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Contos-->A Sandália -- 01/05/2002 - 23:15 (Luís André) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A SANDÁLIA

De onde eu estava pude observar a sua descompostura quando o seu salto quebrou ao atravessar a rua. Ela era muito bonita. Mas eu apenas admirava o modo como ela se vestia e a forma como andava. Eu estava numa rua muito movimentada do centro da cidade numa papelaria olhando as coisas que tenho vontade de comprar. Isso sempre acontece quando estou sem dinheiro suficiente e garanto que já aconteceu com você também. Ou vai me dizer que você nunca entrou numa loja ou seja lá o que for só pra ficar olhando?
Pois bem foi nessa minha condição de olhador e não de comprador que a vi entrar na livraria, parar e ficar olhando pra a sandália que estava quebrada no seu pé esquerdo. Depois de um suspiro profundo ela tirou abriu a bolsa, mexeu pra um lado e para o outro e tirou uma carteira. Aliás não sei por que as mulheres andam com tanta coisa dentro de uma bolsa. Tenho uma amiga que leva até biscoito dentro da sua. Certa vez ela me confessou que fazendo uma limpeza em sua bolsa descobriu que havia lá um pacote de biscoito vencido há mais de um mês.
Mas voltemos à livraria. Depois da mocinha pegar a carteira ela verificou – acho eu – que estava sem dinheiro – ou com quase nenhum. Solenemente se dirigiu ao balconista que nesta hora estava sem fazer nada e perguntou quanto custava uma daquelas colas instantâneas.
- Três Reais! - falou ele.
- Isso tudo? – estava lisa mesmo, constatei. Fiquei ali olhando as resmas de papel ofício me posicionando da melhor forma possível para ver e ouvir o desfecho daquela situação em que a beldade se metera.
- É um absurdo. – retrucou a moça.
- Infelizmente... – Balbuciou o atendente.
Agora o bicho ia pegar o que ela iria fazer? Mas ela ainda não havia se dado por vencida. Coxeando, mas sem perder a pose ela foi até a porta da papelaria parou e olhou para o relógio. E meteu a mão na bolsa. Agora ela vai tirar da bolsa uma sandália de reserva, pensei lembrando da minha amiga dos biscoitos. Mas não. Como se tirasse um troféu de dentro da bolsa ela sacou um celular. Então a idéia que eu tive é que la fosse chamar um táxi. Ledo engano. Ligou para um tal de Sandro. Que calculo seja o seu namorado ou coisa parecida já que ela não trazia nenhuma aliança nos dedos.
- Paulo, onde é que você está?
Agora o salvador da pátria vem. Vai chegar em seu corcel negro com esporas e arreios brilhantes e vai tirar a mocinha desse embaraço.
- Na zona sul? Tá muito ocupado? Com um cliente? De que horas cê tá livre? Como é tem outro depois? Tá Paulo, tudo bem. Não. Não é nada demais é que... deixa pra lá, é frescura minha coisa de mulher. Depois a gente se fala.
Desligou. Puta da vida. Agora ela vai ter uma crise histérica e vai chorar, pensei. Errei de novo. Ficou parada, me olhou e eu desviei o olhar na tentativa que ela não notasse muito que eu a observava há algum tempo. Ela foi até a porta da livraria, parou tirou da bolsa uma carteira de cigarros e acendeu um. Discretamente fui me aproximado e fiquei ao seu lado, mantendo uma certa distância, é lógico. Vai que ela com a fúria que estava me desse um fora daqueles que dói até a alma. Olhei pra ela e notei que pelo canto do olho ele me olhava. Coloquei a minha melhor cara de pau e resolvi falar.
- Oi!
Ela me lançou um olhar de desprezo e depois respondeu um oi friiiiiio.
- Olha, não me leve a mal, mas eu estava prestando atenção quando você falou com o vendedor sobre a cola e eu notei que a sua sandália está quebrada. Será que não é melhor você ir até um sapateiro e consertar?
- E como é que eu vou sair daqui mancando até um sapateiro?
- Ora, vai indo devagarzinho...
- E pagar o vexame de todo mundo na rua ficar me olhando? Nem morta!
- E o que pretende fazer a respeito?
- Não sei.
- Quer que eu leve a sua sandália até lá?
- Não! De jeito nenhum.
- Por quê?
- E eu vou ficar descalça de um pé só? Aqui, durante uma hora ou sei lá quanto tempo? E se você não voltar?
- Eu não faria isso...
- Quem garante? E se o senhor for um daqueles tipos malucos que tem taras por sandálias quebradas e sumir com a minha para a sua coleção?
- Que é isso? Ta pensando o quê de mim?
- Sei lá... Hoje em dia existe maluco de tudo quanto é tipo...
Me aborreci. Que mulher mal educada! Eu ali na maior das boas vontades tentando resolver a situação dela e ela naquela de paranóica.
- Grossa!
- ...
Dei as costas e fui saindo.
- Moço! Desculpa!
Voltei-me para olhar.
- É comigo?
- É... Desculpa. É que hoje não to num daqueles melhores dias.
- Tudo bem. Ainda quer resolver esse embaraço?
- Claro. O senhor tem alguma idéia?
- Bom. Em primeiro lugar deixe o senhor de lado. O meu nome é Antônio.
- O meu é Sandra.
- Bom Sandra. Que tal você me deixar ir até um sapateiro...
- Mas esse negócio de sapateiro pode demorar...
- O que você tem pra fazer agora?
- Ir pra uma entrevista de emprego numa clínica.
- Médica?
- Não, recepcionista.
- De que horas será a entrevista?
- Daqui a quarenta minutos.
- É realmente pode ser que não dê tempo o trabalho do sapateiro terminar. Essa cola que você queria comprar aqui não iria resolver. Acho que ela não iria agüentar o esforço da sandália...
- Ai, meu Deus... E agora o que faço?
- Calma. Qual o número que você calça?
- 36. Mas o que você ta pretendendo fazer?
- Vamos comprar outra sandália.
- Mas...
- Mas?
- Mas eu não tive nem dinheiro pra comprar a cola daqui da livraria...
- Sei.
- ...
- Faz o seguinte, fica aqui bem quietinha que eu já volto.
- Aonde você vai?
- Resolver esse seu caso. Fica aqui que no máximo em dez minutos eu volto.
- Mas...
- Fica calma que eu já volto... – saí e a deixei com cara de desespero. Apressei o passo e dobrei a esquina. Sabia que a menos de uma quadra dali havia uma sapataria. Entrei na sapataria bem decidido. Tinha memorizado o modelo da sandália que ela estava usando e tinha certeza de que se não o encontrasse pelo menos poderia trazer algo parecido. Fui abordado por um vendedor já de meia idade e que não parecia muito de conversa fiada.
- Posso ajudar?
- Preciso de uma sandália de mulher número 36.
- Certo. E o modelo?
- Onde tem? Talvez se eu vir uma possa ter uma idéia de como quero...
- Por aqui...
Acompanhei o homem até uma vitrine com vários pares de sapatos e sandálias muito bonitos e fiquei parado olhando aqueles modelos todos sem saber qual escolheria. Resolvi questionar o vendedor mesmo sabendo que ele poderia me aplicar um daqueles “leva aquela ali” e “aquela” seria justamente a mais cara. O jeito seria apelar para o cartão de crédito, porque dinheiro que é bom... Mas mesmo assim:
- Meu amigo, se o senhor fosse uma mulher, qual desses modelos o senhor escolheria?
- O que é isso, meu senhor?
Putz! Que fria. O cara agora talvez estivesse pensando que eu estava pensando que ele era gay. Ou pior, talvez estivesse pensando que o gay era eu e o estava cantando para lhe dar ma sandália de presente.
- Calma! Não é nada disso que o senhor está pensando... Olha vocês tem vendedoras nessa loja?
- Não! Não temos. As únicas mulheres que temos aqui são as crediaristas.
- Será que uma delas poderia me ajudar?
- Bom, talvez...
- Faz esse favor pra mim! Chama uma delas lá...
Depois de uns dois minutos lá vem ele acompanhado de uma moça bastante simpática. Ela sim tinha mais pinta de vendedora do que aquele cara que estava me atendendo.
- Pois não, senhor?
- Oi! Tudo bem! Como é mesmo o seu nome?
- Mônica!
- Puxa, Mônica, eu estou com uma dúvida terrível. Preciso comprar uma sandália agorinha nesse momento, mas não pode ser uma coisa qualquer. Sabe... É...
- Pra quem é a sandália?
- É pra uma mulher que eu conheci agorinha mesmo... Mas eu nem sei direito quem ela é.
- O senhor ta a fim dela, né?
- Não! – Cara, esse negócio de comprar sandália para os outros estava ficando mais complicado do que eu pensei. A garota agora queria traçar um perfil meu em relação à mulher que iria ganhar a sandália.
- Olha Mônica, é o seguinte: Eu só queria que você escolhesse uma sandália como se fosse pra você. Simplesmente isso. E eu ficaria muito grato a você.
- Tudo bem...
Depois de alguns segundo em frente à vitrine ela escolheu. Escolheu uma sandália preta com detalhes discretos prateados. Agradeci a ela e o vendedor tratou de efetuar a venda. Ou seja, verificar se era com cheque, cartão e blá, blá, blá...
Saí da loja a passos largos e voltei para a livraria. Lá estava Sandra com um ar quase aflito que se transformou num largo sorriso quando me viu com o pacote da sapataria numa das mãos. Entreguei-lhe o pacote e ela abriu.
- Nossa que sandália linda! Quanto custou?
- Que pergunta mais indiscreta, Sandra!
- Sério Antonio. Me diz o valor. Eu vou te reembolsar!
- Não! É um presente!
- Ta bom, mas faz o seguinte: me espera, acabar a entrevista e agente pode almoçar... Não é uma cantada!
Eu ri um pouco e ela fica meio constrangida.
- Sabe o que é, Sandra... É que tenho que ir pra casa terminar umas coisas que tenho que fazer e não vou poder demorar por aqui. Faz o seguinte me telefona me falando como foi a entrevista e depois a gente marca um almoço ou um jantar com o teu namorado pra comemorar.
- Ah! Que besteira! Vamos me espera!
- Não dá, mesmo.
- Tudo bem. Então me espera trocar a sandália e você me dá o número do telefone.
- Certo.
Nos dirigimos até o balcão da livraria e falamos com o vendedor que a conduziu até o caminho do banheiro. Depois de uns poucos minutos ela estava de volta. A sandália havia lhe caído bem. Havia lhe dado mais charme. Admirava a beleza dela sem qualquer outro pensamento malicioso. Simplesmente a achava bonita e charmosa.
- Que tal?
- Ficou ótima! Gostou?
- Adorei.
- Agora já que você está com pressa e eu também, vamos ao seu número de telefone...
- Tudo bem.
Trocamos ali mesmo o número do telefone e nos despedimos. Ela foi caminhando apressadamente carregando numa das mãos a sacola com a sandália quebrada. A acompanhei com o olhar durante alguns segundos e depois tomei o rumo de casa.
Ao chegar em casa recebi um telefonema de que havia de comparecer a um almoço no sábado – dia seguinte – na casa de minha tia Lourdes para o sorteio do amigo secreto para o natal. Já chegar ao fim de ano e eu nem me dera conta.
Conforme combinado lá estava eu no almoço da casa de minha tia. Rever os familiares é legal. Principalmente os que agente quase nunca vê por motivos de trabalho e essas coisas que interrompem os laços familiares. Entre esse familiares estava o meu primo Paulo. Ele é um daqueles primos que eu sempre quis bem, mas que nunca mais paramos para conversar. Eu com os meus clientes que enchem o saco por causa de seus divórcios e coisas do tipo que tiram o sossego de um advogado de causas familiares e ele com trabalhos variados, sempre que nos encontramos ele está num emprego novo. Conversamos um pouco e ele me falou de uma namorada nova com quem estava. Não perguntei o nome, talvez fosse uma dessas que ele iria durar no máximo uns seis meses. Depois de alguns goles de uísque foi anunciado o sorteio do amigo secreto. Lá fomos nós de volta à mesa. Após o segundo sorteio, porque a minha prima Lúcia havia tirado ela mesma. Eu fiquei sabendo que havia tirado uma pessoa que eu não sabia quem era, mas depois de umas explicações descobri que a minha amiga secreta era a namorada do meu primo Paulo que não havia ido porque estava trabalhando e segundo a minha tia Lourdes ela estaria lá na noite de Natal.
Não revelei quem é que eu havia tirado – mesmo sob a chantagem de minha irmã Célia de me conseguir mais um pedaço de torta de ameixa de minha tia Lourdes que é um dos pratos que mais gosto - e lá fui eu pra casa com o papelzinho no bolso com o nome de Regina.
Depois de uma semana Sandra me telefona num tom apressado me pedindo o meu endereço, pois queria passar com o namorado para combinar o jantar de comemoração. Dei-lhe o endereço e ela desligou rápido, pois argumentou que estava super ocupada, mas estava muito feliz, pois havia conseguido de fato o emprego.
No dia seguinte uma encomenda do sedex chega em minha casa. Era uma caixa. Não havia remetente. Quando abri estava lá a sandália com um bilhete e um cheque:
“Amigo Antonio, Muito obrigado pela sandália, mas de jeito nenhum posso aceitar esse presente. Não me leve a mal. Estou te reembolsando o valor da sandália, com um valor a mais que são pelas despesas do cartão de crédito. Você foi perfeito, só esqueceu a nota fiscal dentro da caixa. Ma tudo bem. Estou te devolvendo a sandália, que ainda está novinha, pois depois que saí da entrevista fui direto ao sapateiro consertar a outra. Você pode dar essa para uma prima, uma irmã, uma filha sua, sei lá. E para não sair no prejuízo aí está o cheque. Quanto ao jantar assim que tiver uma folga marcaremos e jantaremos para comemora conforme combinado, e quem sabe você possa levar a sua esposa, ou sua namorada, sei lá. Mas prometo que nunca esquecerei aquele grande favor que você me fez. Um abraço: Sandra”.
Incrível essa garota além de bonita era muito inteligente.

EPÍLOGO

Chegou o jantar de Natal. Lá estavam todos e eu pra variar cheguei atrasado por causa do meu carro que havia furado um pneu na hora que eu estava saindo de casa. Ao chegar na casa de minha tia o amigo secreto já era. Ao entrar a minha sobrinha Alice, me disse que quem havia me sorteado fora o meu irmão Júlio. Dirigi-me até a minha tia Lourdes depois de passar por quase todos os familiares cumprimentando um por um desejando feliz Natal. Perguntei por Paulo e ela me falou que ele estava na varanda com a sua namorada. Era a hora de me desculpar pelo atraso e conhecer a nova namorada do meu primo. Adivinhem quem era? E sabe qual foi o presente que dei para Sandra Regina? A sandália.
Acasos acontecem.

Luís André



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