O PIOR DOS DITADORES
Délcio Vieira Salomon
Ao ler o artigo do senhor Jarbas Passarinho (EM 6/11/05) sobre o centenário de Médici, a mim ficou patenteado que o incansável defensor do golpe de 64 e da ditadura que o seguiu, desta vez extrapolou.
Não sou capaz de acreditar em má fé do “ex-governador, ex-ministro, ex-senador”; por isso atribuo a viés freqüente ao corporativismo militar o panegírico ao responsável pelo pior período da história do Brasil, os chamados “anos negros” ou "anos de chumbo" da ditadura.
Sabe a cinismo e a desonestidade intelectual não reconhecer que no governo Médici se deu a maior parte dos desaparecimentos políticos e a tortura se tornou não só prática comum dos DOI-CODIs, mas o epicentro de seu mandato.
À consciência de Jarbas Passarinho parece não causar mossa, ter sido Médici o pior dos ditadores brasileiros, autor da truculência de nomear presidente do Congresso o fascista confesso Felinto Muller, mandante da prisão, tortura e degredo de Olga Benário Prestes para campo de concentração da Alemanha nazista, nem de ter sido o próprio Médici o responsável pelo fechamento dos canais de participação política, o que levou a esquerda de então a optar pela luta armada e pela guerrilha urbana. Justificar que o ditador apenas contra-reagiu aos movimentos subversivos é trocar a causa pelo efeito e, pior, dar mostra, por conveniência, de cegueira histórica e política.
Não é sintomático que foi justamente no período do “ame-o ou deixe-o” que surgiram a ALN (Aliança Libertadora Nacional), a VAR -Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária), o MR - 8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro – data da morte de Che-Guevara na Bolívia), as guerrilhas interioranas como a de Ribeira, a de Caparaó, e, sobretudo a do Araguaia?
Se Médici fosse “o patriota e desambicioso pelo poder” como pinta o articulista teria agido de forma a evitar preventivamente esses levantes e poria um basta no processo de tortura que cam-peava solto nas masmorras e nas penitenciárias. No entanto agiu de modo contrário: desafiou e provocou a contra-reação.
Ao invés de cassar o AI5 demonstrou ser seu entusiasta defensor, como o fora quando de sua publicação, sendo chefe do SNI.
Agora declarar que o presidente Médici foi escolhido como “o vilão da história recente, por ter sido o patriota, honrado e ético, o vencedor sem ódio”, é zombar da inteligência alheia e de todos os historiadores da ditadura de 64-85.
Nem como promotor do “milagre econômico” merece crédito, menos ainda encômios. Hoje é sabido que o 1º PND – Plano Nacional de Desenvolvimento, cujo artífice foi o ministro Delfim Neto foi feito apenas para mascarar o endurecimento político.
Na verdade o pseudomilagre nada mais foi do que o início de um processo galopante de endividamento, a abertura à desenfreada especulação, com a pior concentração de renda até então registrada, com o agravamento acentuado da crise agrária.
É inconcebível, portanto, que o Sr. Jarbas Passarinho, no espaço de OPINIÃO do EM, venha elogiar Médici e enaltecer seu governo.
Mesmo que o panegirista se apresentasse como portador do gesto de perdão com respeito aos mortos, como é comum em nossa cultura, nem assim seria admissível.
Simplesmente porque, se “perdoar a quem falhou, faz injustiça a quem não falha” como escreveu Baldassare Castiglione, a um tirano, por nunca se arrepender, jamais se perdoa e muito menos se enaltece.
O máximo que se pode fazer, em nome do sentimento cristão e de princípios democráticos, é esquecê-lo.
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