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Artigos-->CRÍTICO E LIBERTÁRIO -- 21/09/2006 - 11:09 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CRÍTICO E LIBERTÁRIO



- homenagem ao Prof. Pedro de Parafita Bessa -

Délcio Vieira Salomon





“Conheço bem esta casa, pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se”(Drummond)





No dia 17 último faleceu o professor Pedro Parafita de Bessa. A notícia me transportou para o dia 13 de outubro de 1969, data em que ele, diretor da FAFICH, foi aposentado, por força do AI-5. Quase dez anos depois, no dia 19/06/79 como diretor da mesma faculdade, tive a honra de conferir-lhe o título de Professor Emérito, em ato requerido e homologado por unanimidade pela Congregação. Cerimônia de homenagem, não de reparação, como ficou identificada e registrada a solenidade. Afinal não éramos nós os autores da ignomínia.



Se sua morte trouxe-me viva essa lembrança, sinto a necessidade de explorar seu significado com maior detalhe. Vale como paradigma, de que devamos extrair grande lição. Fazendo-o sinto que estou revisitando a sua e a minha casa. A nossa Fafich. Talvez não a de hoje, mas a velha “universidade do alto da Carangola” como a chamava Mestre Velloso.



O motivo da cassação seria traduzido nas palavras do homenageado, quando do discurso de agradecimento da outorga: “para intimidar as universidades, pois dentro delas permanecia a crítica mais virulenta, mais fundada, mais constante e organizada à política e às medidas que eram tomadas”. O Prof. Morse de Belém Teixeira, que o saudou na referida cerimônia, foi na mesma direção “a subversão que vieram inquirir era apenas devoção à liberdade”. A liberdade de pensar e de expressar.



Esta a imagem que sempre tive do Prof. Bessa: a do homem identificado com o pensamento crítico e libertário, por isso mesmo, identificado com a própria FAFICH, que ele podia considerar obra sua também, pois dela foi aluno-fundador e dela nunca se apartou. Mais do que um desabafo, seu discurso projetou sobre a tela de nossas expectativas a personalidade do cientista da psicologia fundida com a do defensor da liberdade de pensamento. Ponto culminante de sua fala bem o retrata:



“A Faculdade de Filosofia veio alterar uma estrutura universitária bastante cômoda para as classes dirigentes. Enquanto a Universidade se compôs de escolas apenas profissionalizantes, baseadas na importação de conhecimentos, técnicas e know-how, a crítica aparecia mais como exceção do que como norma. É evidente que muitos espíritos críticos se formaram em tais escolas, mas também é verdade que a crítica geral das estruturas vigentes era puro acidente no funcionamento de tais instituições. Na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas a situação é, por definição, diferente: esta é uma escola que se destina à crítica, que tem de dar a seus alunos condições de pensarem a realidade com suas próprias cabeças, fora dos modos ufanistas, isto é, pensá-la de modo crítico, escalpelando-a quanto à sua estrutura e modo de funcionar. Esse espírito, hoje, impregna toda a comunidade universitária. E é por isso que as universidades brasileiras são vistas e tratadas de modo tão suspeitoso pelas autoridades do regime vigente. A essa autoridades não interessa a visão criadora, alternativa, heterodoxa, da realidade, mas tão somente a chamada crítica construtiva que não passa, na quase totalidade das vezes, de mera bajulação”.



Há de se registrar que o pensamento crítico e libertário marcou profundamente a Fafich desde sua fundação, predominantemente na década de sessenta. Difícil era entrar para aquela casa, sem, aos poucos, não perceber que se operava, na própria mente, mudança radical no modo de pensar. Não sei se Drummond, ao escrever o verso que serviu de epígrafe a este texto, falou da casa apenas fisicamente. Em minha leitura “direita” e “esquerda”, “subir” e “descer” têm conotação filosófico-política. Por isso julgo apropriado aplicar a imagem à conversão que quase sempre se dava na cabeça de quem entrava para a FAFICH. Por causa de homens como Bessa, Morse, Bicalho e tantos outros, podia-se dizer daquela velha Fafich, tal qual Drummond disse de uma “casa especial”: “Conheço bem esta casa, pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se”. Sem dúvida, o aluno podia entrar conservador e até reacionário, mas acabava encontrando seu dia de estrada de Damasco e acabava confessando que verdadeira epifania se dera em sua vida, obrigando-a optar pela abertura que a “esquerda” lhe proporcionava para poder crescer e subir. Afinal, se descesse ou mesmo se estancasse sua trajetória, estaria a retroceder.



* * *



Vivíamos naqueles dias o movimento pela anistia ampla, geral e irrestrita. Morse, ao abordar a injustiça cometida, argumentou empaticamente: “Como receber ou aceitar um perdão que se transforma mais num ato de violência do que de clemência, pois que esta é ainda resultado de uma coação, imposição de um deliberada vontade coatora? Quando se perdoa a alguém por crime não cometido esse perdão é uma ofensa, uma dupla injustiça, a da condenação sabidamente injusta e indefesa, e a do indulto por nada”.



De certo modo fazia eco antecipado às considerações do Prof. Bessa em torno da perseguição e da punição: “Costumam os meios de comunicação referir-se aos cassados como ‘punidos pela revolução’. Se pensarmos melhor esses atos institucionais não são legislação punitiva, mas persecutória; as pessoas por elas atingidas não foram punidas, porém perseguidas. (...) Se julgamento transformasse perseguição em punição, Galileu teria sido punido, e não perseguido; João Huss, o grande herói da Boêmia, teria sido punido, e não perseguido; as vítimas das lutas religiosas, ao longo dos séculos, teriam sido punidas, e não perseguidas”.



Desde o dia em que conheci o professor Bessa, a primeira impressão, que dele tive, permanece viva até hoje como saudável estereotipia: a do pensador, que fez da reflexão uma constante e do trabalho intelectual uma paixão. Depois de cassado, acrescentou outra marca: a de quem soube superar com grandeza o sofrimento e a perseguição.



Sem dúvida, sua morte, como toda morte de grande personagem constitui perda irreparável. Mas para a UFMG, o dia 17 de setembro veio a significar a segunda grande perda. Não sei qual das duas mais significativa e mais sentida, pois como lembrou o Prof. Morse, naquela memorável tarde, e em tom profético: “a desfiguração da Universidade, com a expulsão de seu seio de nomes da mais alta expressão intelectual e humana representará um prejuízo que só de agora em diante poderá ser avaliado”. E ao referir-se diretamente à pessoa do professor Bessa foi mais incisivo: “Não permitiram que o professor Bessa envelhecesse conosco, em seu laboratório, honrando essa Casa com o seu exemplo. Antes mesmo que a atingisse a idade do conselho, a idade do retrato, como disse de Pascal, Henri Guitton, cassaram-lhe a palavra e o exemplo”.



Sim, este foi em vida o professor Bessa: além do homem justo, correto e bom, o protótipo de pensador libertário e crítico. E por duas inesquecíveis vezes o perdemos.







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