa muito cabeça feita ele preferiu me ouvir e era isso que eu precisava naquele momento, alguém que me ouvisse. Alguém que não achasse ridículo o fato de eu ter me apaixonado por uma mulher que eu nunca vi. Uma pessoa que poderia ser um travesti como insinuou outro dia em uma brincadeira o meu amigo Félix. Depois de ter chorado bastante na lanchonete fui para casa. Havia tomado alguns goles de cerveja. Foi fácil dormir. Estava cansado, o corpo cansado, a cabeça cansada...
No outro dia acordei mais cedo que o habitual. Tomei um banho e troquei de roupas. Comi algo que não me lembro agora o que foi, mas sei que era leve. Faltavam três minutos para as sete da manhã, quando eu parei em frente ao telefone para ligar para a Adriana. Imaginei nesse momento os médicos se preparando para desligar as máquinas. O fim do barulhinho irritante da máquina que acompanha o coração. O oxigênio sendo cortado. Será que o corpo teria alguma reação??? Será que ela se contorceria em cima da cama? Ao menos de leve?
Sete horas em ponto. Liguei para Adriana:
- Acabou! A minha Gaúcha morreu!
- Eu sinto muito!
Fui trabalhar, ao chegar na empresa havia uma expectativa por parte dos meus amigos. Eles não sabiam do pior. Ao abrir a sala dei de cara com Fábio que me perguntou:
- E aí? Ela melhorou?
- Morreu!
Fez-se um silêncio curto, grave e pesado como algo não se pode imaginar. Algumas pessoas se lamentaram e eu sentei para trabalhar. Foi assim que perdi a minha gaúcha.
Adriana se fez próxima e solidária. Nos amparamos na dor um do outro. Ela me consolava por ter perdido o meu sonho de paixão e eu a confortava por ter perdido a sua melhor amiga. Uma parte da sua adolescência e uma maturidade haviam sido ao lado de Beatriz e agora não havia mais Beatriz. Só as lembranças das coisas mais belas que viveram.
Um dia ela me ligou dizendo que tinha algo para me entregar. Era uma carta de despedida que Beatriz havia preparado para ela, mas que ela se sentia na obrigação de me deixar ler, pois eu precisava de algo para entender o motivo daquele suicídio. Foi pior. Se sem carta eu já não entendia muita coisa, com a chegada dessa carta eu entendi menos ainda. Junto com a carta veio também um e-mail que ela nunca chegou a me enviar. Mas era um pedido de desculpas por uma discussão tola que tivemos outro dia ao telefone. Era isso... Nem nos conhecíamos, mas também tínhamos as nossas brigas de namorados. Havíamos combinado que eu lhe entregaria o texto da minha peça de teatro. Ela se mostrou interessada em ler, pois Beatriz falava sempre a respeito deste assunto. Durante o nosso primeiro encontro ela conversou que conhecia muita gente do meio artístico como produtores e diretores. Não me interessei muito em lhe pedir uma aproximação com esse pessoal. Gosto de conquistar as coisas com o meu próprio esforço. Ela por sua vez não se ofereceu a me prestar este favor, então...
Passamos a nos falar ao telefone cada vez mais, chegamos algumas vezes a chorar juntos. Depois do choque nos tornamos cada vez mais próximos. Ela me falou que a gaúcha chegou a recusar convites para sair com homens de status na frente de todas as pessoas com o argumento de que o homem dela era outro e sabia fazer dela uma mulher de verdade. Quando lhe perguntavam que era ela simplesmente dizia. “Não é de tua conta”. Falou-me ainda que não foram apenas três vezes que ela me seguiu. Certa vez elas passaram o dia numa tocaia perto do meu trabalho e ficaram lá desde a hora que eu cheguei até a hora que fui embora. Era ela a mulher misteriosa dentro do carro no dia que fui almoçar. Ela havia ficado nervosa com medo que eu descobrisse quem ela era. Assim era a minha gaúcha. Essa foi a mulher que eu perdi e nada no mundo poderia traze-la de volta agora.

7

Depois de alguns meses eu já estava acostumado com a idéia de que existem sonhos na nossa vida que por mais que tudo esteja a favor, eles nunca serão realizados. Dessa vez eu me conformei de que a culpa não tinha sido minha. Mas o pior de tudo é que alguém que eu amei foi embora sem dar nenhuma satisfação. Não era a primeira vez que isso acontecia, só que dessa vez eu não iria esbarrar com ela, como era de costume, dentro de uma boate, ou numa rua do centro da cidade ou ter notícias dela por intermédio de alguém. O mais difícil era aceitar a idéia de que alguém que eu quis pra ser o meu par tinha literalmente tinha morrido.
Mas o meu tormento não terminara por aí. Continuei seguindo a minha vidinha do mesmo modo de antes. Mas as coisas estranhas começaram a acontecer. O meu telefone começava a tocar durante a madrugada. Não eram os meus amigos, isso eu tenho certeza. Eles não fariam isso sabendo da dor que eu passei. Eles me respeitam bastante pra saber que com essas coisas não se brinca. Os telefonemas foram dados umas três vezes. Depois pararam. Ainda por cima o subconsciente continuava me castigando. Os meus sonhos se tornaram macabros e diferentes de tudo o que eu já tinha visto. É como se antes de dormir eu tomasse uma overdose de LSD. Tudo poderia acontecer dentro deles e, quando eu acordava, muitas vezes pensava por alguns minutos que aquilo tinha realmente acontecido. Com o tempo e as ocupações do dia a dia tudo foi mudando como devem ser as coisas nesses casos. Depois de um tempo Beatriz tinha se tornado uma lembrança de algo bom que acontecera em minha vida. Seria assim ara sempre. Uma lembrança. Algo de bom que já tive em minha vida.
Certa vez (haviam se passado quase dois meses da morte de Beatriz), eu estava num bar com uns amigos, estava bem distraído quando um dos amigos me mostrou uma linda mulher loura que ao fundo não tirava os olhos de nossa mesa e pra ser exato ela não tirava os olhos de mim. Observava todos os meus movimentos. Depois que eu comecei a encará-la ela desviou o olhar, pediu a conta, levantou e saiu. Todos na mesa riram e começaram a brincar e me chamar de gostosão. Todas aquelas brincadeiras bobas que se faz numa mesa de bar quando essas coisas acontecem.
Um dia a minha amiga Adriana me ligou dizendo que tinha um assunto que muito me interessava e precisava encontrar comigo de qualquer jeito no dia seguinte. Como combinado, estava lá no final da noite. O local era um barzinho à beira mar de Olinda. Ela, como sempre pontual, não me deixou esperar por mais de cinco minutos, pontual demais para uma mulher, conversamos algumas coisas preliminares, pedimos alguma coisa pra beber e depois entramos na conversa que ela tanto queria.
- Bom. Depois de tanto me divertir com a tua peça. Tenho uma notícia que é boa pra você.
- Qual?
- Alguém quer que você vá para o Rio de Janeiro.
- Fazer?
- Eu mandei a tua peça pra um amigo ler, ele é produtor teatral. Já produziu gente muito famosa como o Fallabela, Ney La Torraca, Nanini e outras pessoas. Ele me disse que o roteiro é muito bom e que promete. Mas pra vocês conversarem é preciso que você dê um pulinho ao Rio de Janeiro, dispondo de, pelo menos, uma semana.
- Por que?
- Porque ele quer você como convidado vip num congresso nacional de autores, diretores e produtores teatrais que vai acontecer daqui há quinze dias.
- E o meu trabalho?
- Você vai ter que dar um jeito.
- Que jeito?
- Pedir licença... Coisa desse tipo.
- E se eu não topar?
- Só quem pode perder é você.
- ...
- Acho que é a oportunidade que você estava esperando.
- Tudo bem. Até quando posso te dar a resposta?
- Até amanhã à noite. Se você topar tem que me dar todos os seus dados pra que sejam feitos reservas de passagens, hotel e essas coisas, entende?
- Entendo. Amanhã te dou a resposta.
Fui pra casa com aquela proposta na cabeça. De repente teria de ir ao Rio de Janeiro, um lugar que nem de longe me passara pela cabeça de ir, falar com alguém que eu nunca tinha visto e ficar num hotel que eu nem sei se prestava. Aliás, nem sabia qual era. Conversei com os familiares e os amigos que disseram que era uma boa pra a minha carreira artística. (Que carreira???). Então decidi que iria aceitar o convite. Como combinado liguei no dia seguinte para Adriana e disse que topava. Forneci os dados necessários e ela me disse que dentro de dois dias eu estaria recebendo, em casa, o material necessário para a minha viagem.
Na empresa tinha que dar um jeito de conseguir me afastar por pelo menos uma semana sem que colocasse o meu emprego em risco. Marquei uma horinha com o patrão e expus o problema. Falei que aquela era uma oportunidade que eu não poderia deixar de agarrar, que gostaria de continuar trabalhando na empresa e que, se fosse preciso, ele poderia descontar do meu salário os dias que passaria fora. Qual não foi a minha surpresa quando ele falou que eu poderia me despreocupar. E ainda completou que os serviços da empresa não estavam tão corridos a ponto de eu não poder me ausentar por uma semana. YES!!!
Nesse dia mesmo corri ao Shopping mais próximo e tratei de comprar umas roupas para a viagem. Nessa hora entra em cena o pesadelo de todo brasileiro: O crediário. Mas tinha que ser feito. Afinal, já pensou eu num congresso todo mal vestido???
Conforme o que a Adriana falou, dois dias depois chegou na minha casa um envelope com as passagens de ida e volta e a reserva do Copacabana Palace. Copacabana Palace!!!! Eu ia ficar hospedado no Copacabana Palace!!! É muita coisa, né??? Pra um cara que um dia desses tava entrando em buracos no meio da rua, passar uma semana hospedado no Copacabana Palace!!!! Além disso, tinha uma carta explicativa (uma espécie de pré-roteiro) do que eu deveria fazer e quem eu deveria procurar ao chegar no aeroporto. Na carta dizia que ao desembarcar no aeroporto Antonio Carlos Jobim (O aeroporto do Tom!!!!), eu seria aguardado por um tal de Eduardo que me levaria até o hotel e seria o meu cicerone durante o meu primeiro dia na cidade, já que os eventos só iriam começar dois dias após a minha chegada.

8

Mas enquanto o dia da viagem não chegava, eu continuava a minha vidinha, só que um pouco mais ansioso por meu desembarque na Cidade Maravilhosa. Já pensou??? Eu estaria no Rio. Copacabana, mulheres bonitas, bumbuns, Topless... No trabalho, começavam com as piadinhas dizendo que quando eu ficasse famoso e estivesse no Jô, mandasse um abraço para os colegas da empresa.
Finalmente chegou o dia de minha vigem. Os meus amigos de fé fizeram questão de me levar até o aeroporto. Parecia a comitiva de um chefe de estado. Quatro carros pra levar uma só pessoa até o aeroporto. Depois de alguns minutos me despedindo da família e dos amigos, o alto-falante anunciava a saída do meu vôo para dentro de trinta minutos. Foi o tempo suficiente pra uma rodada de cervejas e refrigerantes e lá fui eu...
A sensação da primeira viagem é interessante. À primeira vista o que pensei é que os meus intestinos iam ser arrancados pelas minhas pernas. Depois essa sensação passou e eu relaxei. Relaxei mais ainda quando notei que ao meu lado estava sentada uma Loura lindíssima, com uma fisionomia que a princípio me era um pouco familiar. Tentei falar com ela, mas ela me respondeu em inglês que não sabia falar português. Perguntei para a aeromoça de onde aquele avião estava vindo e ela me falou que era um vôo vindo de Londres. Então descartei a possibilidade daquela mulher ser alguém quem eu um dia já tivesse visto. Não quis mais papo com ela, pois o meu inglês é mais feio que a minha cara e eu resolvi ouvir um pouco de música e relaxar.
Como tinha pegado o vôo das quatro da manhã desembarquei no Rio por volta das sete horas. Quando estava pensando o que fazer para encontrar o tal de Eduardo. Um sujeito alto e forte de cabelos grisalhos e um sorriso simpático veio de encontro a mim e se apresentou. Notando a minha desconfiança ele tirou do bolso a sua carteira de identidade e eu pude conferir o seu sobrenome. Estava correto. Ele me conduziu até a saída do aeroporto onde uma BMW preta me esperava. Parecia historinha do James Bond. Ao entrar no carro, ele me entregou um telefone celular. Disse que se caso eu me perdesse ligasse imediatamente para ele que ele me localizaria. O número do seu telefone estava gravado na memória do celular. Aliás, por se tratar de um aparelho novo era o único número que estava na memória.
Sempre desconfiado, perguntei se aquilo estava sendo feito com todos os convidados para aquele evento. Ele me respondeu que não. Mas como o Augusto era muito amigo da Adriana ele resolveu me tratar como se estivesse tratando a ela. Disse a ele que se esse cara tava pensando em ter alguma coisa comigo poderia esquecer, pois o que eu gosto mesmo é de mulher. Rimos um pouco e ele então ligou o carro e partimos. Quando estávamos saindo dos limites do aeroporto eu vi a loura que estava ao meu lado no avião. Ela sorriu e me acenou, entrando num carro daqueles de presidente da república. Fiquei um pouco atordoado e sorri amarelo. Eduardo olhou pra mim e disse que eu já estava me dando bem no Rio.
- Não te ilude, Eduardo. Com certeza eu nunca mais vou ver essa mulher.
- Nunca se sabe amigo.
Quando chegamos ao hotel, nos dirigimos à recepção e fomos atendidos por uma moça bastante simpática. O meu guia estava resolvendo todas as coisas relativas à reserva do meu quarto. Eu escutava tudo enquanto olhava com deslumbre o saguão daquele hotel. Era um show de decoração e eu imaginava como seria o quarto que eu iria ficar. De repente, voltei a realidade quando Eduardo chamou o meu nome e entregou-me a chave do quarto. Falou-me que iria embora e antes de ir pediu para que fizesse o teste do aparelho celular que ele havia me entregue. Depois de ligar, ele falou que me apanharia às vinte horas para darmos uma volta, pra que assim eu conhecesse um pouco da night carioca. Sorri e ele me falou pra ficar despreocupado, pois se acontecesse qualquer coisa comigo, ele perderia o emprego.
Um carregador do hotel me acompanharia até o quarto. Depois que entramos no elevador ele apertou o botão do quinto andar. O elevador nem fez barulho e em poucos segundos estávamos no andar selecionado. Saímos do elevador e seguimos pela direção esquerda do corredor. Suíte 523, esse era o meu quarto. Depois de me mostrar como tudo funcionava ele me falou que teríamos uma apresentação de uma cantora de blues depois do jantar e, se eu quisesse, minha mesa estaria reservada. Sorri. Parecia coisa de cinema. Dei-lhe uma gorjeta e ele se despediu dizendo que qualquer coisa interfonasse para a recepção e tudo seria resolvido.
Quando ele saiu fiquei parado por alguns segundos e comecei a olhar devagar as coisas ao meu redor. O modo como a cama era bem forrada, como as toalhas do banheiro estavam limpas e o banheiro tinha um odor agradável de pinho. Ao lado da cama estavam as mesas de cabeceira com lindos abajures e numa delas estava o telefone. Havia ainda no quarto, poltronas e um sofá, colocados estrategicamente de modo que mesmo sem paredes o quaro parecia ter uma ante-sala. Em frente à cama numa distância de uns três metros havia uma estante que se adaptava bem ao tamanho do quarto. Nela havia uma enorme tv, um vídeo e um aparelho de som. Havia uma estante, com portas de vidro, e, dentro dela havia taças, copos e algumas garrafas de bebidas. Nada que me agradasse. Havia ainda um pequeno Closet, nada muito exagerado, mas grande o suficiente para a minha mala ficar perdida dentro dele. A decoração do quarto em tons pastéis, combinavam perfeitamente com a luz do sol que entrava majestosamente pela porta de vidro da varanda. Dirigi-me até ela e abri com cuidado. Deixei as cortinas transparentes deslizarem ao vento e caminhei até o parapeito da varanda, lá havia cadeiras de madeiras bonitas, uma mesa e um guarda-sol. O mar estava ali à minha frente. Dava pra ver as pessoas caminhando pelas calçadas e todo o movimento da Praia de Copacabana, uma das mais famosas do mundo. O Rio de janeiro é lindo, sem dúvida nenhuma o cartão postal urbano mais lindo que existe. Passei quase dez minutos lá fora e o sol estava de lascar. Entrei fechei a porta de vidro, sentei-me ao lado do telefone e liguei para a minha casa. Minha filha atendeu e falamos durante algum tempo. Ela me perguntou quando é que eu iria voltar e eu lhe respondi que dentro de uma semana. Depois de me pedir um monte de coisas, ela resolveu passar o telefone para a minha mãe que perguntou como eu estava e como tinha sido a viagem e essas coisas todas que toda a mãe pergunta. Depois que ela soube que eu iria dar uma volta à noite, falou-me pra ter cuidado, pois o Rio de janeiro é um lugar perigoso e essas coisas todas. Depois de quase dez minutos ao telefone eu a convenci que tudo ficaria bem e que ligaria pra ela no outro dia por volta das dez da manhã. Ela concordou e nos despedimos.
Interfonei e alguém com uma voz muito doce me atendeu.
- Serviço de quarto.
- Será que vocês podem me mandar algo para lanchar?
- Claro senhor o que deseja?
- O que sugere?
- Que tal uma torta de chocolate?
- Não, é muita caloria pra um gordo. Mande-me um suco de laranja com um sanduíche de queijo. E mais uma coisa...
- Pois não.
- Vocês têm uísque?
- No bar, sim...
- Pode me mandar uma garrafa?
- Qual, senhor?
- Bells seria uma boa pedida.
- Mais alguma coisa?
- Cigarros...
- Que marca?
- Vocês têm tudo o que queremos, né?
- Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para agradar aos nossos hóspedes.
- Ótimo. Veja-me uma carteira do mesmo cigarro que você fuma.
- Desculpe, senhor eu não fumo.
- Tudo bem me veja uma carteira de cigarros que você achar bonita e me mande.
- E se o senhor não gostar?
- Eu não fumarei.
- Mais alguma coisa?
- Não, obrigado.
- Dentro de alguns minutos o senhor estará sendo servido, senhor.
- Sabe qual é o quarto?
- Claro. 523
- Obrigado.
- Disponha o nosso hotel agradece a sua estadia.
Desliguei o interfone e me dirigi ao closet e fui desarrumar a minha mala. Entrei no closet e senti um pouco de calor. Resolvi ligar o ar condicionado. Voltei e continuei arrumando as minhas roupas dentro das gavetas. Quando terminei, sentei-me na cama e liguei a tv. Nem deu tempo de ver o que estava passando na, pois a campanhia do quarto tocou. Era um rapaz trazendo o meu lanche e as coisas que eu havia pedido. Dei uma olhada, a garota havia acertado na marca do cigarro. Mais uma gorjeta e o rapaz foi embora. Resolvi tomar um banho. Tomei um banho demorado. Passei aproximadamente quarenta minutos no banheiro. Quando saí vesti uma bermuda, uma camiseta e calcei as minhas sandálias. Levei o carrinho que chegara com as coisas até a varanda me sentei numa cadeira, lanchei, acendi um cigarro, preparei uma dose de uísque, tomei um gole, apreciei o sabor, estava ótimo, fiquei olhando a vista da varanda.

9

Eram quatro horas da tarde quando acordei. O som do quarto estava ligado, a tv também. Eu havia me embriagado. Da garrafa de uísque restavam pouco mais de quatro dedos. Minha cabeça não doía, mas eu estava com uma sensação de cansaço terrível.
Depois de um esforço descomunal para me levantar resolvi tomar um banho. E que banho. Passei quase uma hora embaixo do chuveiro. Quando saí, enrolei-me num roupão do hotel e pedi outro sanduíche. Enquanto escolhia alguma coisa para assistir na tv a cabo, pensava no que poderia fazer à noite. Depois de uns dez minutos a minha refeição chegou. Comi e acendi um cigarro. Pensei nas coisas que haviam acontecido na minha vida. Essas coisas que agente faz de vez em quando. Lembrei de muita coisa e de muita gente. Lembrei inclusive de minha doce Beatriz. Tanto tempo já havia se passado e eu ainda não havia esquecido de sua voz e das palavras doces que ela me falava. Pensei o que estaria acontecendo com ela naquele momento. Eu acredito em vida após a morte e, pelo que sei, as coisas não são tão fáceis para os que tiram a própria vida. Eu sempre fazia uma pequena prece por ela todos os dias. Pensava e repensava nisso quando o interfone tocou. Eduardo estava na recepção e queria falar comigo. Autorizei a sua subida. Em poucos minutos ele estava à minha porta. Abri, pedi para que ele sentasse e esperasse um pouco enquanto eu trocava de roupa. Coloquei algo sem muita formalidade e me-sentei numa poltrona em frente a dele. Ele sorriu e falou:
- A farra parece que foi boa.
- É. Só parece. Quer terminar a garrafa comigo?
- Não posso. Ainda estou trabalhando. Vim aqui apenas pra saber como você está.
- Eu tô bem. Estava pensando em sair pra conhecer um pouco da cidade .
- Você é quem sabe.
- E o congresso?
- Tá tudo pronto.
- Certeza pra começar segunda-feira?
- Tudo prontinho.
- Passarei aqui pra te pegar às sete e meia da manhã na segunda-feira.
- Tudo bem.
- Amanhã você vai ter um almoço muito importante num restaurante chamado La Bone que fica na Ilha do Governador.
- O bairro da escola de samba?
- É.
- Com quem?
- Alguém que está lhe esperando pra falar com você a respeito do Congresso.
- Quem?
- Por enquanto não posso falar.
- Mistério?
- Digamos que sim.
- Tudo bem...
- Se você não for curioso pode ter uma excelente surpresa.
- Talvez...
- Por que talvez?
- Por que nem sempre o que pode ser surpreendente pra você, pode ser pra mim.
- Realmente pode ser. Nunca se sabe.
- Mas pelo que eu saiba. Não viajei até aqui pra ficar tendo surpresas e nem pra ficar imaginando que estou no meio de uma grande charada. Acho que se você parar de me tratar como se eu fosse um menino que vai ganhar um presente, posso começar a me irritar. - Fui ríspido e ele sentiu em meu tom de voz um certo aborrecimento.
- Foi mal. Não quis te tratar assim.
- Quem vai estar me esperando amanhã nesse tal restaurante?
- Uma das diretoras do Congresso. Como você é um convidado do Augusto, ela ficou encarregada de lhe passar os detalhes de tudo o que vai ocorrer a partir de segunda-feira no congresso.
- Quem é ela?
- Ana-não-sei-de-quê
- Bonito nome ela tem. - Confesso que ao ouvir aquele primeiro nome senti um frio na espinha. - E onde vai ser o Congresso?
- Não sei ao certo?
- Como não sabe?
- Infelizmente sou apenas um dos motoristas do Augusto. Fui encarregado apenas de ciceronear você por onde você quiser ir.
- E aonde vamos hoje a noite?
- A um bar.
- Que bar?
- A um bar chamado Caneco Noventa.
- Caneco Noventa?
- É.
- E quem vai com a gente?
- Eu estava pensando em chamar alguns amigos. O que você acha?
- Por mim... Tudo bem.
- Ótimo.
- Vai tomar banho?
- Vou sim. E queria que você me fizesse um favor.
- Qual?
- Não saia daí.
- Tudo bem
Entrei no banheiro seriamente preocupado com a minha segurança. Comecei a pensar com que objetivo a Adriana ia me mandar pra aquele lugar com uma recepção daquelas e me colocar numa situação de risco? Resolvi tirar esses pensamentos da cabeça e, terminando o banho, comecei a vestir de roupa no closet. Depois do banho tomado sentei-me ao lado do telefone enquanto o Eduardo me olhava com uma expressão um tanto quanto curiosa. Peguei o telefone, caminhai até a varanda e liguei para o celular de Adriana.
- Alô quem fala?
- Com quem você quer falar?
- Com você mesmo Adriana.
- Oi, Garoto. Como é, tá gostando do Rio?
- Por enquanto estou. Mas eu queria falar um pouco com você a respeito desse tal de Augusto. Até agora eu não tive nenhum contato com esse cara e a única pessoa com quem eu tenho falado até agora é um tal de Eduardo. O cara é um dos motoristas do Augusto e quer me levar pra sair com ele pra conhecer a noite do Rio... Eu não sei. tô meio preocupado. O que você acha?
- Acho que você pode ficar despreocupado, pois eu conheço o Augusto há muito tempo e ele nunca iria me colocar numa situação difícil com você. Pode ficar tranqüilo, pois se esse Eduardo foi mandado pra te acompanhar é porque o Augusto confia bastante nele. E quanto ao fato do próprio Augusto não ter nem ao menos te ligado é por que ele deve estar, no mínimo, ocupado com os últimos retoques do Congresso.
- Ok. Tudo bem. É que isso me deixou com uma pulga atrás da orelha, mas como você é uma pessoa em quem eu confio, então eu vou ficar despreocupado.
- Tá bem. Qualquer coisa me ligue.
- Pode deixar.
Desliguei o telefone mais despreocupado. Olhei para o mar. O sol estava indo embora e eu não estava muito a fim de ficar parado, trancado dentro daquele quarto de hotel. Caminhei de volta para o quarto e coloquei o telefone no lugar. Fui até o closet, peguei a minha carteira e os documentos. Coloquei-os no bolso, olhei para ele com uma expressão mais branda do que estava antes de telefonar.
- Vamos dar um role! Não é assim que vocês falam?
- É sim. Aonde vamos?
- A partir de agora você é o meu guia. Ligue para os seus amigos e fale que já estamos começando a noite. Fale para eles nos encontrarem onde você combinou antes. Como é mesmo o nome do lugar? Copa Noventa? Não é isso?
- Caneco Noventa. Mas e a sua reserva para jantar? Não vai ficar para jantar?
- Cara, você até que é legal, mas pra ser a minha companhia para um jantar... Tá difícil e jantar sozinho não é a minha idéia de hoje a noite. Portanto eu acho melhor você levantar essa sua bundinha linda daí e fazer o que eu falei. Anda, vamos. Quero conhecer um pouco do Rio.
Ele sorriu e levantou, caminhou até a varanda com o celular na mão e começou a telefonar. Depois de uns dois minutos voltou. Saímos do hotel e entramos no carro. Que carro. Aquela BMW era coisa de cinema. Os vidros fumês, um ar condicionado perfeito e um som digital de outro mundo. Rodamos por diversos pontos da cidade. O calçadão de Copacabana, Leblon, e outros lugares maravilhosos do Rio. Depois de muito rodarmos e vermos pessoas bonitas em todos os lugares, resolvemos parar e fazer um lanche. Fomos a uma dessas lanchonetes que servem aqueles enormes sanduíches. Depois demos mais umas voltas, paramos em alguns pontos ainda mais interessantes.



10

Por volta das oito e vinte chegamos ao tal Caneco Noventa. O lugar é um point onde muita gente bonita se reúne. Os amigos de Eduardo já se encontravam por lá. Ele me apresentou a todos. Era um grupo de oito pessoas e fechamos a mesa pra dez pessoas. Havia cinco garotas. Pares perfeitos. Conversamos bastante e criamos um clima saudável. Contamos piadas, rimos e nos divertimos bastante, falamos sobre cinema e música. Uma garota, em especial, me chamou bastante atenção. Chamava-se Ana Paula. Depois da meia-noite as conversas começaram a ficar um pouco mais dirigidas o que é comum acontecer numa mesa de bar. E ela fez questão de trocar de lugar com um dos rapazes para podermos conversar melhor. Não era muito bonita, mas era muito inteligente e gostava muito de conversar sobre cultura. Ela me falou que nunca tinha batido um papo antes com alguém do Nordeste e sua primeira vez já durava mais de dez minutos. Falamos sobre a internet e como temos afinidades mesmo estando em regiões diferentes. Trocamos alguns olhares insinuantes e Eduardo parece que percebendo um clima diferente entre eu e ela resolveu interferir. Fiquei meio puto com isso, mas deixei pra lá. Já tínhamos trocado telefones e e-mails, então deixei o destino se encarregar do resto. Ela parecia meio constrangida com a interrupção do meu guia, mas não fez nenhum comentário. Depois de uns 40 minutos uma das garotas de nome Susana resolveu chamá-la para ir embora. Ela se despediu de mim com um daqueles beijinhos que terminam tocando de leve no canto da boca. Depois que ela saiu Eduardo piscou pra mim e sentou ao meu lado.
- Gostou dela hein?
- Gostei. E teria gostado mais ainda se você não chegasse pra colocar terra no meu bolo.
- Calma. Eu sei o que estou fazendo.
- Eu também sei. Tá atrasando a minha bóia.
- Aquela mulher é comprometida, cara.
- E como é que você traz uma mulher comprometida pra se encontrar com uma turma, sozinha?
- É que o namorado dela não pôde vir. Ela de vez em quando sai sozinha, mas ele é uma ciumeira só. Deixa isso pra lá. Afinal de contas você está aqui pra um Congresso e não pra namorar.
- Tá bom. Deixa pra lá. Você já estragou tudo mesmo...
Há muito tempo eu tinha deixado essa história de relacionamento de lado desde que a minha querida Beatriz tinha ido embora, e não é por causa de um flerte bem longe de casa que eu iria esquentar a minha cabeça. Depois de mais uns 40 minutos resolvi ir embora. Falei para o Eduardo que estava com sono. Ele não fez nenhum comentário, levantou-se e falou para o restante do pessoal que já era tarde e que de manhã cedinho teria que trabalhar. O pessoal insistiu para que ficássemos, mas ele foi bastante incisivo. Voltou a falar que estava ali ainda a trabalho. Nos despedimos e saímos do bar. Eu não estava preocupado, pois ele não tinha bebido e por isso eu iria chegar tranqüilo no hotel. Aquele rapaz era muito profissional.
Eram quase uma e meia da madrugada quando chegamos ao hotel. Ao pararmos na porta o porteiro atencioso como sempre, veio abrir a porta do carro, cumprimentou-me e eu apenas acenei com a cabeça para ele. Eu estava cansado, o meu corpo pedia uma boa cama e era isso que eu iria providenciar. Eduardo ainda me perguntou se eu precisava de mais alguma coisa. Sorri e fiz um sinal negativo com o dedo indicador. Ele me perguntou:
- De que horas passo aqui pra te apanhar?
- De que horas temos que estar naquele restaurante que eu esqueci o nome?
- No La Bone? Por volta das dez e trinta da manhã.
- Então que tal passar aqui por volta das dez ?
- Por mim tudo bem.
- Então tá combinado. Dez horas eu te espero aqui no restaurante do hotel.
- Deixa comigo e não esqueça: Qualquer coisa é só você me ligar, a qualquer hora, seja o que você precisar.
- Deixa comigo. Tchau.
Ele saiu com o carro. Cumprimentei o porteiro e entrei no hotel. O saguão estava quase vazio. Ao me aproximar do balcão da recepção pude ouvir uma música suave que vinha do restaurante. Pensei em ficar, tomar um último drinque. Peguei a chave, pensei um pouco mais, fiquei alguns segundos com ela na mão olhando para a porta do restaurante e para a cara da recepcionista que me fitava com um olhar de expectativa. Devolvi-lhe as chaves e falei:
- Daqui a pouco eu pego as chaves com você. Vou tomar um drinque e já volto.
Ela sorriu concordando e pegou as chaves. Dei meia volta e caminhei para o restaurante. Se eu soubesse teria feito as minas refeições lá. O ambiente era acolhedor. Resolvi dirigir-me ao balcão. O bar tinha o clima daqueles filmes noir com luzes de neon azuladas. O barman bastante simpático parecia que nunca havia escutado aquelas conversas chatas de bêbado, perguntou o que eu desejava. Pedi um uísque qualquer. Ele acenou com a cabeça e me passou um pratinho com amendoins. Por que as coisas funcionam tão bem nesses ambientes chiques? Todo mundo sorridente e prestativo. Parece que não tem problemas e que nunca toparam com clientes e fregueses chatos? E, além de tudo, eles são muito discretos. Sempre pedem licença quando vão nos servir e sempre perguntam se desejamos mais alguma coisa. Enquanto pensava nessas abobrinhas ele me trouxe o uísque e falou se eu quisesse mais alguma coisa era só pedir.
Do local onde estava sentado no bar podia ver todo o restaurante. Ao fundo estava no palco uma banda que parecia mais o sexteto onze-e-meia. As mesas espalhadas de forma ordenadas pelo salão estavam quase todas ocupadas. Era impressionante como naquela cidade a vida noturna era variada. Tinha também a visão da porta de entrada. Poucas pessoas entravam e saíam do restaurante. Quem mais passava por lá eram os funcionários do hotel.
Depois de alguns goles pensei estar vendo coisas e pensei em parar de beber. Uma mulher de estatura mediana dessas que a gente vê naqueles filmes e com um corpo que lembrava a namorada do Roger Rabbit entrou no restaurante. Dentro de um vestido longo azul e com os cabelos curtos, ela tinha um corpo de deusa. Nadinha de barriga, lindas ancas, seios médios quase grandes que se espremiam dentro do decote. O cabelo curto parecia deixar-lhe mais sensual do que se imagina. De início não pude ver direito o seu rosto. Primeiro por causa da miopia e depois porque a meia-luz que abrangia todo o restaurante. Ela caminhou, ou melhor dizendo, desfilou em direção ao outro extremo do bar. Olhares discretos eram lançados para ela, mas como a maioria dos homens estava acompanhado tudo não passou de olhares. A música -um blues delicioso, diga-se de passagem - que escorria do palco era como uma trilha sonora para os seu gestos sutis e sensuais. Ao sentar ela puxou da pequena bolsa uma carteira de cigarros e acendeu um. O barman foi até ela e segundos depois lhe serviu uma taça de vinho. Quando ele saiu de sua frente é que eu pude decifrar quem era. A loirinha do avião. Putz! Como ela estava linda. Ela fez o mais improvável de toda a noite, olhou pra mim e me lançou um sorriso. Pensei em me aproximar, mas lembrei que ela não falava a nossa língua. Ela continuou me olhando e eu fui ficando sem graça. Tinha que tomar uma decisão, ou correr ou ficar e tentar encarar a fera. E se o namorado dela estivesse por perto? E se ele aparecesse de repente e quisesse fazer um escândalo? Fiquei com cara de Amélia por uns três minutos enquanto sorria pra ela e pensava se deveria me aproximar ou não. Pensei no que falar em inglês. Mas que inglês? O que eu uso pra comprar hot-dog? Ou quando compro catchup? Mas uma coisa em mim dizia que eu deveria arriscar. Peguei o copo e me aproximei. Sentei ao lado dela e fiquei mudo a olhando. Ela me lançou um sorriso bonito e passou a mão nos cabelos o que me deixou nervoso. Resolvi falar devagar e baixinho para que ninguém escutasse o meu péssimo inglês.
- Oi!
- Oi!
- Posso te dizer uma coisa?
- Claro!
- Você é uma das mulheres mais lindas que eu vi em toda a minha vida.
- Obrigada.
- Desculpe, mas o meu inglês não é tão bom assim, mas eu queria muito conversar mais um com você.
-. Por que você não tenta?
- Desculpe, mas acho que não seria bom com as palavras. Realmente eu não sei falar inglês. Sinto muito. Realmente. Mas eu queria que você soubesse que eu nunca vou esquecer você.
- Por que?
- Porque você é muito linda pra ser esquecida.
- Obrigada.
- Desculpe, mas antes que eu fale algo errado é melhor eu ir dormir.
Ela ficou calada e deu um sorriso meio sem graça. Perguntei ao barman quanto tinha sido a conta. Paguei os nossos drinques, apertei-lhe a mão e saí. Caminhei até o hall com as pernas pesando toneladas e com uma vergonha terrível de olhar para trás. Peguei as chaves com a recepcionista, me dirigi ao elevador. Enquanto caminhava pensei o que ela fazia naquele hotel numa hora daquelas. Hora essa que pergunta idiota. Uma mulher chique daquela só podia estar hospedada naquele hotel. Eu é que estava ali de bicão. Então era melhor eu me recolher à minha insignificância e ir pro meu quarto.
A porta do elevador abriu no quinto andar e eu caminhei até o meu quarto. Entrei e senti uma vontade enorme de fumar um cigarro. Não havia mais nenhum. Caminhei até a varanda abri a porta de vidro e deixei o vento entrar. Lá fora pude ver o pisca-pisca das luzes mais distantes e o barulho do mar estava mais nítido do que pela manhã. Voltei para o interior do quarto, interfonei para a recepção solicitando uma carteira de cigarros, desliguei e fui até o closet. Tirei as roupas e coloquei um roupão do hotel, liguei o som num volume agradável e voltei para a varanda enquanto aguardava os cigarros chegarem. Estava eu pensando na vida sentindo a brisa suave da madrugada quando a campanhia tocou. Nem titubeei quem fosse. Sabia que eram os cigarros. Abri a porta e realmente eles chegaram, mas não trazidos por um funcionário do hotel, mas sabe por quem? Pela loirinha do avião e do bar. Quando a vi fiquei boquiaberto e não consegui falar sequer uma palavra, apenas terminei de abrir a porta e ela me sorria maliciosamente. Entrou, fechou a porta atrás de si, aproximou-se de mim a ponto de seu sentir o calor do seu corpo. Bem de perto olhei para o seu rosto, contemplei o seu sorriso, a sua pele os seus cabelos o decote de seu vestido comprimindo maravilhosamente aqueles seios cobertos de sardas e exalando um perfume que era agradável e afrodisíaco. Ela jogou a carteira de cigarros em cima do sofá, apagou as luzes e calou qualquer palavra que eu podia pronunciar com um beijo.


11

Acordei no outro dia com o interfone tocando. Procurei pela loira na cama e ela não estava. Pensei que por certo ela estava no banheiro. Atendi o interfone era a recepcionista informando que Eduardo estava me esperando no saguão. Falei que, por favor, ele me esperasse que dentro de dez minutos eu estaria descendo. Olhei novamente para o lado que ela tinha dormido e encontrei apenas um bilhete dizendo: “adorei a noite. Até breve”. Ela não assinara e, o mais interessante, ele estava escrito no mais puro português. Pensei em interfonar para perguntar quem tinha trazido os cigarros na noite anterior, mas lembrei que os turnos mudam nesses lugares. Entrei no banheiro como uma bala. Tomei um banho rápido e vesti uma roupa apropriada para o encontro que teria logo em diante. O meu estômago roncava. Peguei os meus documentos, fechei a porta do quarto e saí. Quando cheguei no hall não encontrei Eduardo, a recepcionista disse que ele tinha ido até o restaurante para tomar um cafezinho. Corri até o restaurante e lá estava ele lendo um jornal com uma xícara de café na mão, estava muito bem vestido para um dia de Domingo. Sentei-me à sua mesa e ele sorriu.
- Parece que você estava bem cansado. Perdeu a hora!!!
- Realmente. Desculpe o atraso. Detesto fazer as pessoas me esperarem.
- Tudo bem. Já tomou café?
- Não.
Ele chamou o garçom e perguntou o que eu iria comer
- Apenas uma xícara de café com leite.
- Nada mais? - Perguntou Eduardo.
- Nadinha. Estamos atrasados. Além do mais, vamos a um restaurante, lá eu como alguma coisa.
O garçom trouxe o que pedi, tomei meio apressado, levantamos e saímos do restaurante, fui até a recepção entreguei as chaves e saímos.
Durante todo o trajeto fiquei absorto em meus pensamentos. Eduardo ficou calado e perguntou uma única vez o que eu tinha. Respondi que estava tudo bem e que não era nada demais. Mas, meu pensamento não saía daquele quarto de hotel. Eu lembrava o tempo todo da noite alucinante que tinha tido. Tudo se passou na penumbra, mas eu ainda podia sentir o seu perfume e a maciez de sua pele. Os seus gemidos não tinham idioma. Ela não pronunciou uma palavra sequer, nem mesmo quando atingiu o clímax. Apenas gemia e soltava pequenos gritinhos de prazer. O calor que ela tinha por dentro parecia aumentar a cada movimentos que fazíamos. Depois de tudo terminado ela me beijou calorosamente, sorriu, levantou, entrou no banheiro e me deixou extenuado. Quando acordei, cadê?
Quando dei por mim estava na frente do tal La Bone. Que espetáculo. Um restaurante super chic daqueles que aparecem nos filmes de Beverly Hills. Quando o nosso carro parou um manobrista se aproximou juntamente com um dos porteiros vestidos a caráter. O porteiro abriu a porta para mim e o manobrista pediu para que Eduardo apenas saísse do carro. Entregou-lhe uma ficha e levou o carro para o estacionamento.
Ficamos parados, eu e Eduardo, olhando para cara um do outro. Ele falou:
- Pronto. Agora é com você. Vá até o bar e se apresente, a pessoa que vai falar com você já está aí dentro. Eu vou embora. Tenho umas coisas pra fazer, mas ficarei aguardando o seu telefonema me dizendo quando eu tenho que vir te buscar. Independente do que eu esteja fazendo, venho lhe buscar imediatamente.
Quando ele terminou apertou a minha mão e entregou a senha do carro ao manobrista. Eu adentrei o saguão do restaurante e, como ele tinha me dito, me dirigi até o bar. Anunciei quem eu era e, uma moça muito simpática de cabelos pretos e pele morena me pediu para acompanhá-la. Ao chegarmos na entrada do restaurante parei e pedi que me apontasse quem me esperava. Ela, por ser uma pessoa muito discreta, sorriu e falou:
- Senhor, a pessoa que lhe espera é aquela senhorita que está de costa para nós.
- Qual? Aquela que está acompanhada por aquele senhor de camisa azul?
- Não, senhor. Aquela que está de vestido e chapéu brancos.
- Obrigado!
- Por nada. Disponha!


12

Comecei a caminhar na direção da tal mulher. Com calma fui me aproximando enquanto examinava seus detalhes. Em nenhum momento ela virou-se para me ver, mas eu tentava vê-la pelos reflexos dos espelhos que circundavam o restaurante, fazendo-o parecer maior e mais bonito do que era. Eu sabia que estava sendo visto, mas não sabia quem me via por baixo daquele chapéu branco, leve, com detalhes em rendas e pequeninas flores artificiais. O vestido que ela usava deixava as suas costas nuas e um detalhe me chamou a atenção e me fez lembrar mais uma vez da noite anterior, as sardas que cobriam a parte superior de suas costas me fizeram lembrar dos bustos da loirinha misteriosa. Por fim me posicionei a sua frente e ela levemente levantou a cabeça, revelando sutilmente o que não era apenas uma mera coincidência. A loirinha misteriosa era a Ana-não-sei-de-quê e era ela quem estava bem ali na minha frente.
Quase tive um troço. As pernas deram uma leve cambaleada. Pensei que iria cair. Numa fração de segundos elaborei mentalmente a frase que iria fazer em português e a fiz no meu inglês-de-beira-de-cais:
- O que você está fazendo aqui?
Ela me respondeu em bom português com um sotaque sulista e com aquela voz adocicada que lhe era peculiar:
- Tu pode falar em português!
- O quê?
- Bom dia! Terra chamando! Tudo bem?
- Mas o que diabos está acontecendo aqui?
- Tu não prefere te sentar pra que agente possa conversar?
Puxei uma cadeira e sentei-me de frente para ela. Quando acabei de sentar e mal tinha me acomodado, o maitre se aproximou e perguntou o que eu iria querer. Nessa hora eu nem lembreva que não havia tomado o meu café da manhã.
- Um uísque duplo!
- Tem alguma preferência, senhor?
- Traga qualquer um!
- Pois não!
Dialogava com o maitre sem tirar os olhos daquela mulher enquanto tentava organizar os pensamentos na minha cabeça. Porque será que aquela danada não tinha falado comigo durante o vôo? Porque ela não falou comigo no bar e o que diabos aquela mulher resolveu invadir o meu quarto e quase me estuprou na noite anterior? Quem diabos seria aquela mulher?
- Nossa! Vai beber uma hora dessas?
- Deixa isso pra lá. Dá pra você me explicar o que está havendo?
- Antes de qualquer coisa, tu teve ótimo na noite passada.
- Obrigado. Eu nem sei o que falar de você.
- Então não fale.
- Tudo bem.
- Bem. O meu nome é Anna Cecília. Na verdade eu tive vontade de falar contigo desde a hora em que tu sentou ao meu lado no avião, mas é que se eu sentasse iria estragar tudo!
- Tudo o quê?
- Vamos com calma!
- Tudo bem. O que você estava fazendo naquele avião, no restaurante...
- Deixe-me falar!
- Certo!
- Por favor, procure não me interromper. Pois o que eu tenho pra lhe falar é muito importante. E pode ser demorado. Talvez tu te embriague se resolver beber durante todo o tempo que agente estiver conversando!
- Deixe comigo. Já faz tempo que eu bebo e converso. Sei fazer as duas coisas sem misturar as bolas.
- Então tudo bem. Está pronto?
- Pode ficar certa que sim!
- Pois bem. Quando eu te encontrei no avião estava vindo da Inglaterra!
- Isso eu sei!
- Como?
- A aeromoça me falou!
- Pois é. Passei dois anos lá. Tudo começou quando eu morri...
- Como é?
- Eu forjei a minha morte. Eu era casada com um homem muito perigoso e só soube disso depois que estava casada com ele. Eu venho de uma família que podemos dizer que era rica. O meu pai era um bem sucedido homem de negócios no Rio Grande do Sul. Morávamos em Porto Alegre. Mas um dia o meu pai resolveu investir no Nordeste, coisa que ninguém fazia na época. Quando fomos para lá eu tinha apenas dezesseis anos e estava no auge de minha beleza. Era paparicada demais por meu pai e protegida demais por meus irmãos. Sempre viajei pra outros países durante as minhas férias escolares. Eu era uma patricinha nata. Fresca de dar enjôo. Só me dirigia às pessoas quando eram por razões de meu interesse. Certo dia, fui apresentada a um homem que muito me impressionou por sua beleza e inteligência. Começamos a namorar, namoro esse que foi muito apoiado por minha família por ele também ser gaúcho e ter uma excelente condição financeira. Poucos anos depois nos casamos. Depois de dois anos casada com ele é que soube que ele era um perigoso traficante de drogas, fazia parte da conexão Brasil-Colômbia. Quando descobri isso, já era tarde demais e já era mãe de uma garotinha. Ele me tratava como se eu fosse o seu grande objeto de consumo. Um troféu. Ele achava que era meu proprietário. Que tinha o direito de fazer o que bem queria comigo... E fazia. Minha família, por não saber quem ele era realmente, dava-lhe o maior prestígio. O seu dinheiro influenciou demais nas opiniões que minha família tinha em relação ao nosso casamento. Eles sempre acharam que eu é quem não tinha estrutura para segurar o casamento. O meu ex-marido foi a pior pessoa que já apareceu na minha vida. Mas ele continuava a me tratar como a mesma patricinha fresca. Sempre me levando para os melhores restaurantes, me presenteando com os melhores carros, os melhores vestidos e com um ciúme doentio. Isso me deixava completamente sufocada. Quando a minha família sofreu um declínio financeiro, por causa da morte de meu pai, então ele se prevaleceu disso para apoiar financeiramente a minha mãe. Como eu adorava a minha mãe, tive de me submeter às maiores humilhações que uma mulher pode passar para poder continuar mantendo a estrutura que ela tinha e o mais doloroso era ter que continuar com ele para preservar a minha vida. Ele poderia me matar quando eu saísse do relacionamento, pois eu poderia abrir a boca e falar tudo o que eu sabia sobre a sua máfia. Como ele precisava fazer circular dinheiro legal dentro do país, então ele me usou como souvenir temporário para agradar os seus amigos influentes no tráfico. Deitei com os homens mais imundos que você possa imaginar. Homens violentos e até mesmo com vários deles de uma só vez. Tudo o que eu mais queria era sair daquela situação com a minha filha. Essa situação chegou a um ponto culminante quando um dos seus amiguinhos cheio do pó me deu uma surra que me fez parar no hospital. A surra aconteceu depois dele ter me estuprado. O resultado desse estupro foi a perda de um dos meus ovários. O que me deixou impossibilitada de ter mais um filho. Coisa que eu mais queria na vida, só que com um homem de verdade. Depois desse fato eu resolvi virar a mesa. Dei queixa dele numa delegacia. Falei que havia sido ele quem me batera e pedi o divórcio litigioso. Fomos ao tribunal meses depois e seguindo de uma batalha que exauriu as minhas forças, consegui ficar com a minha filha. Mas para mim, isso não era o suficiente. Ele continuava a me ameaçar e um dia chegou novamente a me bater. Ameaçou-me de morte. Estava assustado. Eu sabia muito sobre ele. Coisas suficientes para desmontar todo o seu esquema. Nesse meio tempo eu conheci um homem que foi, para mim, a coisa mais importante que eu tive na vida. O conheci na internet. Vivemos um romance virtual. Eu tinha por ele um fascínio e uma admiração que deixava assustado até a mim. Eu passava horas por noites no telefone com ele. Ele tinha uma enorme preocupação comigo e fazia com que eu me sentisse mais forte e mais segura em relação às atitudes que deveria tomar. Fazia-me sentir uma mulher cobiçada, desejada por um homem de verdade, com escrúpulos e sentimentos de verdade. Ele nunca tinha me visto, mas eu sabia exatamente quem ele era. Então o segui várias vezes. Ele era um homem simples, inteligente e me deixava maluca com suas atitudes maravilhosas. Mas o meu ex continuava a me perseguir. Ligava-me no trabalho, em casa, pro celular. De todas as maneiras ele dava um jeito de saber o que eu fazia e com quem eu estava. A paixão pelo meu namorado virtual crescia a cada dia. Nós passamos meses nos correspondendo e eu sempre evitei o nosso encontro, pois temia por sua vida. Se o meu ex soubesse desse romance, estaríamos mortos. Só duas amigas minhas sabiam da existência e da identidade do meu amor. Depois de sofrer todos os tipos de pressões psicológicas para voltar para o meu ex. resolvi colocar um plano que até o momento deu certo. Graças ao dinheiro que sempre tive fácil na vida, pois eu venho de uma família abastada e o meu pai me deixou uma herança que me rendia cinco vezes mais que o meu salário de supervisora, coisa que modestamente não era pouco, eu comprei documentos falsos e um cadáver.
- Um cadáver?
- É. Um cadáver de uma mulher com o mesmo biótipo que o meu. Numa de minhas viagens a trabalho, foi que comecei a colocar o meu plano em prática. Estava num hotel, numa cidade do nordeste, quando recebi a ligação do meu anjo. Era assim que chamava o homem que eu não sabia o nome e quem me tirou dessa enrascada. O conheci através de uns amigos do meu ex-marido. Coisas que acontecem por acaso. Gastei uma boa grana com ele, mas não perdi tempo e nem tive dor de cabeça. Sem falar que ele é super discreto já fez trabalhos desse tipo para várias pessoas famosas e ninguém até hoje suspeita de nada. O cara tem uns contatos fortes. Então um dia ele me ligou dizendo que o corpo tinha chegado. Uma indigente havia sido encontrada morta. A causa fora natural e por isso não havia marcas no corpo. Quando o corpo chegou ao hotel no dia seguinte, demos um jeitinho de entrar com ele sem sermos vistos. Com uma arma de grosso calibre demos um tiro na cabeça dela de modo que houve uma total desfiguração do rosto. Depois disso fugi para uma cidade próxima e, de lá, comecei a orientar a minha grande cúmplice nessa trama, uma amiga minha de infância. Ela, por ser muito próxima a mim, combinou com um médico amigo nosso, que não sabia nada sobre o plano, a assinar o atestado de óbito para que a minha família não tivesse que passar pelo processo doloroso de ver o corpo no estado que se encontrava. Como ele não suspeitou de nada, assinou o atestado e a polícia técnica terminou engolindo a idéia de suicídio. Fizemos tudo bem feito. Deixamos no quarto copos de bebidas espalhados e um bilhete daqueles tipo “Adeus mundo Cruel”. Como a minha família sabia do meu desejo de ser cremada, fizeram um velório simples, rápido e com o caixão fechado. Depois que o corpo foi cremado, finalmente me mandei para a Inglaterra. Fui morar numa cidade que fica a duas horas de Londres chamada Bournemouth. Lá as pessoas não se importam muito com a vida dos outros, devido a grande quantidade de estrangeiros que freqüenta a cidade. Lá funcionam várias escolas para pessoas de outros países que querem aprender inglês, portanto eles se preocupam mais com os estudos.
- E o dinheiro?
- Bem. Como eu te falei, eu já tinha uma boa grana desde muito tempo e quando eu pensei em me separar pela primeira vez, comecei a economizar o máximo possível. Aprendi a viver de aparência. O que fez com que as pessoas não notassem o que eu estava fazendo por baixo do pano com o meu dinheiro. Isso sem falar nas pequenas fortunas que eu desviava do meu marido com o argumento que iria comprar imóveis. Então iludia o idiota com recibos falsos, recibos de alugueis fantasmas e depositava tudo numa conta que ele pensava que sempre era pequena. Mas na verdade ela era o meu ás escondido na manga. Apliquei todo o dinheiro que tinha em paraísos fiscais com o nome de minha nova identidade. O que facilitou a minha fora do país, já que antes de chegar na Inglaterra, fiz uma pequena turnê pelos trópicos para recolher dinheiro e transferir tudo para a suíça, pois era mais fácil de controlar. Ao chegar em Bournemouth, entrei em contato com várias agências de modelos pedindo books das mulheres mais lindas que eles dispunham no Brasil. A desculpa de que queria lançar uma grife de nível internacional ajudou muito. Eu estava muito rica e consegui ficar muito mais. Consegui uma modelo linda chamada Gabriella Sallazar. Ela é uma das mulheres mais lindas que eu conheci. Marquei um encontro com ela. Perfeita, 25 anos, nem muito jovem e nem tão velha. Fiz com que ela se tornasse a minha funcionária e com um salário de fazer inveja a muita gente. Todas as despesas pessoais dessa garota ficaram por minha conta. Eu a levei para Bournemouth com a desculpa de que ela iria estudar inglês. A família nem desconfiou. Também, com o salário que eu depositava na conta dela, nenhuma família desconfiaria. E, de fato, ela estudou. Durante três meses e meio ela ficou especialista em meu ex-marido. Sabia de cor todas as táticas possíveis para conseguir seduzi-lo. Quando a achei segura e qualificada para dar o golpe final mandei-a de volta para o Brasil a fim que se casasse com ele. Mais uma vez a minha amiga de infância entrou em ação e foi através dela que eles se conheceram. Depois de uma semana com ele pagando jantares altíssimos e festas homéricas, eles começaram a namorar. Ela sempre aguardando as instruções, foi armando a trama perfeita. Depois de enfeitiçá-lo na cama, ela sugeriu o noivado, no que foi atendida logo de cara. Mexi os meus pauzinhos mais uma vez e consegui colocá-la em voga na mídia. Com uns telefonemazinhos aqui e ali, os colunistas sociais caíram em cima da mulher, o que a isentou de passar o mesmo risco que eu passei de ser humilhada e coisa e tal. O idiota casou com comunhão de bens e dois meses depois ela resolveu montar uma grife como eu planejei. O demente investiu uma grana gorda num negócio que eu já tinha montado, ou seja, ele terminou me dando mais dinheiro. Ela, aparentemente, montou uma estrutura que eu já tinha preparado enquanto ela ainda estava namorando ele. Toda a grana que eles investiam nessa grife era dividido entre os dois, só que a parte dela vinha direto pra mim através de uma contrato de trabalho que nós firmamos. Ela dizia pra ele que estava investindo em um paraíso fiscal e o idiota acreditava, pois ela mostrava a ele todos os falsos recibos que conseguíamos com um Zé-mané que era falsificador nas Bahamas e que ficou a fim de namorar comigo. Mas eu sempre tirei pela tangente, fiz o jogo e ele caiu. Bem. Voltando ao canalha do meu ex-marido. A empresa deles não ia muito bem das pernas, mas os negócios dele com a cocaína iam de vento em popa e pra manter as aparência perante a sociedade, pois ele era agora o marido de uma empresária conhecida na alta roda e, de vez em quando, se via cercado de fotógrafos que muitas vezes eu mesma contratava, ele tirava rios de dinheiro do tráfico e investia na empresa. E lá vinha mais verdinhas para minhas contas. Até que um dia chegou a hora do acerto final. Fingindo estar esgotada ela sugeriu a ele uma viagem ao Cairo. Como ele não fazia merda nenhuma na vida e vivia de aparências, topou de cara. Com uma casa previamente alugada numa região mais ou menos tranqüila, eles vieram passar uma quinzena na capital do Egito. Estava tudo bem. Todos os dias ela me passava o relatório sobre a vida do idiota. Ela se queixava dele. Dizia que tinha medo que um dia ela pudesse ser presa por ser casada com ele, mas eu sabia que isso não aconteceria assim, pois ele tinha amigos poderosos e que sempre que ela estivesse assim, pensasse na grana que ela iria ganhar quando tudo isso terminasse. No Cairo, já alojados numa casa simples e numa viagem a dois, ela pediu para que ele a ajudasse a fazer uma pequena faxina no porão. E foi movendo umas caixas de um lugar para o outro que ele morreu picado por um escorpião que eu dias antes tinha colocado lá com a desculpa que gostaria de ver a casa para uma amiga que viria passar uns dias no Egito. Resultado de tudo isso: Como ele estava muito bem da grana que vinha do tráfico e que ele lavava em sua própria transportadora, ela ficou rica, quer dizer, milionária. Como tínhamos um acordo trabalhista, ela colocou tudo na conta da empresa, que na verdade era minha, e saiu lucrando quarenta por cento de toda a fortuna dele. Coisa que é o suficiente para ela viver bem pra o resto da vida, já que a sua grife agora pode decolar. Depois que zeramos a conta, ela mudou o nome da empresa e eu lhe apresentei a um perfeito marqueteiro. E, mais uma vez com a ajuda de minha amiga, que interferiu com opiniões, a minha filha está morando comigo. A minha família pensa que ela está estudando num colégio pra moças na Inglaterra. Colégio esse que a minha amiga se encarregou em pesquisar e matriculá-la. Como a minha família confia inteiramente nela isso, foi muito fácil. Todas as vezes que escrevem, eu respondo com o endereço falso da administração do colégio e quando telefonam, o bina me informa que a ligação é do Brasil, eu atendo com o mais perfeito sotaque britânico. Ela está muito feliz. E vivemos muito bem numa casa muito confortável em Bournemouth.
- Você foi muito inteligente. Mas eu preciso saber algumas coisas pra essa história ficar clara na minha cabeça.
- Pode perguntar.
- O que você faz trabalhando num congresso de teatro, já que você é milionária?
- Olha guri. Na verdade eu nunca esqueci esse homem que eu te falei no começo da conversa. No começo era apenas uma brincadeira. Eu me divertia um pouco até o dia que ele realmente me consolou numa de minhas crises de baixo astral. Eu o vigiei de longe por todos os dias que estive fora do Brasil. Contratei um cara para seguí-lo todos os dias. O cara é bom e ele nunca desconfiou. Na verdade a minha amiga de infância é agora muito amiga dele. Eu ainda o amo com todas as forças que tenho. Ele ainda é a minha loucura. E tenho planos ótimos pra eu e ele. Se ele topar vamos morar na Suíça, ou no lugar do mundo que ele quiser, menos no Brasil.
- Por que?
- Legalmente no Brasil eu estou morta e posso ser presa se for descoberta. Fora do país eu uso o nome de Alexsandra Neves. Nada a ver com o meu verdadeiro nome, mas o que posso fazer???
- Entendo. Mas e o congresso?
- Na verdade não existe congresso nenhum.
- E o que diabos eu estou fazendo aqui?
- ...
- Olha. Não me leve a mal, mas essa história no começo parece muito com uma que eu vivi.
- Eu sei.
- Quem falou de mim pra você?
- Ninguém.
- E como eu estou envolvido nessa história maluca?
- Realmente é uma história maluca.
- Dá pra você ser menos evasiva? Fala do Eduardo.
- Ele é só um cara que eu contratei há um mês pra que fizesse exatamente o que ele fez até agora. Ah. A propósito, gostou do hotel?
- Que pergunta. Quem é que não iria gostar?
- Aquele carro. Tu gostou?
- Claro.
- Eu sabia. Haviam me dito que era uma de tuas marcas preferidas. E a cor?
- Muito bonita. Mas e daí?
- Daí que ele é teu. As chaves estão com o manobrista do restaurante e ele está instruído pra te entregar em mãos quando tu saíres daqui.
- Meu? Porquê?
- Digamos que ele é uma espécie de... Reconhecimento. Um prêmio por tu ter vindo até o Rio.
- Mas eu quero saber o que diabos eu estou fazendo aqui.
- A decisão desse homem depende única exclusivamente de ti.
- De mim?
- É.
- Como?
- É o seguinte. Eu desapareci da vida desse homem sem mais nem menos. O deixei sem dar-lhe sequer uma explicação e agora eu corro atrás do tempo perdido. Este homem, de quem eu falo, me mostrou que o dinheiro não é tudo no mundo, ele me fez ver que o que mais importa é ser feliz com quem se gosta. E ele me fazia feliz a cada noite que nos falávamos ao telefone. Mas como eu tinha pressa em colocar o meu plano em ação, então eu sumi do mapa de uma noite para a outra. Ainda tentei ligar pra ele e dar uma explicação, mas quando ele atendia me faltava coragem. Uma vez passei quase um minuto ouvindo ele dizer alô. Eu chorava muito todas as noites e sei que ele também sofria muito. Imagino como ele ficou quando soube da notícia de minha morte. Contaram-me que os seus amigos mais próximos foram o grande apoio que ele teve quando eu fiz isso. Quase morri de ciúmes quando ele começou a namorar uma tal de Paula, mas eu sabia que aquilo não iria durar. Ela não tinha cabeça e nem estrutura pra conviver ao lado dele. A mulher dele sou eu. Mas não sei se ele vai me querer de volta. Eu fui sacana. Eu... Eu fiz um homem maravilhoso como este sofrer...E isso não se faz.
- Eu sei disso.
- Eu sei que tu sabe disso.
- Quem te falou?
- Uma amiga.
- A Adriana.
- Não. A Adriana é realmente a minha amiga de fé. A minha confidente. Sempre que podemos nos encontramos aqui no Brasil num lugar que só nós duas sabemos e que dentro em breve tu também vai saber. Ela foi o meu grande apoio nesse plano. Foi por causa dela que tudo deu certo. Ela tem muitas amizades. Eu entrava apenas com a grana para resolver as coisas. Não que ela não tenha grana, mas sim porque essa é uma batalha minha e eu tenho que arcar com as despesas das loucuras que faço.
- Então quem foi que falou de mim...
- Eu mesma-
- Você?
- É.
- ...
- Eu sou a gaúcha que tu conquistou na internet. Na verdade eu nunca morri. Anna Beatriz era só um nome que iria te despistar de mim. Mas eu tinha planos para te contar isso logo que a gente se encontrasse.
- ...
- Eu estou viva. E, finalmente, depois de todo o esforço do mundo, estamos frente a frente.




13

Meus amigos, eu imaginei o tempo todo que essa história estava mal contada. Que diabos de congresso tão misterioso era esse? Pra quê tanta mordomia? E esse organizador do congresso que nunca apareceu e nem nunca me deu um telefonema sequer? Além do mais eu não sou tão idiota assim a ponto de não cruzar os fatos dessa história. Só que eu não imaginava nunca que aquela mulher estivesse viva. Naquele momento todos os pensamentos passaram a se misturar completamente na minha cabeça e se reorganizar novamente. Acho que você já teve essa sensação ao menos uma vez na vida, quando uma surpresa assim acontece na vida seja ela boa ou ruim. Durante alguns segundos eu pensei em todas as pessoas que quero bem e que sei que me querem bem. Pensei em minha família ao saber dessa louca novidade e nos meus filhos que poderiam ter uma rotina de vida totalmente alterada, dependendo de que decisão eu tomasse. Pensei nessas coisas enquanto ficava embriagado com o cheiro do seu perfume e totalmente hipnotizado pelo azul dos seus olhos. Ela ficou parada com uma paciência de Jó. Com um leve ar de riso, como o de um jogador que acaba de colocar o outro numa sinuca de bico. Levantei-me, depois tornei a sentar e ela não tirava os olhos de cima de mim. Coloquei a mão no bolso e coloquei o celular em cima da mesa. Não dizia uma só palavra. E ela me acompanhava em todos os movimentos. Tomei mais um gole do uísque, que dessa vez desceu mais quadrado que cubo de gelo. Respirei fundo e liguei para Eduardo. Mandei que ele viesse me buscar. Ele perguntou se estava tudo bem e eu respondi apenas que sim. As minhas palavras com ele ao telefone saiam de minha boca em sons quase inaudíveis. Dessa vez a sua fisionomia mudou. Ela assumiu um aspecto de espanto e decepção.
- E então? Já pensou em alguma coisa?
- Preciso de um tempo. Não se mudam as coisas dessa maneira.
- Eu sei.
- É... Pra mim você esteve morta durante todo esse tempo. Mesmo quando eu mais quis que você estivesse viva, eu tinha a certeza de que nunca mais iria te ver nessa vida. E, de repente, você me aparece assim. Do nada. Viva. Em carne e osso. Linda, perfeita. Saudável. Na verdade foi isso que eu sempre quis. Mas tinha a certeza de que era um sonho impossível. O que você fez foi grave. Você me abandonou quando eu mais a desejei. Eu sei que para você, a vida não foi nada fácil, mas você há de convir que receber da Adriana a notícia de sua morte foi mais ou menos como morrer um pouco a cada dia até aprender a me conformar. A me acostumar quando o telefone toca durante a noite sem ser você me avisando que vai me ligar de madrugada pra que a gente possa conversar melhor. Ainda é doloroso entrar na internet e topar com nicks parecidos com o seu e deixar toda uma história bonita de lado. Você tem tudo pra ouvir um não. Isso não se faz. É quase sem perdão. Mas eu prometo que vou pensar. Não sei o que dizer agora.
- Diga o que quiser e eu vou te entender. Fale o que quiser de mim que eu vou aceitar. Eu só quero que tu decida isso agora ou daqui a algum tempo, mas eu preciso de tua decisão.
- Certo.
- ...
- Posso te pedir uma coisa?
- O que tu quiseres, meu amor.
- Passe essa tarde comigo...
Nesse momento a sua expressão voltou a mudar. Ela exibiu um sorriso de ironia e surpresa. Um misto de malícia e paixão. Pensei que de sua boca iria sair uma frase negativa e contundente.
- ...
- E então...
- Pensei que tu nunca me pediria isso. - ao falar isso a sua voz veio carregada de um misto de malícia e paixão.
- Só que não gostaria que você me pressionasse para obter a minha resposta tão rapidamente
-Como tu queira. Mas o que vamos fazer lá?
- O que você acha?
- Acho que vamos fazer o que eu mais quis fazer contigo durante o tempo que estive longe.
- E o que era?
- Quando chegarmos lá, eu te falo. Aliás. Eu faço.
Segundos depois Eduardo chegou e fomos para o hotel. Durante o trajeto não trocamos uma só palavra, apenas nos demos às mãos e assim entramos no hotel e no quarto.

14

Dois meses depois, após uma verdadeira guerra de nervos cheia de espinhos com a minha ex mulher para convencê-la que sair do país seria uma excelente opção para o futuro das crianças, voei com os meus filhos pra uma cidade do interior da Itália, onde fomos recebidos por Cecília. Ela mesma foi nos apanhar num lindo carro e adivinhe qual era a marca? E a cor?
Lembro-me claramente que durante o trajeto ele me disse uma frase que até hoje não esqueço. Depois que lhe falei que estava feliz por finalmente estar ao lado da minha gaúcha ela riu, me lançou um olhar malicioso e disse:
- Pois é meu garotão. Eu estou bem viva e agora sim, tu é meu!












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