Luciana Marino do Nascimento
Mestre em Estudos Literários pela UFMG
Doutora em Teoria e História literária
pela Universidade Estadual de
Campinas -UNICAMP.
Professora Adjunta do Departamento de
Letras da UFAC.
Ao Dr. Baldner,
que em sua prática médica,
jamais desconsiderou os efeitos
do amor e da paixão na vida de
seus pacientes.
À Dra. Adriana Santelli,pela
gentileza em transcrever a
letra da música para este
trabalho.
As representações do amor, do desejo e do erotismo são temáticas constantemente recriadas pela arte e pela literatura, o que nos faz concordar com a afirmação do escritor Jorge Luís Borges de que o homem vem escrevendo um único texto através dos tempos e todos os textos se retomam no tempo e no espaço da “Biblioteca de Babel” borgiana.
Portanto, lançar um olhar sobre o desejo, o amor , o erotismo e a sensualidade em um texto/letra de música, como “Borboleta Madura”, de autoria do Médico Psiquiatra Carlos Baldner, representa, sem dúvida, um momento significativo para reler tais temas à luz das reflexões sobre Poesia/erotismo, postuladas pelo Escritor e crítico mexicano, Octávio Paz.
O Doutor Carlos Baldner é Médico Psiquiatra, Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Especialista em Psiquiatria Forense e atua no Sistema de Saúde do Estado do Acre e no Instituto Médico Legal de Rio Branco/AC. A letra de Música “Borboleta Madura”, objeto de nossa leitura, segundo o Dr. Baldner, em comunicação pessoal, foi escrita em fins do anos 70/início dos anos 80, ainda na época de sua Graduação em Medicina e foi inspirada em uma namorada da época.
Carlos Baldner abre sua canção “Borboleta Madura”, referindo-se à figura feminina em sua entrega total ao prazer, envolta em notas de erotismo e paixão:
"Ela treme e deseja
E se entrega gulosa ao me abraçar,
Me estrangula e me beija
Geme, suga e conjuga o verbo amar."
A paixão presente nos versos citados nos aponta para “o excesso, a transgressão”, o que, segundo Rachel Gutiérrez, seria uma forma de irromper o novo, o diferente em nós, permitindo “uma invasão que nos afoga e completa, sufoca, mas preenche, aniquila, mas satisfaz, envolve, pressiona, aprisiona e esmaga, mas também ilumina, leva ao êxtase”, unindo os dois fios: a poesia e o erotismo.
Segundo Octavio Paz, a poesia é uma erótica verbal, enquanto o erotismo é uma poética corporal, sendo que Eros marca uma “sexualidade transfigurada: metáfora. A imaginação é o agente que move o ato erótico e o poético”. (PAZ, 1994. p.12). Partindo desse pensamento, podemos perceber que ao longo do poema “Borboleta Madura”, há um sujeito poético que transforma o sexo em rito, por meio de imagens sugestivas, que se cristalizam na utilização de certos verbos como “ sugar”, “esfregar”, “gemer”, “abraçar”.
O Médico Carlos Baldner prossegue a sua recriação do amor e do desejo com uma contínua progressão de uma relação sexual que se encena no texto. Tal cópula reata e recupera a totalidade do ser, tendo em vista que, conforme afirma Paz, “ao nascer, fomos arrancados da totalidade; no amor sentimos voltar à totalidade original. Por isso, as imagens poéticas transformam a pessoa amada em natureza”, (PAZ, 1994.p. 196), característica que podemos observar no texto:
"O tempo a infância interrompe
Desejos não mais se escondem.
Como sentir tanta coisa e a quem falar?
Quando o casulo se rompe
Logo as entranhas respondem
Que é a borboleta madura e quer voar.
Por isso, geme, deseja, esfrega e me beija,
Me suga com a gula de si completar."
Ressalte-se que ao longo do texto da canção de Baldner, as rimas se fazem presentes, não como simples recurso estilístico, volta à tradição, mas como uma bela recriação do sexo, no qual “a rima é cópula de sons, pois, a poesia erotiza a linguagem e o mundo porque ela própria, em seu modo de operação, já é erotismo. A presença dessas rimas nos apontam também para a possibilidade de “encontrar a mais justa adequação” (no dizer de Caetano Veloso), ou seja, o encaixe e a harmonia entre os corpos e o amor.
O Médico Baldner, sem dúvida, presenteia seu leitor/ouvinte com um belíssimo texto poético, no qual ele nos aponta que, na nossa contemporaneidade, apesar das afirmações em prol do fim das utopias artísticas, o lirismo ainda possui seu lugar na vida e na arte. Afinal, ainda é possível conjugar o verbo amar.
Referências Bibliográficas:
GUTIERREZ, Rachel. No romance do Séc. 19, o amor sublime e os perigos da paixão. In: JACOBINA, Eloá, et. al. (org.). Feminino/ masculino no imaginário de diferentes épocas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.p. 80-94.
PAZ, Octávio. A Dupla Chama amor e erotismo. 3 ed. Trad. Wladyr Dupont. São Paulo: Siciliano, 1994.
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